C A P Í T U L O 6

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Esmeralda esperava impacientemente do lado de fora do quarto. Qualquer som que escutasse, por mais insignificante que ele fosse, já a colocava em alerta, pronta para entrar no closet e avisar Henry.
Mas enquanto estava no completo silêncio, ela não conseguia evitar pensar no pai. Por que ele precisava a rejeitar tanto? Por que ele era tão desalmado?
Ela se sentia péssima todos os dias em que se olhava no espelho e via uma mulher. Por que não nascera homem? Seria tão mais simples!
Teria tido o amor de seu pai e sua mãe não teria ficado definhando até a morte de tristeza. É claro que ela não aguentou o desprezo do marido e se odiou amargamente por ser mãe do pequeno monstrinho que era Esmeralda.
Um monstro que destruiu os sonhos de todos, foi isso o que seu pai disse para sua mãe durante uma discussão.
Ele viu Esmeralda e sabia que ela estava escutando, mas provavelmente nunca imaginaria que ela se lembraria daquele dia tão claramente pelo resto de sua vida.
– Nós poderíamos mandá-la para um internato do outro lado do país. Pense comigo, Elisa, seria perfeito! – O duque contou a duquesa os planos que tinha para a criança que estava sentada no sofá, encarando os dois e escutando tudo atentamente.
– Não podemos fazer isso, Sam! Seja como for, ela é nossa filha. – A duquesa descartou a possibilidade imediatamente.
Diferentemente dela, o duque não parecia disposto a esquecê-la tão facilmente.
– Exatamente. Filha. Uma menina! Eu não vou permitir que ela seja responsável pelo meu ducado.
– Ela terá um marido para auxiliá-la. Por favor, Sam, estou implorando, deixe-a ficar.
Esmeralda correu até o pai e o abraçou fortemente. Ela não media esforços para agradá-lo, principalmente depois de ouvi-lo dizer aquelas coisas.
– Me deixe ficar, papai – ela pediu com um sorriso. – Prometo que darei orgulho para o senhor.
A menina de cinco anos se dedicava aos estudos incansavelmente, mesmo tão cedo, apenas para agradar o pai. Entretanto, naturalmente como qualquer outra criança, ela ainda errava algumas pronúncias ou trocava algumas letras nas palavras, o que sempre o deixava maluco.
– Você não é minha filha! – O duque gritou com a criança e a atirou para longe de si. – Você é um
monstro que destruiu os meus sonhos e os da sua mãe. Agora saia de perto de mim, e nunca mais ouse me abraçar!
Esmeralda assentiu e correu para longe dele.
Elisa, a duquesa, a pegou no colo e secou suas lágrimas num instante.
– Eu me recuso a mandá-la embora. Pagar os estudos dela não iria aliviar nem a minha, nem a sua consciência. Por mais que repita para si mesmo o quanto odeia essa menina, a verdade é que você apenas sente medo de descobrir o quanto pode amá-la. O quanto pode amar nós duas.
O duque riu histericamente.
– Olhe para nós, Elisa! Nós nunca fomos um casal de verdade e nem nunca iremos ser. O nosso casamento foi uma conveniência, e essa menina é prova de que estou pagando todos os meus pecados por ter me casado com você e não com qualquer outra dama. Eu a odeio, e odeio você por me impedir de me livrar desse pequeno verme.
– Por favor... – ela implorou enquanto lágrimas desciam de seus olhos – não diga isso na frente dela. Ela é apenas uma criança!
– Pare de chorar – ele gritou para Esmeralda – ou vai terminar como uma tola sentimental igual a sua mãe.
A duquesa começou a se afastar com a criança nos braços.
– Chega! – ela gritou para ele. – Estou farta de suas grosserias.
– Tudo acabaria se ela fosse embora e conseguíssemos arranjar um menino. Eu tenho certeza que eu conseguiria engravidá-la sem essa criatura por perto! Ou se não conseguisse, arranjaria uma amante qualquer, uma que fosse capaz de me dar um garoto.
A duquesa praticamente correu com Esmeralda até as escadas, onde elas não conseguiam mais ouvir os gritos do duque.
– Ele não odeia você... – Elisa a garantiu. – Só é cabeça dura demais para negar isso em voz alta.
Esmeralda continuou a choramingar enquanto a mãe a levava até o quarto.

O som de passos que se aproximavam cada vez mais fizeram Esmeralda despertar das suas lembranças.
Ela conseguiu ouvir algumas vozes enquanto corria para dentro do quarto e se apressava indo até o closet, onde encontrou Henry segurando uma camisa, nu da cintura pra cima. Não teve tempo para explicações, e tudo o que conseguiu fazer foi se jogar contra ele e o encurralar em uma parede.
Quando sua expressão indicava os questionamentos que ele estava prestes a fazer, ela colocou a mão em sua boca e sibilou um shhhhhh.
Mas não conseguia impedir, de forma alguma, as sensações em seu corpo, resultado de estar tão perto dele.
A eletricidade estava de volta, fazendo com que as pernas de Esmeralda parecessem gelatina. Ela quase estremeceu por um curto momento, e rezou para que Henry não tivesse notado.
Os seus pelos se eriçaram toda as vezes em que sentiu a respiração de Henry perto demais do seu pescoço.
Os dois escutaram a porta do quarto se abrir e ficaram ali, esperando ansiosos pelo desenrolar daquela situação.
– Você está enganado, José. Não há ninguém aqui – dissera Marisa.
O tom alto de Marisa fez Esmeralda se questionar silenciosamente qual era o porquê daquilo. Parecia uma encenação.
– Não aqui, isso é óbvio. Mas ainda precisamos checar o closet do duque. – E então começou a caminhar em direção a porta do closet, já prestes a abri-la.
Marisa tossiu, parecendo querer prolongar aquele diálogo antes que ele abrisse a porta.
– Ora, deixe de ser paranóico! Vamos voltar aos nossos afazeres ao invés de continuar procurando quem não está aqui, por favor.
Ele se apressou em contrariá-la.
– Eu ouvi a porta se fechando, Marisa, com certeza alguém esteve aqui!
– Aparentemente não está mais. Pense comigo, homem, o que o duque vai pensar de nós se nos encontra aqui, bem agora? – ela questionou, mais uma vez num tom de voz elevado. – Acho melhor irmos embora logo, pois ele está prestes a subir para cá.
Esmeralda entendeu no mesmo instante. Marisa sabia da presença dos dois, e mais do que isso, estava os informando para serem ligeiros ou seriam pegos pelo duque.
Ela não escutou o murmúrio de José, apenas ouviu quando a porta se fechou.
– Seja rápido! – Ela disse se afastando dele. – O meu pai já está vindo.
Henry sorriu.
– Devo lembrá-la de que essa brilhante ideia foi sua?
Ela devolveu o sorriso sarcástico no mesmo instante.
– E eu devo lembrá-lo de que o senhor concordou com ela? Do contrário nós nem estaríamos aqui.
Ele a encarou com um olhar atrevido.
– Não faria isso se a senhorita não tivesse insistido tanto.
– Mas fez, de toda forma, além de que...
A lady se calou quando pôs os olhos em Henry e o observou atentamente.
Ela nunca tinha visto um homem despido, mesmo que apenas da cintura pra cima, em toda sua vida. Mas ainda assim, não achava que os inúmeros músculos de Henry fossem comum em todos os outros cavalheiros de Londres.
Esmeralda o encarou por uma boa passagem de tempo. Estava sentindo a boca seca e sua pulsação estava rápida, provavelmente pelo desejo. Estava tão inebriada pelo perfume de mar e madeira que vinha dele, que quase se sentia tonta.
Também não pôde deixar de notar os cabelos levemente desgrenhados. Alguns cachos rebeldes haviam caído em sua testa quando Esmeralda o empurrou contra a parede. E ela sentiu uma enorme vontade de ir até ele e afastar as mechas dali. Queria saber qual a sensação de percorrer os dedos sem pressa pelo cabelo negro e...
Esmeralda se obrigou a olhar para qualquer outra coisa que não fosse o homem enorme em sua frente.
– Além de que o quê? – ele a questionou, a trazendo de volta para a discussão.
Ela mal se lembrava do motivo do conflito, muito menos do que queria ter dito. Por isso murmurou enquanto evitava olhá-lo:
– Não temos tempo a perder. Acho melhor acabar de se vestir.
A lady notou o olhar intenso de Henry passar para um zombeteiro.
– Eu já teria feito isso se você não tivesse me empurrado contra a parede.
Ela sabia que Henry a deixara fazer aquilo, pois nunca teria força o suficiente para colocá-lo naquela situação. Mas isso não a impediu de pensar seriamente em explorar sua força física. Ela riu com a ideia.
– O que tanto acha engraçado? – ele perguntou, o olhar sereno.
– Eu não sei. – Ela disse, pensando no assunto. – Acho que... é divertido estar com você.
A lady nunca tinha sido tão sincera em toda sua vida quando se tratava de seus sentimentos. Mas sentia que precisava lhe dizer aquilo, porque por mais incrível que pudesse parecer, sentia que o lorde poderia arrancar qualquer confissão que quisesse dela.
– Eu concordo completamente. Apesar de você ser uma mulher teimosa e irredutível, também é uma ótima companhia.
Ela riu novamente.
– Que ótimo elogio! Devo agradecê-lo de joelhos?
Henry fingiu pensar por alguns instantes.
– Não vou me opor se você fizer muita questão.
Os dois se entreolharam novamente, e ela quase teve certeza de que o brilho no olhar de Henry fora causado por ela, mas não ousou se iludir tanto.
Uma amiga, era isso o que ela era. E assim permaneceria pelo resto da vida.
– As roupas do seu pai até que me caíram bem.
Esmeralda olhou para baixo e percebeu que ele já estava pronto.
O duque não tinha nem de longe metade dos músculos do lorde, então a roupa apertada apenas destacou os braços fortes do rapaz.
A lady estava pronta para tomar uma garrafa inteira de água depois de olhá-lo daquele jeito.
– É melhor irmos – ela disse, se apressando. – Ou corremos o risco de sermos flagrados pelo meu pai.
O que acabou acontecendo de toda forma.
Quando os dois estavam de braços entrelaçados em direção a carruagem de Henry, o duque foi até eles para fazer um convite de última hora para o lorde.
– Lorde Henry, vim avisá-lo pessoalmente sobre um jantar que acontecerá em dois dias aqui, em minha residência. Gostaria de saber se posso contar com sua presença? – ele questionou sutilmente.
Esmeralda se mordeu por dentro. Como ele se preocupou em informar a Henry em primeira mão, mas nem se deu ao trabalho de contar a ela? Aquela também era sua casa, ora!
– Oh, é claro! Me sentirei honrado em acompanhar lady Esmeralda nesse evento.
O duque sorriu para ele, surpreendendo Esmeralda. Ele quase nunca sorria para ninguém.
No entanto, a sua expressão passara de alegria para surpresa, quando notou que Henry usava suas roupas.
Esmeralda já começou a imaginar o que aconteceria quando o duque juntasse os pontos e entendesse o que aconteceu, mas Henry foi rápido em se justificar.
– Queira me perdoar pela falta de educação, por favor. Esqueci de informar ao senhor de que houve um pequeno imprevisto, e alguns criados buscaram esses trajes para mim. Espero que isso não o aborreça, pois eles fizeram tudo atendendo a um pedido meu.
O sorriso do duque estava de volta.
– Fico feliz por já estar conhecendo-os, pois serão seus criados e o servirão muito em breve. E não, lorde Henry, eu não fico aborrecido de modo algum. Pelo contrário, me deixa orgulhoso vê-lo tão bem vestido em um dos meus trajes – ele deu leves tapinhas no ombro do lorde. – Se quer saber, gostaria realmente que o senhor fosse o meu filho.
Esmeralda sentiu como se uma faca enferrujada estivesse sendo enfiada sem parar em seu fraco coração. Aquilo havia sido demais para ela.
Esperou e esperou por uma resposta educada do seu futuro noivo, mas ela não veio.
Quando encarou Henry, viu uma expressão de puro ódio. Mortal.
– O senhor tem uma excelente filha, se me permite dizer. Não vejo razões para o senhor a menosprezar tanto como anda fazendo. Ela está fazendo o que o senhor deseja, não está? Negociando um bom casamento para preservar o seu ducado.
Esmeralda não gostaria de ficar para ver como aquilo terminaria.
Se ela quisesse ser sincera, temia por Henry. Depois daquilo, ela sabia que o seu pai teria objeções pelo casamento dos dois.
A última pessoa que a defendeu daquela forma, sua mãe, acabou morrendo sozinha em um quarto, cansada demais para lutar.
Mas ela não iria permitir que o pai tirasse dela alguém importante outra vez.
Sabia que não haveria um casamento de fato entre os dois, não um que fosse além dos papéis. Mas mesmo assim, não queria se ver dessa forma com outra pessoa que não Henry.
– Foi um dia cansativo – ela disse antes que o seu pai tivesse chance para abrir a boca – deve estar louco para ir descansar em sua casa, lorde Henry.
Ele lhe lançou um olhar que ela não soube decifrar. Talvez estivesse com raiva por ela ter impedido o confronto, mas não se importava.
Ele só podia estar cego por não perceber que, fazendo aquilo, estava colocando em risco o ducado que tanto desejava assumir.
– Vou levar o nosso convidado até a carruagem – ela informou ao pai. – Os senhores terão tempo o suficiente para discutir questões em dois dias, no jantar.
Esmeralda praticamente obrigou Henry a sair do lugar e começar a caminhar até seu transporte.
Quando os dois já estavam longe o bastante do duque, ela olhou para ele e murmurou enraivecida:
– Você perdeu a cabeça? Ele pode tomar o ducado de você só por errar a etiqueta, seu... seu... cabeça de vento!
Henry gargalhou, e parte da raiva que sentia se fora quando ela ouviu aquele som.
– Antes de qualquer coisa, precisa melhorar os seus xingamentos. Mas fique sabendo, doce Esmeralda, que se ele me negar o ducado por defender você, que seja.
O coração de Esmeralda começou a bater descompassado.
– O quê? – ela questionou enquanto tentava não ofegar.
– Não vou permitir que ninguém trate você mal. E não importa se a pessoa é o seu pai e um duque. Maldito seja o papa se ousar maltratá-la, inferno!
Esmeralda encarou Henry seriamente. Quando sentiu os seus lábios se repuxarem em um sorriso, imaginou que não tinha mais nada a perder depois do dia que tivera, e o abraçou por impulso.
Não importava se ela parecesse uma idiota agora. Não importava se a demonstração de afeto era vergonhosa demais. Nada arrancaria dela o sentimento de felicidade, e tudo o que conseguiu fazer foi se jogar em Henry e deixar isso claro para ele.
Quando os dois se afastaram, ele olhou para ela uma última vez e subiu na carruagem.
Depois daquele dia, algo tinha mudado. Ela sabia que nada permaneceria igual.
Não depois de perceber que o motivo de seu coração bater tão fora do ritmo era ele.

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