Capítulo 10- O Diabo que se encarregue

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Desfiles militares tem dois propósitos e nenhum deles é óbvio.

O primeiro é para o público: eles encorajam a apatia (os mentirosos chamam isso de "paz de espírito"). A guerra parece elegante e organizada, toda arrumada em fileiras. Na praça de armas, os soldados realizam exercícios em terrenos perfeitamente planos, com uniformes novos e limpos. A guerra nunca é elegante ou organizada, mas é fácil de aceitar contanto que o público nunca seja forçado a vê-la "nos bastidores".

O segundo objetivo dos desfiles é mais nefasto. Mesmo no Céu.

"Avançar. Espadas para cima. Em guarda. Defender. Golpear. Guarda. Frente."

Ao nascer do sol, companhias de anjos haviam se aglomerado na praça de armas do Céu, do outro lado do lago de cristal, para treinamento; enfileirando-se, pegando em lanças ou espadas e esperando por ordens, orientações, alguém para dizer-lhes como fazer algo que ninguém nasceu para fazer.

"Espadas para cima. Em guarda. Defender. Golpear. Defender. Frente. Espadas para cima ..."
Os imortais não se cansam ― não como os mortais. É uma batalha na mente.
"Em guarda. Defender. Frente. Golpear. Defender."

Jaelle estava perdendo.

Ela já tinha perdido a noção do tempo quando ouviu o retinir do aço no chão. Provavelmente era um mal que não veio para o bem ela estar cansada demais para perceber que a espada caída era a sua. Nem pensou em pegá-la. Poderia ter perdido os dedos se tivesse. Se fosse uma batalha real, ela teria perdido mais do que isso para um demônio ...
Estavam lutando contra demônios?
Estiveram lutando contra o ar a manhã toda.
"Atenção!"
A companhia― todos os dez mil deles ― se ergueu com o soar de um trovão caindo. Exceto Jaelle. Ela se inclinou para pegar sua espada e estava cansada, cansada demais para pensar em acompanhar os demais.

"Soldado, onde está sua arma?"
Jaelle sentiu-se encolher antes mesmo de avistar a bainha brilhante e seu par de pés de bronze. Uma luz caiu sobre ela.
Não uma sombra. Arcanjos não projetam sombras.

"Algo errado, soldado?"

Uma onda de sussurros, fracos como penas, acompanhava olhares de todos os anjos ao alcance da voz. Jaelle sentiu seus olhos verdes empalidecerem de medo. Ela levantou os olhos tímidos e engoliu em seco. Olhos severos de safira azul a encaravam.

Naquela manhã, o Príncipe Michael pousou diante das fileiras do Céu brilhando como cobre e relâmpago. Cabelo vermelho-fogo, túnicas brancas brilhantes, asas como as de um grou ... Fazia tanto tempo desde que o príncipe tinha aparecido daquele modo, era como recordar um sonho.

O príncipe se abaixou e pegou a espada. (A sua própria estava guardade e invisível no éter.) O gládio simples tiniu na mão do arcanjo como se até esse simples gesto o cortasse o ar. Ele captou a luz do mar, o Véu, as estrelas ― e os lançou de volta em aros. Não fez isso quando Jaelle o segurou. Tamanha graça sem esforço levara séculos ― milênios ― de prática.

Michael disse: "Bem, levante-se, soldado."


Jaelle o fez.


"Sabe o que é isso?"


"Uma espada, senhor ―quero dizer, sua graça."


"Se lembra do seu primeiro objetivo?"

Jaelle tentou. "É ... isto é, nossas espadas ... Elas foram forjadas para lutar contra o Leviatã."

"Forjadas para combater o Leviatã, a besta do caos." Michael deu um giro praticado na espada. "Esta lâmina foi forjada nos fogos da destruição. Foi revenida em água benta. Ordem do caos, soldado. É isso que trazemos. Não cometa erros durante o treinamento básico. "

Good Omens (Belas Maldições) - Segunda TemporadaOnde histórias criam vida. Descubra agora