SETE - Parte 2

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Meje

Pelo menos Rafaela não hesita antes de segurar minha mão e me seguir para dentro da areia entre as árvores. Por um instante nada muda: é só areia carregada daquele poder estranho e instável, cercada pela mata de todos os lados. E então estamos do outro lado, sem a sensação gelada da proteção de Marrein, debaixo do sol do deserto.

Que não é mais só um deserto.

Me afasto do mato baixo que marca a passagem e olho ao redor. Ontem só havia areia aqui, mais nada. Areia até onde eu consigo ver, e então as criaturas surgindo. Agora tem plantas começando a crescer, pontos verdes no meio da areia que, apesar de pequenos, são grandes demais para algo que não estava aqui menos de um dia atrás.

Rafaela para ao meu lado.

— Você não mencionou as plantas.

Balanço a cabeça.

— Elas não estavam aqui.

Como ela provavelmente imaginou.

Rafaela suspira e se abaixa na frente de uma das plantas. Ótimo, porque isso parece com algo vindo do mundo dela, não com alguma coisa que eu conheça o suficiente para analisar.

— É como as criaturas — ela fala. — Parece algo completo, de longe, mas de perto... É uma mistura de partes diferentes e coisas em lugares que não deveriam estar. Mas são partes de plantas que parecem com as do mundo humano.

Faz sentido.

— Marrein disse que as fendas se formam onde os mundos são espelhos — começo.

Ela se levanta e assente.

— E como esse mundo não está formado, quando alguém forçou as fendas ele começou a tentar se transformar em um espelho. Não é o tipo de coisa que eu diria que faz sentido, porque é quase admitir que os mundos têm algum tipo de consciência, mas... Tem uma certa lógica.

E isso é o máximo que vamos conseguir, de qualquer forma.

— Para onde? — Rafaela pergunta.

Suspiro e olho ao redor de novo. Da outra vez, eu só queria saber o que era esse lugar, então não importava para onde eu fosse. Mas, agora, precisamos de mais que isso e não tem nada à vista. Nenhum sinal de que uma direção é melhor que outra.

— Não sei.

Ela olha de relance para mim antes de olhar para o céu e para as manchas de mato baixo que marcam as passagens nessa região.

— Lua Azul ficaria para trás de nós. A outra cidade seria em frente. Acho que estou ouvindo o barulho de ondas, então fica fácil de achar onde ela seria.

E nada disso importa nesse mundo, porque Rafaela está falando de coisas do seu mundo e de...

Não. Faz sentido.

— Se esse mundo está tentando se tornar um espelho, então existe a chance de ter alguma coisa num desses lugares.

Ela assente.

— Na direção de Lua Azul, então? — Ela pergunta.

Olho para trás. Talvez. Mas antes...

— As passagens estavam aparecendo como areia nos dois mundos — falo. — Pode ser que isso só tenha passado para o seu mundo, no fim das contas, mas e se esse mundo estiver tentando ser um espelho dos dois?

Rafaela olha para mim e por um instante ela não está controlando nada das suas reações. Não sei por que isso me surpreende, mas ela está com medo. Não parece – não pareceu – hora nenhuma.

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora