C A P Í T U L O 9

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Esmeralda continuou a pensar durante todo o trajeto de sua casa até a residência dos Jones, onde ela encontraria sua tia viúva e a filha dela. 
Apesar da família materna não ter títulos, tinham dinheiro o suficiente graças ao patriarca da família, e viviam sem precisar de absolutamente ninguém. Eles nunca quiseram se envolver com a família paterna de Esmeralda. Quando Elisa se casara com Sam, todos lhe viraram as costas.
   Sabiam, lá no fundo, Esmeralda pensou, que os títulos não faziam bem a qualquer coisa além do ego.
   – Eles foram os primeiros em que pensei – a governanta informou – e quem respondeu a minha carta com mais agilidade.
   Esmeralda concordou com um aceno de cabeça.
   – Apenas não a entendo. Por que pensou neles? Não são importantes, e além disso, não gostam de mim. Por que nos aceitaram?
   – Não sei dos motivos de sua tia, mas sei dos meus: uma semana reclusa da sociedade e dos falatórios é exatamente do que a senhorita precisa.
   – Entendo. Mas por que, Srta. Helena, resolveu vir? Sei o quanto detesta residências humildes.
   Entretanto, isso nunca havia incomodado a lady.
   – Tem toda razão, mas eu não poderia deixá-la a mercê deles. Poderia ser descuidada! E será que tem criados neste lugar?
   Esmeralda soltou um suspiro exasperada.
   – Não importa.
   Helena a repreendeu.
   – Como assim não importa? Minha querida dama, a senhorita é uma lady! Isso é o mínimo que pode exigir.
   Santos Deus, que mulher difícil! Ela suspirou.
   – Srta. Helena, enviamos uma carta pedindo auxílio. Eu diria que não estamos em condição de exigir nada.
   Sabia que alguém precisava dizer a verdade para a mulher. E ao contrário do que imaginava, ela reagiu bem: ficando em silêncio. Era o mais próximo de você está certa, me desculpe que ela sabia expressar.

~

   – Irei chamar a Sra. Jones.
   Depois de serem recebidas pelo mordomo, se sentaram no divã e olharam uma para a outra.
   – E se ela for horrível, Srta Helena?
   Esmeralda abaixou os olhos, incapaz de encarar a governanta. Tinha exposto a ela os seus medos, porque tudo do que não precisava era de mais um parente a renegando.
   – Ora, recomponha-se, Esmeralda! Será só uma semana, e a opinião dela é irrelevante.
   Por mais incrível que pudesse parecer, sua voz beirava a ternura.
   – Obrigada.
   Ela quase sorriu, mas engoliu em seco quando ouviu uma voz que não era de nenhuma delas.
   – Bom dia, senhoritas. Espero que tenham sido bem acolhidas pelo meu estimado mordomo, Kyle.
   Helena a respondeu.
   – Fomos, sim. Receba os meus agradecimentos, Sra. Jones, por ter nos recebido tão em cima da hora.
   Ela afastou os agradecimentos no mesmo instante.
   – Devem estar cansadas da viagem – concluiu, e Helena balançou a cabeça em concordância. – Vou pedir para Kyle mostrar os quartos.
   – Eu prefiro... – Esmeralda pigarreou. – Prefiro ficar por aqui. Não estou cansada.
   Helena iria repreendê-la, mas desistiu no último segundo e subiu as escadas acompanhada do homem de meia-idade.
   Quando já estavam longe o bastante, a lady questionou:
   – Por que nos deixou visitá-la?
   Tinha receio em ser rude, mas não havia tempo para bajulações.
   A tia olhou para ela e a examinou por alguns instantes. Esmeralda poderia jurar que a viu sorrir, mas durou menos de meio segundo, então se convenceu de que era sua imaginação fértil.
   – Porque você é a minha sobrinha, no fim das contas.
   No fim das contas.
   A dama concordou com a cabeça, e estava prestes a murmurar um obrigada antes de seguir a governanta até as escadas, mas a Sra. Jones a interrompeu.
   – E porque, minha querida, me sinto culpada. Muito.
   Era uma surpresa.
   – Culpada?
   Ela confirmou com um aceno.
   – Desde que recebi um telegrama sobre a morte de Elisa, não paro de pensar em você. Era apenas uma criança quando aconteceu, e então comecei a imaginá-la presa em uma casa com aquele... com o seu pai – ela pronunciou a palavra como se fosse um xingamento. – Eu gostaria de tê-la buscado, mas sabia que iria fracassar. Eles não deixariam que sequer a víssemos.
   Esmeralda queria questioná-la sobre tanto, mas deixou que falasse.
   – No seu aniversário de quinze anos, a enviei uma carta. Eu expressei todo o arrependimento e a culpa, por nem sequer ter tentado. Me senti uma covarde durante todos esses anos.
   – Eu não... não recebi essa carta – ela disse, tentando conter o choro. Sentia um caroço sendo formado em sua garganta, a impedindo de falar.
   – Eu imaginei. O seu pai sempre foi muito controlador com vocês. Nós nem podemos ver minha irmã antes que partisse. Nem nos deixaram ir no funeral, e tudo porque...
   Esmeralda notou as mãos trêmulas da tia, exatamente como as dela ficam quando sente desconforto, e se viu obrigada a ajudá-la.
   – Sente-se, por favor.
   Elas se acomodaram, e Esmeralda ousou segurar uma das mãos dela. Um segundo depois a outra mão da tia às envolveu, e ela parecia melhor para falar.
   – Não permitiam nosso contato apenas porque a família não aprovou o casamento. Não me entenda mal, querida, mas o seu pai – ela o xingou nas entrelinhas novamente – sempre me pareceu alguém desagradável, e eu não estava errada.
   Ela respirou profundamente antes de voltar a contar.
   – Nosso pai havia morrido, e eu me casei às pressas para garantir o sustento de Elisa, mas isso não significa que eu já não amava o meu falecido esposo na época – ela justificou. – Éramos apenas nós três: Eu, Sr. Jones e sua mãe. Mas éramos felizes. Acima de tudo, felizes!
   Sra. Jones sorria à beça com as lembranças, expressando as saudades que sentia.
   Os dois haviam partido. Os dois tinham a deixado, e Esmeralda nem conseguia imaginar a dor que ela sentira.
   – E por que ela os deixou?
   Sra. Jones deu de ombros.
   – Sinceramente? Não faço a menor ideia. Meu melhor palpite é que sentia que era um peso pra nós, mas ela não era, nunca foi. Provavelmente se sentiu obrigada a aceitar o pedido de casamento de Sam, pois ele iria se tornar duque e isso era uma grande oferta. Apenas um negócio frio e calculista, nada de amor. Isso não combina com a nossa família, Mel. Oh querida, me desculpe, posso chamá-la assim?
   – Por que Mel?
   Sua tia sorriu.
   – Porque foi assim que sua mãe a descreveu na primeira e única carta que conseguiu nos enviar. Disse que seus olhos eram cor de esmeralda, e que iria chamá-la assim. Ela também disse que a primeira coisa que comeu, depois do leite materno, foi mel. E você adorou. Ela descreveu aquele momento com tanta ternura, querida, tanto amor... Foi assim que pensei em você em todos esses anos. Feliz com todo o mel.
   A dama gargalhou.
   – É claro, tia. Chame-me como desejar. Mel... – sorriu – soa bem.
   Ela devolveu seu sorriso e continuou.
   – Resumindo, minha querida, fomos afastados de vocês duas desde que o casamento foi oficializado. Sam prometeu voltar com Elisa em duas semanas para uma visita, mas isso nunca aconteceu. No início, afastamos a desconfiança e nos convencemos de que era tudo um engano; nos convencemos de que eles tiveram algum imprevisto ou que tinham esquecido, mas logo entendemos tudo quando não responderam nenhuma de nossas cartas. Enviei cem cartas, Mel, até finalmente me conformar. Ela não voltaria. Não nos contataria. Nunca mais. Até você nascer...
