TRÊS - Parte 3

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Meje

Paro de costas para a porta fechada e cruzo os braços, encarando o homem que parou mais para a frente no corredor e que agora está enrolando sua cauda enorme e escura atrás de si. Rafaela levantou as proteções do quarto assim que fechei a porta, mas ainda consigo sentir vestígios do poder, através da ligação entre nós - tanto o poder dela quanto algo familiar e ao mesmo tempo completamente diferente. Marrein.

Eu deveria ter imaginado que alguma coisa assim ia acontecer, quando soube sobre Lua Azul. Ou então quando percebi a quantidade de poder concentrada aqui, num lugar completamente esquecido tanto pelo mundo humano quanto por qualquer um dos mundos que tenho contato, e que preferia continuar assim. Era óbvio que Rafaela seria atraída para algum lugar assim. E era mais óbvio ainda que faria amigos tão fortes quanto ela.

O homem continua me encarando. Tenho certeza de que Rafaela me falou o nome dele, mas não vou nem tentar me lembrar agora.

— O que você sabe? — Pergunto.

— Ela estava fugindo de alguma coisa — ele fala. — Provavelmente vir para cá foi a última opção. E não sei de nada além disso. Ela sabe como chamar minha atenção, se estiver dentro do meu território, e foi isso que fez. A achei na praia, perto da cidade.

Assinto devagar.

— É melhor você fazer o que Rafaela falou.

O homem estreita os olhos e chia antes de virar as costas e sair da casa.

Não tenho a menor ilusão de que ele está fazendo isso porque eu falei. Não. Foi o comentário de Rafaela sobre arriscar a segurança de Daiane. E ela estava certa. Alguém que teve cuidado para não falar o nome de Marrein perto de mim não vai correr nenhum risco desse tipo por orgulho.

Olho para a porta fechada. Ainda consigo ouvir a voz baixa de Rafaela e sentir os picos de poder quando ela faz alguma coisa que está em outra parte da casa aparecer no quarto dela. Coisas que só são possíveis numa casa de bruxas.

Suspiro e balanço a cabeça quando escuto um grito abafado. Eu poderia estar ajudando, mas ela nunca vai aceitar. Nenhuma delas. Mas tem alguma coisa que eu posso fazer.

Volto pelo corredor e entro na cozinha.

Nós vamos ser atacados. Eles foram atrás de Marrein primeiro e vão seguir o rastro dela até aqui. Não importa o quanto o homem tenha sido cuidadoso quando a carregou, vai ter algum sinal do caminho.

Coloco água para ferver e olho ao redor. A casa inteira é cheia de armários, o que não é uma surpresa considerando que uma bruxa construiu tudo isso e outras vieram depois. Mas é um problema na hora de tentar achar alguma coisa. Não quero sair abrindo todas as portas.

E tem alguém me observando.

Me viro para a porta devagar. Tem dois diabretes dependurados nela, me encarando pelo lado de fora.

Se tem uma coisa que sempre posso contar, é com a curiosidade de diabretes. Mas achei que Rafaela teria mandado eles embora.

— Só quero saber onde ela guarda os chás — falo.

Um dos diabretes desaparece de vista. Eles não têm nenhum motivo para confiar em mim, ainda mais depois de sete anos com Rafaela, mas acho que eu estar aqui, dentro das defesas dela, deveria contar para alguma coisa.

O outro diabrete pula para o alto de um dos armários e corre em cima dele, pulando para o armário seguinte, até estar quase do outro lado da cozinha. Ele se dependura em uma maçaneta antes de pular de volta para o alto e sumir.

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora