SEIS - Parte 3

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Me sento na sala nos fundos de casa e deixo as paredes completamente transparentes. A mata lá fora continua a mesma coisa de sempre, iluminada pelo luar. Os mesmos galhos fazendo sombra no meu quintal e balançando com o vento. Se eu abrir a porta, tenho certeza que os ruídos vão ser os mesmos também: o som das árvores se misturando com o barulho distante das ondas. Nada de diferente de qualquer outro dia.

A não ser pelo fato de que se eu entrar na mata e tentar atravessar uma das fendas para ir ver Alessio ou ir até a cidade do outro lado dos véus, não faço ideia de onde vou estar.

Um dos diabretes pula de uma das plantas dependuradas na parede para o meu ombro.

Quando eu vim para Lua Azul, nunca imaginei alguma coisa assim – toda essa situação. Se bem que seria impossível imaginar algo assim. Sabia que ia ser necessária aqui, sim – nada no mundo acontece por acaso e eu não acredito em coincidências. Não foi por acaso que achei uma passagem de ônibus para cá em promoção e Elisa concordava comigo. De acordo com ela, é sempre assim. Bruxas são levadas para o lugar onde deveriam estar e, na época, Lua Azul estava desequilibrada. Mesmo que as pessoas não soubessem o que estava errado, sabiam que tinha alguma coisa errada, algo que estava faltando.

Eu pensei que tinha sido por isso que vim parar aqui. Era alguém não exatamente humana em uma cidade que cresceu ao redor de ter não-humanos aqui. Quando Vanessa apareceu, do nada, e depois Daiane, isso praticamente me deu certeza. Mas... Não. Pelo visto não era tão simples.

Meu estômago ronca e o diabrete no meu ombro pula para o chão e corre para debaixo de uma das cadeiras. Dramático. Nem fez tanto barulho assim.

E isso é só mais uma das coisas que deram errado hoje. Estou com fome, preciso comer, mas não tenho o menor ânimo nem para ir na cozinha. Eu só lembrei da pizza quando saí do banho. Por sorte, os diabretes desligaram o forno, porque eu obviamente não pensei nisso quando recebi aquela mensagem de Vanessa. Mas a pizza já estava queimada demais.

Cruzo as pernas na cadeira e me inclino para trás. Só queria conseguir relaxar. Só isso. É coisa demais para uma pessoa só.

— Rafaela?

Olho para trás. Marrein está parada na entrada do corredor e vem na minha direção.

— Você devia entrar — ela fala.

Balanço a cabeça.

— Alguém tem que vigiar.

E garantir que não vamos ter nenhuma surpresa.

Marrein levanta uma sobrancelha e se senta em outra cadeira.

— Tem pizza na cozinha e você precisa descansar. Pode deixar que dessa vez eu vigio.

Suspiro e me levanto. Não vou falar nada sobre a pizza estar queimada a ponto de não dar para comer, mas ela não está errada sobre eu precisar descansar. E se ela diz que pode vigiar...

Espera. O que foi que ela falou antes mesmo? No meio de toda a confusão lá fora?

Paro na entrada do corredor e me viro para Marrein de novo.

— Mais cedo você falou que tinha entendido o que estava acontecendo com as criaturas.

Ela respira fundo e assente.

— O deserto que vi onde ficavam as fendas não era um deserto de clima árido — Marrein começa. — Era um deserto de vazio.

Assinto.

— Foi a mesma sensação que eu tive. Vazio.

— E o vazio é possibilidade. É algo tomando esse espaço e ganhando forma.

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora