Devaneios de uma mulher de 30

19 - Samantha

Os dias passam como um borram, por sorte não tive nenhuma nova surpresa, mas a ansiedade está forte, hoje será a alta do meu pai, já preparamos toda a adaptação da casa, fiz os exames preliminares, e agora vamos começar os exames de compatibilidade, se tudo der certo poderei ser a doadora. Minha mãe está bem preocupada, ela não quer que eu passe por isso, a Mel também não. Ambas têm medo de no futuro eu pensar em ter filhos, casamento e o transplante ser um empecilho, mas esses planos não passam pela minha cabeça, sei que parece loucura, mas essa é a forma de tirar esse "fardo" das nossas costas. Não estou reclamando de conviver com a minha mãe, nem com meu pai mesmo, mas essa obrigação de cuidar me incomoda, ele nunca teve essa preocupação conosco, apenas foi embora.

Mas...a vida não é um filme, e como nem tudo é como gostaríamos, estou aqui, finalizando meu trabalho para encontrar com eles no hospital, são vários protocolos de higiene, nesse primeiro momento ele estará com um cateter para a hemodiálise, e as sessões são feitas três vezes por semana, posteriormente será feita uma fistula, é uma espécie de acesso na veia para facilitar a hemodiálise, falando assim parece simples, mas é bem delicado. Toda a casa foi preparada, criamos uma rotina para limpeza frequente, a dieta dele foi toda adaptada, a redução de liquido é necessária.

Dou uma rápida conferida em meus e-mails, percebo que o Scott não retornou, nos falamos algumas vezes nos últimos dias, mas com tantos problemas não estou insistindo, informei a diretoria que vamos respeitar seu espaço, e estou fazendo isso nosso prazo termina em alguns dias, enquanto isso troço para que ele veja isso como diferencial.

Tudo em ordem, desligo meu computador, e saio da sala, paro em frente à mesa da Karen, e passo as últimas instruções do dia, não é meu estilo sair mais cedo, mas hoje é necessário, preciso estar em casa com minha mãe.

- "Karen, estou indo encontrar minha mãe no hospital, será uma tarde bem agitada, mas pode me ligar ou mandar mensagem, sempre que possível estarei olhando o celular, amanhã se tudo ocorrer bem estarei aqui no horário normal, qualquer imprevisto eu entro em contato". Ela assente.

- "Sam, vai cuidar deles, principalmente da Dona Vera, aqui tá um sossego só, com certeza não teremos nada grave, e ninguém vai morrer se você passar um dia fora...cuida da sua família"...Amo essa menina, se um dia fosse mãe queria uma filha assim, como isso não vai acontecer, vou cuidando dela como uma irmã mais velha.

Dou um abraço apertado nela, percebo que a peguei de surpresa – "Karen, você é um anjo na minha vida, obrigada por tudo meu pequeno talento..., mas mesmo assim, me ligue se precisar, e senão precisar também".

Ela olha para minha cara e dispara – "Olha estou amando, a Samantha sentimental, mas você precisa sumir daqui agora, ou sua mãe vai matar você. E pode me agradecer com café e chocolate depois, agora vai embora."

"to indo". Mando um beijo no ar e entro no elevador. Lá vamos nos rumos ao inicio da maior incerteza da minha vida, até agora.

Chegando ao hospital vejo minha mãe na recepção, não está sendo fácil, mas juntas vamos conseguir.

Assim que me aproximo ela começa a falar – "Sam, estava só te esperando, ele já está de alta, você quer falar com o médico? Senão podemos ir". E agora, será que quero?

- "Bom mãe, vocês já conversaram, acho que não é necessário, qualquer duvida nos corremos aqui. Acho melhor irmos para ele começar a se adaptar". Entramos no quarto, e meu pai está em pé, ele melhorou bem nos últimos dias, continua com a função renal limitada, mas os demais problemas foram estabilizados.

"Oi Pai, está se sentido bem? Podemos ir?". É uma sensação estranha, quando ele foi embora eu era uma garotinha, e agora ele vai para minha casa, morar conosco.

"Sim, não aguento mais esse hospital". Pego sua mala, são poucas coisas, a maioria já levamos embora.

"Então vamos, a mamãe está assinando sua alta"

Entramos todos no carro, e lá vamos nos.

Vamos voltar a morar na mesma casa depois de 25 anos.

Força na peruca Samantha.

A aventura vai começar.