⤷ 𝐂𝐚𝐩𝐢𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟐𝟔

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Noites e dias se passaram – algo que só podia saber através de Techno, já que a infinidade de estrelas decorando o imensurável fundo negro nos fazia perder facilmente o senso de ciclos diários –, pensamentos me mantiveram ocupada, enquanto o trabalho era encarregado de manter o foco. Estava enfim prestes a terminar o projeto de máquina do tempo que tanto importava.

– Só mais um pouco, e....

* cleck *

.

...

....................

Kuso.... – enterro a face em minhas mãos agora desocupadas, acompanhando um pesado suspiro.

O tilintar da chave de fenda contra o piso metálico quase não é ouvido, mas a disposição de peças espalhadas pelo chão acusam que havia pousado em um local seguro. Seguro o suficiente para o trabalho todo não ter sido em vão. Tivera perdido três horas redondas de trabalho com o mero descuido.

Encaro a lataria à frente entre os dedos de minha mão, coberta por uma fina mecha laranja caída. Se tivesse aplicado só um pouquinho menos de força durante a torção – admito que delicadeza nunca fora meu forte.

Deveria mudar seus hábitos ○

– Quer mesmo falar sobre isso agora?

Todos sabiam o quão óbvio aquilo era, mas eu era determinada demais com as responsabilidades para dar ouvidos a bons conselhos – há quem simplifique para o termo "teimosia".

A inteligência se materializa em forma holográfica, tomando um tempo para observar as latas de café vazias que circundavam as ferramentas, o protótipo inacabado, e a minha pessoa. Pensando bem, realmente tinha que mudar meus hábitos.

Sentado na quase manopla, de pernas e braços cruzados, o pequeno diz:

○ Sei que sou apenas uma máquina, Stark, mas isso não me impede de cuidar de você. Não sou seu pai, sua mãe, nem seu irmão mais velho. As funções biológicas e programação genética me impedem de ser mais do que sua criação. Mas você sabe que é importante, assim como tem ciência de que eu também sei. Então, por favor, não machuque a si mesma ○

O silêncio é a única resposta que lhe entrego. Permaneço na mesma posição enquanto o ouvia proclamar sua reflexão serenamente. Techno sempre fora sábio apesar de suas limitações quanto máquina.

Claramente entendia a minha importância, e não tinha nada a ver com o fato de ser filha de um bilionário ou de uma astronauta que fez história. Todos somos importantes a nossa maneira, por quem somos ou decidimos nos tornar. Cada um tem sua essência única e um lugar no universo para preencher. Tech tinha razão no que dizia, e não era porque eu havia o criado e estivesse concordando com algo programado a minha preferência – ele desenvolvera a capacidade de aprender sem mim, afinal de contas. – Havia sem dúvidas uma conexão forte entre nós, e às vezes parecia que a IA conseguia sentir minhas dores. Digo, literalmente. Ainda não entendia como era possível, mas algo em sua feição e comportamento transmitiam exatamente essa mensagem.

Techno rotaciona seu pequeno rosto em minha direção e demonstra um sorriso inocente e confortante. Por algum motivo seu simples gesto me constrange, fazendo com que desviasse imediatamente o olhar para qualquer outra coisa no quarto.

– Hm... Preciso dar um tempo mesmo. Vou comer alguma coisa.

Levanto sem encarar a bagunça no chão, ou meu guardião. Muito tempo reclusa aos aposentos poderia complicar a saúde mental.

– Você vem? – escondo as mãos no bolso da calça sem muito jeito, visando a saída.

Com toda certeza

***

Por conta da familiarização que as situações nos propuseram, Techno agora se sentia confortável para se mostrar aos demais – ou isso, ou tinha aprendido alguma técnica nova de camuflagem. – Estava sentado por meus ombros onde quer que fosse, e apesar do pouco movimento pelo corredor, observava curiosamente o que se passava ao redor.

Vendo que demoravam a responder ao toque, me curvo novamente para alcançar o botão da campainha. Antes mesmo que pudesse tornar a tocá-la, a porta é aberta.

– Stark! Desculpe a demora, estava terminando de assinar alguns relatórios – diz o engenheiro com toda simpatia. – Por favor, entre.

– Com licença – respondo ao acompanhá-lo.

Como o dormitório do sr. Scott ficava no caminho até o refeitório, resolvi dar uma passada por ele antes. Uma hora ou outra eu teria de procurá-lo mesmo.

Este alojamento se parecia muito com os demais. Porém, a iluminação era mais clara e a decoração não-padrão tinha tom rústico e medieval. A gaita de fole pendurada na parede reafirmava o patriotismo saudoso do senhor Montgomery, enquanto ainda outros elementos pelo quarto remetiam a velha Escócia; como a espada enquadrada com detalhes autênticos em seu cabo.

– Fique a vontade. Quer um uísque?

– Não, obrigada. Não quero tomar muito do seu tempo, sr. Scott.

– Está tudo bem, estou com o tempo livre. É meu dia de folga – explica feliz.

Quando me dou conta, o rapaz já despejava licor em dois copos sob a mesa. Ao tomar assento em uma das cadeiras próximas, Scotty faz sinal para que eu o acompanhe.

Reavalio a situação e chego a conclusão de que não faria mal dar uma pausa do trabalho. Era meu último dia neste mundo, seria bom aproveitar o resto de experiência disponível por aqui.

– Certo – retenho um sorriso ao me acomodar.

Scott observa o gesto tímido em meu rosto e responde da mesma forma, entregando um dos copos. Ele também precisava de descanso, era notório. Sua posição como engenheiro-chefe acarretava em muitas responsabilidades para manter o funcionamento da nave em ordem.

– Então... Como anda o projeto? – pergunta curioso com a bebida em mãos.

– Próximo a finalização. Pra falar a verdade, já teria o terminado. Se não fosse por... – lembrando que Tech estava presente, interrompo o rumo que a frase teria. – O senhor por acaso teria mais alguma chapa de aço sobrando?

O engenheiro pensa por uns instantes. Enquanto isso, dou um gole no uísque que me entregara. Era um pouco forte, mas bom o suficiente para relaxar rapidamente toda musculatura tensa.

– Acredito que tenha alguma dando sopa no laboratório, mas não é certeza. Algum problema durante a construção?

– Ah, nada demais.. só um pequeno erro de cálculo de torque – abaixo a cabeça envergonhada.

Montgomery me fita com olhos semi cerrados. Não sabia distinguir se buscava interpretar a resposta mais a fundo ou se reagira assim por conta do álcool em seu organismo. Em pouco tempo seu semblante se torna risonho.

– Talvez possa ajudar com isso.

– Hm?

Observo seus movimentos enquanto procurava por alguma coisa entre a estante e as gavetas.

– Vejamos... Tem de estar aqui em algum lugar. Onde foi que coloquei?... Ah, sim. Aqui está!

Scotty traz consigo à mesa um pequeno baú empoeirado, medindo pouco menos de 30cm de comprimento. Tinha um acabamento de madeira resistente, mas dava pra notar que estava bem desgastado. Me perguntava há quanto tempo ele guardava aquele baú.

𝙎𝙩𝙖𝙧𝙠 𝘼𝙙𝙫𝙚𝙣𝙩𝙪𝙧𝙚𝙨: Star TrekOnde histórias criam vida. Descubra agora