UM - Parte 2

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Paro na porta de casa, sentindo minhas defesas altas e fortes fechando a região. É por isso que uma bruxa quase sempre assume uma propriedade depois que outra bruxa morre: as defesas. É muito mais fácil e eficiente fortalecer o que já está no lugar do que construir as defesas do zero, colocando as raízes na terra e as alimentando até estarem firmes. E essa casa pode ter sido construída por Elisa, a bruxa que estava aqui antes de mim, mas essa área já era propriedade de bruxas muito antes.

Não que nada disso vá me ajudar agora. Sei muito bem que não adianta achar que vou só levar Meje até alguma das áreas de areia e pronto. Vamos acabar aqui em casa, sim, enquanto eu explico tudo que aconteceu e os detalhes que não tenho coragem de dar ao ar livre.

Alguma coisa cai e se arrasta dentro de casa. Suspiro e fecho a porta atrás de mim. Claro que o sossego não ia durar. Na verdade, seria mais preocupante se durasse.

Mais barulho de coisas rolando pelo chão e caindo. Ótima hora.

— Já chega — falo.

O barulho para de uma vez.

Atravesso a sala e paro no corredor que dá para a cozinha e os fundos de casa. Tem três pares de olhos brilhantes me encarando de perto do chão da cozinha. Só três.

— Não adianta se esconderem.

Mais dois pares de olhos aparecem, dependurados no batente da porta da minha sala de trabalho. Cruzo os braços e os encaro. Os dois diabretes pulam para a maçaneta, para o chão e de lá correm para a sala dos fundos, junto com os outros.

Confiro a porta por puro hábito. Ainda trancada. Se tem uma coisa que aprendi bem foi a nunca deixar os diabretes entrarem na minha sala de trabalho. Da última vez que isso aconteceu, eles teriam causado um incêndio se eu não tivesse percebido depressa.

Quem diz que filhotes de gato dão trabalho e quebram as coisas é porque nunca viu um diabrete. Não que eu me arrependa de ter deixado eles acostumados a ficarem sempre no meu mundo e não no deles. Eles são boa companhia, me divertem e, para ser bem honesta, me mantêm ocupada com a bagunça de sempre. Só que agora...

Não vou mandar eles embora. Deveria, seria mais fácil, ia evitar problemas, mas não me esqueci de como eles estavam dispostos a enfrentar Meje, quando ele veio atrás de mim.

O meu poder vem de Meje. Por mais que eu sempre tenha tido uma facilidade enorme para invocações - foi assim que essa confusão toda começou, não foi? - nunca seria capaz de invocar demônios menores assim, praticamente só estalando os dedos. Sem o poder dele, eu precisaria de círculos, encantamentos e mais um monte de coisas que não são garantia de nada e que no fim das contas só servem para fazer os demônios maiores nos caçarem. E, para piorar, todos os meus diabretes eram da família de Meje, antes. Eram leais a ele antes eu começar a invocá-los. Para estarem dispostos a me defender de Meje...

Ah, ver isso deve ter doído. Espero que tenha doído. E se eu fosse uma pessoa melhor, ia mandar meus diabretes embora até resolver isso e evitar mais conflitos desnecessários.

Vou para a sala dos fundos e paro, olhando ao redor. Tenho várias samambaias penduradas pelas paredes e mais plantas do que consigo me lembrar de cabeça - e elas são a única coisa que eu sei que os diabretes não vão derrubar ou estragar. Eles gostam demais delas e de se esconder entre as folhas, como estão fazendo agora.

— Não façam muita bagunça, por favor.

Um par de olhos aparece entre as folhas de uma das samambaias. Vou entender isso como um "sim", até porque até hoje não tenho certeza de quanto do que eu falo os diabretes compreendem.

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora