Prólogo

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Paul sempre respeitou meu desejo de me desvincular completamente da cidade da minha infância. Depois de todos aqueles anos desde que eu fui embora - meus anos de faculdade, meu estágio em Nova York, minha tão sonhada vaga no Post como redatora - ele sempre esteve presente, mas nunca tentou me arrastar de volta para o fim de mundo onde crescemos. Para ser justa, meu pai também não. Acho que ele sempre viu em meus olhos a vontade que eu tinha de ir embora e, quando eu finalmente fui, fez um pacto consigo mesmo para respeitar a minha decisão. De qualquer forma, sempre nos comunicamos mais pelos olhos do que pela boca.

Ele nunca vinha me visitar, a não ser em datas comemorativas. Se já não se sentia confortável em Squahamish, onde a densidade populacional beirava o zero, imagine em Nova York, uma cidade lotada de pessoas saindo por todas as portas, janelas e bueiros. Eu entendia porque ele ficaria nervoso; eu mesma me senti extremamente insegura nos primeiros meses, antes de encontrar conforto no anonimato, como sempre tinha feito. Por um tempo tentei convencê-lo a vir; tinha em minha cabeça uma fantasia de meu pai extremamente feliz em China Town, comendo as guloseimas da sua infância, ouvindo sua língua mãe da boca de outra pessoa que não fosse eu. Mas ele nunca se animou e, depois de um tempo, eu entendi que aquela não era a China da qual ele sentia falta. Ele não sentia falta do barulho, dos cheiros e dos rostos, como eu. Sentia falta apenas de ser invisível; de não ser encarado sempre que ia ao centro da cidade fazer compras porque não se parecia com um americano branco católico que pendurava a bandeirinha colorida em sua casa vitoriana. Engoli a mágoa e o aceitei como ele é, como sei que ele também fez comigo. Assim é a vida.

Paul, pelo contrário, sempre vinha me visitar, e passamos incontáveis madrugadas andando bêbados por Nova York provando comidas de todas as carrocinhas que conseguíamos encontrar. Ele ficava fascinado com as luzes da Times Square, e era sempre tão fofo. Para a surpresa de todos, Paul conseguira terminar a faculdade - sem muitos méritos, mas, de novo, já foi muito além do que esperávamos dele - e agora vendia as guloseimas da sua família em um food truck que passava por cidades vizinhas. Ao longo dos anos, fizemos muitas viagens em sua van, que apelidamos carinhosamente de Norma, e nos divertíamos muito. Ao final de cada dia cheio de pedidos e noite cheia de andanças por cidades novas, eu me deitava ao lado dele em algum Motel de terceira categoria e suspirava. "Eu queria gostar de você", eu dizia olhando para ele, porque tudo seria tão mais fácil se nós pudéssemos apenas arrancar as roupas um do outro ali mesmo e iniciar nosso romance nascido da amizade, porque todos sabem que esse é sempre o melhor tipo, e então eu não teria mais que me preocupar com flertes desajeitados ou mãos tremendo ou suor frio escorrendo da minha testa. Ele me encarava de volta, sorria para mim e dizia, "mas você gosta de outra", e esse era o mais perto que chegávamos de falar dela.

Paul nunca me contou nada sobre a vida dela, apesar de eu saber que eles agora eram vizinhos, e eu nunca perguntava. O impulso vinha com mais força nos primeiros anos. Para ser justa, meu primeiro ano de faculdade foi baseado em muita espionagem online e em muita força de vontade para não interrogar Paul sempre que ele aparecia de surpresa para me visitar. Eu dizia para mim mesma que só não queria que ele se sentisse usado. Ele tinha dirigido quilômetros e quilômetros para me ver e eu não queria que ele fizesse o papel de informante. Mas a verdade é que eu via em suas redes sociais que ela ainda seguia no mesmo relacionamento, e me sentia traída. Eu sei que isso não faz sentido, e que o namorado dela é que devia se sentir traído, mas, enfim. Ela me disse que ia para a faculdade e que iria descobrir quem ela realmente era, e não fez nada disso. Ficou no mesmo lugar, ocupando o mesmo papel, e o que aconteceu entre nós agora deve ser como um sonho para ela; algo guardado em algum lugar da mente reservado para coisas que não são tão reais assim. Eu estava comprometida em descobrir quem eu era longe daquela cidade, mas ela não. E foi assim que nossos destinos se separaram.

Com o tempo, fiquei mais ocupada. Tirar notas excepcionais na faculdade era infinitamente mais difícil do que tirar notas excepcionais no ensino médio de Squahamish, e eu precisava dedicar boa parte do meu tempo aos estudos para manter meu patamar. Além disso, minha sábia professora da escola estava certa. Não existe lugar no mundo melhor para se encontrar do que um prédio cheio de jovens que pensam como você; ou que não pensam como você, mas que estão dispostos a conviver mesmo assim. Apesar de ainda gostar de ser reservada, eu tinha feito amigos. Céus, eu tinha até mesmo conhecido outros chineses. Nós falávamos em chinês uns com os outros e cozinhávamos pratos tradicionais de nossas regiões em datas comemorativas. Mães de amigas minhas, penalizadas ao descobrirem que minha mãe tinha falecido, haviam me adotado simbolicamente, pois, como elas diziam, "a China era uma grande família". Quando me formei, meu emprego me distanciou ainda mais do meu passado. Eu passava dias e noites escrevendo, e estava começando a ganhar algum reconhecimento. Cada mísero elogio era como uma migalha do meu biscoito preferido; eu queria mais, queria o pacote inteiro. E todos que eu conhecia respeitavam a minha obsessão.

Foi por isso que eu fiquei tão chocada quando Paul me mandou uma mensagem relacionada diretamente a ela; a primeira vez que ele a mencionava para mim em todos aqueles anos. Na verdade, a primeira mensagem foi neutra.

"Preciso que você publique uma coisa", ele me enviou no meio na madrugada.

"Amanhã", eu respondi, porque o céu ainda estava escuro e não era o momento de ter que lidar com ninguém, ainda que fosse o meu melhor amigo. Obediente, ele esperou até as 9h do dia seguinte - horário que estabelecemos como educado para ligar para outras pessoas em uma das muitas aulas de socialização que tivemos - e me mandou exatamente a mesma mensagem.

"Eu já te disse que não conheço ninguém na sessão de gastronomia para fazer uma crítica do seu food truck", respondi o que já havia respondido um milhão de vezes antes, e guardei o celular na bolsa para pegar o metrô. O aparelhou bipou assim que sumiu entre as minhas coisas, e deixei para ver sua resposta só depois que já estava estabelecida em minha mesa.

"Não é sobre isso", ele havia digitado, e a incapacidade dele de ir direto ao ponto me deixou estressada.

"Desenvolva", eu enviei, impaciente, e a curiosidade me fez segurar o telefone entre as mãos desta vez.

"Preciso que você encontre um espaço no obituário do Post para escrever sobre o falecimento de alguém."

Quase fiquei preocupada, mas então me lembrei de que era com Paul que eu estava falando. Possivelmente estava falando sobre um personagem de desenho animado.

"Não é assim que funciona, Paul. Os jornais só publicam a morte de pessoas importantes."

"Ela era importante."

Senti pena. Tinha cada vez mais certeza de que estávamos falando de um personagem de Mangá.

"Não importante para você, bobo. Importante de verdade." Digitei a mensagem e não consegui esperar pela resposta dele; meus colegas de trabalho me arrastaram para almoçar em um pseudo chinês na rua de trás, acreditando piamente que aquilo fazia com que eu me sentisse incluída. A comida era horrível e a atendente tinha olhos azuis e atendia por Karen, mas eu sorria e fingia satisfação, porque essa era a melhor forma de fazer amigos no trabalho.

Quando voltei, demorei para pegar no telefone de novo. Não era descaso com Paul, de verdade; ele era, provavelmente, a pessoa de quem eu mais gostava no mundo. Eu só sabia que ele tinha uma tendência a dramatizar tudo, e também a me fazer pedidos mirabolantes apenas porque eu trabalhava em um jornal. Quando finalmente me lembrei de destravar a tela e ler sua última mensagem, meu coração saltou no peito como não o fazia há muito tempo.

"Não épara mim que eu preciso que faça isso. É para Aster. A mãe dela faleceu.

Fugas e RetornosOnde histórias criam vida. Descubra agora