⊱Vinte e quatro⊰

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ais um dia de trabalho.

Estava sentado com os cotovelos apoiados no balcão. Estava tudo muito monótono naquela manhã. O movimento de clientes estava bastante fraco e tudo só ajudava ainda mais para me deixar vazio. Mexia no meu celular, vendo o que havia de bom no meu Facebook. Confesso que não havia nada de extraordinário, mas não conseguia para de rolar a tela para baixo, na esperança de que a próxima postagem fosse melhor que a anterior, implorando para sair daquele tédio.

Cada vez que caía nos meus próprios pensamentos, Henrique tomava todo espaço. Automaticamente o vazio se manifestava dentro de mim, lembrando-me da imensa falta que eu estava sentindo dele. As coisas não deveriam ter acabado daquele jeito. Queria continuar vendo ele, sendo seu amigo e companheiro, mas ele estava magoado demais para tornar isso possível. Eu o compreendia. Era difícil estar apaixonado e ter que levar uma amizade com esse mesmo alguém, não tendo a chance de superá-la, mas ainda sim queria que pudéssemos ser amigos. Talvez fosse egoísmo da minha parte, mas não conseguia evitar.

As últimas semanas com ele foram as melhores possíveis. Rimos, ele chorou, comemos muito, vi um barraco ao vivo na sua família, conversamos e provamos da conexão que formamos em tão pouco tempo. Henrique era uma das pessoas mais versáteis que eu já havia conhecido. Um rico que não era nada esnobe, o que me fez gostar dele ainda mais. Não precisava babá-lo para ter a sua companhia. Éramos como iguais quando estávamos juntos.

O relógio marcava a hora do almoço. Peguei a minha quentinha na bolsa e comecei a comer. A comida parecia um tanto insípida naquele dia, mas continuei comendo, lembrando do dia em que levei Henrique para um restaurante popular para provar da comida boa e barata e como ele pagou cem reais em quentinha para as outras pessoas. Fora muito divertido. Era exatamente aquilo que estava sentindo falta naquele momento.

Também lembrava de como ele havia me mostrado o seu mundo. As comidas com nomes estranhos, mas que no fim tinham algo de que eu conhecia, aquela roupa cara que naquele momento estava guardada às sete chaves dentro do meu guarda-roupa. Também foi ele quem me apresentou o champanhe pela primeira vez. Nunca havia provado algo fino daquele jeito. Era algo bastante saboroso.

Era grato por conhecer pessoas tão incríveis, cheias de energia positiva como Hannah e o seu noivo Lúcio. Conhecer a pequenina Lavínia, com todo o seu encanto e pureza como só uma criança poderia ter. Jean Cloud, que fora um alfaiate muito amigável e habilidoso, me deixando totalmente arrumado para um casamento chiquérrimo. Sentiria saudade de cada pessoa que havia conhecido ao andar com Henrique e principalmente dele.

― Relaxa cara! ― disse Jachson me tirando do meu torpor, enquanto se aproximava. ― Você passou o dia inteiro todo jururu!

― Impressão sua! ― disse soando um tanto vacilante, então limpei a garganta para tentar disfarçar, endireitando o corpo.

― Bem, eu sei que não está sendo fácil para você ter se assumido assim, mas...

― Assumido? ― interpelei perplexo.

― É! ― afirmou ele. ― Agora eu sei o porquê de todas aquelas saídas com o Henrique Honorato!

― Mas do que é que você está falando?

― Não ficou sabendo?

― Do que?

― Do vídeo que saiu do Henrique Honorato brigando por você no casamento da irmã dele!

― Vídeo?

― Sim, saiu um vídeo gravado por um amador do Henrique Honorato brigando com a própria mãe para te defender!

― Me mostra esse vídeo!

― Está bem! ― disse ele pegando o seu celular do bolso e procurando. ― Ah, aqui está!

Ele me entregou o celular em mãos, enquanto o vídeo passava. Não pude acreditar no que via. Era realmente o vídeo daquela noite quando Henrique estava brigando com a sua mãe para me defender das suas investidas venenosas. No vídeo dava para captar bem a mesa onde estávamos, de forma que o meu rosto aparecia nitidamente um pouco atrás de Henrique.

Meu coração congelou e quando o vídeo acabou estava sentindo um turbilhão de emoções. Sentia raiva pelo vídeo, medo, saudades, tristeza, tudo junto e condensado. Minha mente gritava enquanto eu devolvia o celular de Jachson em sua mão. Agora todos achariam de fato que eu era o namorado de Henrique como estava naquele vídeo. Não sabia o que fazer.

― Eu só quero que saiba que nada precisa mudar! ― disse Jachson pousando a sua mão no meu ombro. ― Você ainda é o nosso amigo!

― Eu não sou gay!

― Tudo bem, tudo bem, sei que não preciso te rotular, porque isso é coisa de mercadoria e vou respeitar isso!

― Jachson, me escuta, eu não sou namorado do Henrique!

― Tudo bem, vocês ficaram e estão vivendo o momento sem definir nada!

Estava prestes a protestar quando percebi que não poderia negar que tinha tido algo com Henrique. Não fora algo firmado como uma ficada, mas acabei dormindo com ele de alguma forma, mesmo que ele tenha me pagado para isso. O beijei várias vezes, deixei que ele me penetrasse por duas vezes. Alguma coisa aquilo deveria ser.

Jachson afinal de contas não estava me julgando. Pelo contrário, estava me apoiando qualquer que fosse a minha orientação sexual. Não via o porquê de não contar a verdade do que acontecera entre mim e Henrique nas últimas semanas.

― Cara, é bem mais complicado que isso! ― falei por fim coçando a minha cabeça.

― Tudo bem se não quiser me contar, mas antes de tudo quero que saiba que nada precisa mudar. Ainda vamos querer que trabalhe aqui e se quiser sair com a gente vamos te aceitar também!

― Bem, tem muita coisa que você precisa saber sobre o que aconteceu com Henrique e eu. Acho justo que você saiba e... ― dei uma olhada para mais além de Jachson, onde Guga continuava com os fones de ouvido mexendo no seu celular com os olhos completamente vidrados. ― Bem, acho que se o Guga quiser saber também...

Jachson caminhou até Guga e cutucou, despertando-o para a realidade.

― O que foi? ― disse ele levantando-se da cadeira onde estava sentado e tirando os fones dos seus ouvidos.

― Bem, André quer compartilhar algo conosco e acho que é melhor você escutar! ― disse Jachson num tom sério.

Mesmo um tanto relutante, Guga guardou o seu celular no seu bolso com os olhos agora vidrados em mim. Ele aproximou-se um pouco mais, ficando lado a lado de Jachson para ouvir a história que eu iria contar naquele momento sobre como tudo havia acontecido.

Quem dá mais por ele?Onde histórias criam vida. Descubra agora