''Mas não me deixe neste abismo, onde eu não posso encontra – lá! Oh, meu Deus, é impossível! Eu não posso viver sem a minha vida! Eu não posso viver sem a minha alma!".
Emily Bronte nunca fez tanto sentindo em minha vida como nos últimos anos, mesmo passado tanto tempo a dor continua invadindo minha alma, ou o que sobrou dela, evito ao máximo falar sobre isso, mas nos últimos tempo me sinto tão pequena, que as memórias daquela vida voltam. Sinto tanta falta do Pedro, criei essa armadura, mas quando ela cai, volto a ser a Samantha de vinte poucos anos daquela noite fria, foi tudo tão rápido, não tive tempo de fazer nada, apenas o vi sendo levado de mim.
E o Scott, é tão diferente dele, o Pedro era educado, sempre pensava antes de falar, tinha o maior coração do mundo. E por isso eu estava bem confortável com a sua aproximação, desde o acidente nunca mais me envolvi com ninguém, criei essa personalidade bem resolvida para não precisar passar por isso de novo, ninguém merece conviver comigo, minha vida já começou errada, e por azar ou um joga da destino não fui com ele naquele acidente, e Deus sabe como eu queria ter ido, e como tentei após aquele dia, até desistir.
Mas ontem o passeio, a visita a irmã, e toda a cordialidade no hospital, me lembrou muito o Pedro, meu Pedro, e senti um misto de culpa e tristeza, como posso eu pensar em colocar outra pessoa em minha vida, como posso permitir que alguém entre na vida caótica e tão machucada como a minha?
Por isso fugi dele, e continuarei fugindo, decide que vou passar seu manuscrito para outra pessoa, explico para a direção que devido meus problemas pessoais não poderei dar a atenção que o livro merece, e darei suporte ao novo editor. Será a melhor coisa, envolve – ló nessa bagunça não será justo, até porque não posso dar o que ele quer.
Perdida em meus pensamentos até me esqueço da Mel, coitado largou a família para vir cuidar de mim mais uma vez, o Cal deve me odiar. Me apresso em levantar e vou preparar o café, é o mínimo que posso fazer para agradecer tudo que fiz.
Ela acorda com o barulho da cafeteira.
- "Bom Dia flor do dia". Falando isso vem em minha direção e me dá um longo abraço, nunca precisamos de muitas palavras.
- "Bom Dia, conseguiu dormir? O Cal deve estar me odiando". Isso era obvio.
- "Imagina, ele sabe que você precisava de mim, e outra somos uma família."
- "Mas não deveria Mel, você tem uma família incrível, vai acabar perdendo por cuidar de mim, eu já sou um caso perdido, você é a única coisa boa que ainda não desistiu de mim". É um fato, não incluo minha mãe nisso, pois ela é tão ferrada quanto eu, a coitada está lá em um hospital cuidando de um ex marido que nunca ligou para ela.
- "Não fala assim Sam, você é ótima, só teve alguns problemas na vida, quer conversar sobre ontem?". Sabia que essa pergunta chegaria, e não sei se quero falar.
Tomo mais um gole de café para tentar criar coragem, lembro de quando misturava com vodca ou whisky para as pessoas no escritório não perceberem, sei que beber não é bom, mas não existe nada melhor para anestesiar o sofrimento. Como a coragem não vem, decido mudar de assunto: - "Na verdade não, se puder deixar passar, e conversarmos outra hora".
- "Tudo bem, mas fiquei ciente que vou voltar nesse assunto, você me assustou bastante ontem". Apenas assenti, e comecei a me arrumar para o trabalho, quando foi interrompida por minha nova mãe: - "Hoje você está de Home office, avisei a Karen, ela vai enviar tudo por e-mail, é melhor você ficar em casa".
Estava me preparando para fazer minhas objeções, quando pensei bem, não to disposta a ver ninguém, o melhor mesmo é ficar em casa – "Muito obrigada Mel, e desculpa mais uma vez, acho que é melhor você ir ver a Aurora, daqui a pouco ficaram preocupados.".
Ela me abraça e começa a ser a Mel de sempre – "Tudo bem, mas lembra que eu amo você, estou aqui para tudo e para sempre". Conforme ela ia falando seu abraço ficava mais apertado.
- "Mel, você tá me sufocando." Graças a Deus ela soltou.
- "Desculpa, então eu vou, mas me liga e se quiser nos voltamos aqui mais tarde". Eu amo a Aurora, mas só de pensar em bagunça, já fico estressada.
- "Fica tranquila, vou ficar bem". Pego meu notebook, coloco na mesa, me despeço da Mel, e vou me preparar para começar esse dia.
Lembro que não olhei o celular desde a noite anterior, minha mãe deve estar surtando ou se tiver alguma noção saberá que eu não estava bem. Quando olho o aparelho até me assusto, diversas mensagens, como era de se imaginar, minha mãe tinha mandado apenas uma:
Amo você, fique bem.
Essa é a Dona Vera, respondo antes que a preocupação dela aumente, ignoro o fato de a Mel ter dormido aqui.
Estou bem, também amo você
Mande notícias.
Passo para o próximo contato, as mensagens da Karen são uma mistura de profissional com pessoal, e percebo que em algum momento ela se acalmou, acredito que foi quando conversou com a Mel, ela tem o incrível dom de acalmar as pessoas.
Voltou a lista de contatos e vejo diversas mensagens e ligações de um numero que pretendo ignorar, mas será impossível, são muitas mensagens, me limito a responder de forma breve.
Bom Dia, estou bem, obrigada pela preocupação.
Sei que ele não ficará satisfeito, e continuará enviando, por isso já me adiantei e antes mesmo de começar a responder enviei um e-mail a direção solicitando a troca de editor, não posso lidar com isso, não nesse momento.
Coloco o aparelho na mesa ao lado do celular e deito no sofá, logo pego no sonho e mais uma vez começo meu sonho, aquele sonho terrível e familiar.
- "Mel, passa a vodca".
- "Amor, você já bebeu demais". Ai o Pedro sempre estragando tudo.
- "Relaxa, tá tudo certo" ...começamos a rir da cara dele de bravo, somos a dupla perfeita, sei que amanha tudo estará bem, viro a garrafa e continuamos rindo.
- "A Sam tá ficando velha". Eu e a Mel continuamos rindo, o Cal apagado no ao seu lado.
Quando tenho a brilhante ideia de começar a irritar nosso motorista.
- "Tem algum muito bravo aqui". Começo a fazer cocégas nele, e ele fica me empurrando.
- "Sam, eu to dirigindo". Continuo, e ele em negativa como sempre: - "Sam, para é sério".
Nesse momento começamos a discuti, e só escuto a batida...
Acordo aos prantos daquele sonho terrível e familiar.
E novamente Bronte pode resumir minha vida: "O mundo inteiro é um terrível álbum de recordações a provar que ela existiu e que eu a perdi"
Me tornei Heathcliff e ele minha Catherine, e vivo até hoje buscando o dia em que abrirei minha janela e o encontrarei, e poderemos juntos ter a vida que desejamos, e neste dia ele me perdoará por tudo que fiz.
Mas como não vivemos em um romance, voltou a minha realidade e como Heathcliff coloco minha mascara e deixo o mundo imaginar que nada me afeta, mesmo que no fundo isso seja uma grande mentira e que ao final de cada dia volto a ser a menina de vinte e poucos anos naquele corredor de hospital sofrendo pelo maior erro de sua vida.
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Devaneios de uma mulher de 30
RomansaSamantha, é uma jovem prestes a completar trinta anos, cheia de vida e projetos. Com temperamento difícil, muitas vezes acaba por se isolar no seu mundo perfeito, mas algo inesperado acontece e a tira do chão, fazendo pensar e reviver seu passado, e...