   Esmeralda viu o brilho nos olhos da mulher e não conseguiu evitar o sorriso.
   – Recebemos uma carta contando desde o seu nascimento até o sétimo mês de vida. Não faço ideia de como ela conseguiu enviar, mas sabia que ela era corajosa e destemida, então ficaria bem. – O sorriso dela chegava plenamente aos olhos. – É claro que eu me preocupava com ela, mas não podíamos lidar com o duque. Só que tudo ficou pior quando ela se foi, minha sobrinha. Nossa preocupação só aumentou ao imaginar você abandonada. Porque é claro que Sam não era um bom pai, estou certa?
   A dama concordou.
   – Nunca foi.
   Sua tia deu um sorriso triste.
   – Sinto muito. Tenho certeza que as coisas seriam melhores se tivesse crescido conosco. Poderia ter tido uma infância muito boa com Emily. Teriam sido grandes amigas.
   Esmeralda a encarou, recordando-se da prima.
   – Emily! Preciso conhecê-la.
   A Sra. Jones estava agora muito animada com a menção da filha.
   – Você vai, mas não agora. Ela está num piquenique, acompanhada de um rapaz. Ele a corteja há bons meses, mas ela não o dá desconto algum – ela gargalhou. – Vai adorá-la!
   Esmeralda concordou.
   – Tenho certeza que sim.
   Quando percebeu que a tia estava melhor, decidiu lhe dizer o que tinha vontade.
   – Sra. Jones...
   – Chame-me de tia Melissa, se não for pedir demais.
   Ela sorriu.
   – Não, não é. Eu sempre sonhei com algo assim – confessou. – Tia melissa – prosseguiu –, devo lhe dizer que estou imensamente feliz por ter tido essa conversa com a senhora. Em toda a minha vida, eu sempre pensei que não tivesse ninguém, e agora descubro uma tia e uma prima que provavelmente vou amar. Sinto-me abençoada, e sei que se não tivesse um pai – ela também xingou – tão controlador, isso seria muito mais fácil. Mas a vida não é fácil, e de todo modo, estou feliz por conhecê-la, mesmo tanto tempo depois.
   Sua tia afastou uma lágrima com a palma da mão.
   – Em parte é culpa minha, querida. Eu poderia ter lutado.
   – Não, tia. Tudo isso é culpa dele.
   – Deixo-lhe uma lição mesmo assim. Nunca desista de algo sem lutar, jamais sem uma boa briga. Era isso que sua mãe gostaria de lhe dizer se tivesse tido tempo.
   Esmeralda a abraçou. E chorou.
   – Obrigada, tia Melissa. Mil vezes obrigada!
   As duas permaneceram daquele modo por bons minutos. Até se afastarem, sorrirem uma para a outra e limparem as lágrimas.
   A gratidão que Esmeralda sentia naquele momento era imensurável demais para expressar. Porque ela finalmente entendeu que havia sido amada. Por mais que sua mãe não lhe tivesse dito com palavras, suas atitudes a delatavam. E ela se sentiu finalmente em paz ao pensar na mulher que a dera à luz. Se sua mãe havia falecido nas situações em que faleceu por causa de Esmeralda, tudo o que ela podia e devia fazer era garantir que o sacrifício não houvesse sido em vão.
   – Vá descansar, meu bem. Tem muito em que pensar.
   Esmeralda concordou, beijou a bochecha da tia e foi em direção às escadas.
   E naquele momento, tudo em que conseguia pensar era: Eu o odeio. Eu o odeio. Eu definitivamente o odeio.
   E não precisa ser um gênio para saber de quem ela estava falando.

Um Duque Para EsmeraldaOnde histórias criam vida. Descubra agora