2.

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Quando ela parou na nossa frente para nos cumprimentar, eu ainda estava olhando o anel. Permaneci assim enquanto Paul lhe dava um abraço apertado e lhe dizia que sentia muito pelo que acontecera. Foi só quando ela se desvencilhou dos braços dele e me encarou que eu tive que piscar duas vezes e levantar os olhos para seu rosto.

- Oi. - Cumprimentei, sem saber o que mais poderia dizer. Claro que eu poderia também ter dito que sentia muito, ou que tudo ia ficar bem, ou que a mãe dela sempre estaria com ela. Mas, por experiência, eu sabia que nada daquilo ajudaria.

- Não sabia que você estava na cidade - Ela respondeu, e vi que também segurava na quina da mesa com uma das mãos. Éramos duas mulheres com problemas de equilíbrio naquela tarde.

- Eu não estava, quero dizer, eu acabei de chegar, eu...

- Ela veio para o enterro - Completou Paul para me salvar. Assenti enquanto ajeitava os óculos em meu nariz.

- Ah - Aster me olhou com desconfiança, e não a culpei. Eu não vinha a Squahamish há oito anos, então era no mínimo esquisito que eu tivesse voltado para o enterro de uma pessoa com quem eu não falava. - Bom, obrigada por vir.

- Imagine. É bom estar em casa - Tentei sorrir, mas tive certeza de que ela achou a frase absurda. Se eu achasse bom estar em casa, já teria voltado mais vezes.

- Já fazem, o que, uns sete anos? - Aster me olhou com ironia, e tive a impressão de que ela tinha errado de propósito.

- Oito. - Corrigi, constrangida.

- Uau. E como é a vida lá fora?

- É melhor do que aqui. - Confirmei, e logo em seguida me arrependi. Não queria que tivesse soado como se eu tivesse odiado a minha adolescência; principalmente porque o meu último ano no colégio tinha sido particularmente bom, com ela e Paul.

- Bom, fico feliz que tenha se encontrado - Ela sorriu sem vontade.

- E você? - Perguntei, me aproximando dela só um milímetro. - Se encontrou?

- Ellie Choo-choo! - Trig apareceu atrás dela alguns segundos depois da minha pergunta, passando um dos braços pela sua cintura. O apelido da adolescência - que eu odiava - fez eu me lembrar do quanto desprezava a sua existência. - É você mesmo?

- Não - Respondi. - É o meu clone feito em laboratório.

Tive um vislumbre de um meio sorriso nos lábios de Aster, e me senti vitoriosa. Trig sorriu também, mas de maneira falsa. Paul, para variar, adotou uma expressão confusa.

- Querida, precisamos ir. Tem muita gente para você cumprimentar. - O "querida" soou um alerta na minha cabeça, e instintivamente olhei para as mãos de Trig. Ele tinha a mesma aliança que Aster.

- Bom, obrigada mais uma vez por virem - Ela se dirigiu a mim e a Paul, segurando a mão que Trip estendia para ela. - Por favor, sintam-se em casa. - Ela enfatizou as últimas palavras olhando fundo nos meus olhos, e então nos deixou, caminhando para longe ao lado de seu marido.

Quando eles estavam a uma distância segura, cruzei os braços e me virei para Paul, séria. Primeiro, ele sorriu para mim; a boca cheia de enroladinhos de salsicha. Quando viu que eu continuava séria, mudou para uma expressão compenetrada, tentando entender o que eu queria dizer.

- Como você não me disse que ela tinha se casado?! - Perguntei talvez um pouco alto demais, logo depois me arrependendo e olhando ao redor para ver se alguém tinha escutado. Felizmente, nenhum dos convidados vestidos de preto e/ou cinza que perambulavam pela casa vitoriana de Aster tinham sequer notado a nossa presença. Como nos tempos de escola, pensei.

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