UM - Parte 1

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Sete anos, e nada mudou.

A entrada da cidade continua a mesma: uma praça aberta debaixo da luz avermelhada do sol aqui, com o chão marcado em losangos daquela forma que os demônios sempre usam. As mesmas lojas - a maioria vendendo coisas que estão no limite do que é legal aqui, isso se não tiverem algo mais escondido. E o mesmo tipo de pessoas me encarando como se eu fosse uma presa caindo nos braços deles.

Balanço a cabeça e jogo os ombros para trás antes de deixar o poder escorrer pelas pontas dos meus dedos. Quase consigo sentir a aparência humana saindo junto com ele, e isso é bom. É ótimo, porque as mesmas pessoas que estavam me encarando desviam o olhar depressa. Olho para baixo e fecho a mão - que não parece mais minha mão. É isso que estão vendo: uma mulher humana com pele que vai se tornando de uma cor entre o púrpura e o vinho escuro, com marcas fracas de escamas. A marca de uma bruxa. E se eu estou vindo no mundo deles, já tendo a marca tão visível assim, é porque estou atrás do demônio que fez um acordo comigo. Ninguém se mete nesse tipo de assunto.

Respiro fundo e atravesso a praça, andando depressa. Eu deveria estar sentindo o calor quase esmagador desse mundo, mas acho que já estou ligada a ele há tanto tempo que isso não me afeta mais. Ou então o calor diminuiu - o que deveria ser impossível.

Saio da praça para uma rua movimentada.

Alguma coisa mudou: as lojas aqui parecem não ser exatamente as mesmas. Não é muita coisa, mas é melhor do que a sensação de que o tempo não passou.

— Olha a frente!

Me encosto em uma parede, espremida entre os outros demônios, quando uma das suas carruagens passa depressa, puxada por animais que parecem algum tipo de híbrido de cavalos e cachorros. Isso é igual e é o motivo para eu ter vindo para cá de legging e coturno. Não quero ser arrastada porque a ponta da minha saia ficou presa em alguma coisa - e já vi isso acontecer antes.

Respiro fundo e volto a andar, o mais perto possível das paredes. Odeio esse lugar com todas as minhas forças. Não o mundo todo - esse mundo - mas essa cidade. Nem todos os lugares são assim. O problema é especificamente essa cidade, por ser o ponto de entrada de qualquer pessoa vinda de outros mundos.

Eu estou atrás do demônio que fez um acordo comigo. Qualquer um que imaginar isso, olhando para mim, vai estar certo. E ao mesmo tempo não vai estar. A última coisa que eu queria era estar fazendo isso, mas não tenho outra opção.

Foram sete anos sem ver Meje nem ter nenhum tipo de notícia dele e isso era exatamente o que eu queria. Dar de cara com ele na hospedaria de Vanessa dois meses atrás...

Não sei o que esperar. Essa é a pior parte. Eu acho que sei porque Meje estava na hospedaria, mas não tenho como ter certeza, não como fiz todo mundo acreditar. Uma pessoa pode mudar muito em sete anos, e um demônio, então, pode se tornar alguém completamente diferente.

E eu o enfrentei. O forcei a recuar. Ele vai exigir alguma coisa em pagamento por isso.

Quase passo direto pela porta que estava procurando. Ela não tem nenhum letreiro nem nada que indique que estou no lugar certo. Só o barulho de copos e pessoas conversando me faz parar e prestar atenção. Sim. Aqui.

Me espremo entre dois demônios não exatamente humanoides e entro no bar. Mesmo aqui dentro, na sombra, a impressão de que tudo tem um tom avermelhado continua. Não sei como fazem isso, mas sei que é de propósito. Não tem como não ser, considerando as outras cidades que já visitei e que não têm nada disso. É como se quisessem vender um estereótipo do que deveria ser o inferno.

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora