DOIS - Parte 2

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Meje

Continuo sentado no mesmo lugar quando Rafaela atravessa a sala de uma vez e vai para o corredor. Escuto uma porta se abrindo e batendo e deixo meu poder recuar, de novo. O pior já foi falado e, apesar de tudo, sei que Rafaela nunca vai repetir nada disso. Ela entende os riscos.

Me inclino para a frente e aperto as têmporas. Minha cabeça está latejando e isso é agora que as pontadas de dor estão diminuindo. Quando Rafaela levantou as defesas... Solto o ar devagar e respiro fundo de novo. Eu não estava preparado para aquilo. Nem passou pela minha cabeça que ela fosse ter defesas dentro de casa, depois das paredes de poder que atravessamos. E, mesmo se eu tivesse imaginado algo assim, não seria a esse ponto. Qualquer um que conseguisse entrar na casa e usasse algum tipo de poder aqui dentro teria sido, no mínimo, incapacitado. Rafaela construiu uma fortaleza contra demônios. Contra mim - porque qualquer demônio que ataque uma bruxa vai ter que lidar com a pessoa com quem ela fez um acordo. Então isso foi para mim.

Não sei por que esperei alguma coisa diferente, considerando como tudo terminou e a última vez que nos vimos.

Fecho os olhos e respiro fundo, esperando a dor passar. Rafaela ainda está longe, conversando em voz baixa com seus diabretes. Seus. Balanço a cabeça devagar, sem abrir os olhos. De alguma forma, ela conseguiu ganhar a lealdade deles. Nunca ouvi falar de uma bruxa invocadora conseguir fazer isso, mas não deveria me surpreender. Não existe outra bruxa como Rafaela e eu sempre soube disso. Só o fato de os diabretes não terem se mostrado desde que entrei aqui e que continuam onde quer que seja que ela falou para ficarem - porque ninguém consegue prender diabretes - é prova disso.

Faz quantos anos desde a última vez que ouvi alguém falar sobre os banidos? Não faço ideia. Ainda não chegou ao ponto em que se tornaram uma lenda e ninguém leva as histórias a sério, mas está perto. Tudo isso foi tanto tempo atrás que quase nada do nosso mundo era como é hoje.

E de todos os lugares onde algo assim poderia acontecer, é claro que seria Lua Azul. Não sei como isso aqui não é mais conhecido, porque é uma das passagens mais fortes que eu já vi, se não for a mais forte. E, além disso, tem esse vórtice de poder na mata, que alimenta tanto a passagem quanto a cidade do outro lado dos véus. Lua Azul deveria ser um ponto de convergência de todos os mundos que viajam entre os véus, mas ao invés disso está esquecida aqui.

Me endireito assim que escuto passos vindo na direção da sala. Aparências. Do mesmo jeito que tenho certeza que Rafaela não me mostrou tudo que suas defesas podem fazer, ela também não vai ver o resultado do que fez.

Os passos param um pouco atrás de mim.

— Eles não machucaram Dai porque se fizessem isso os demônios saberiam, não é? — Rafaela pergunta. — Se ainda estão vigiando a passagem, depois de tanto tempo, então faz sentido que tenham alguma coisa assim.

Olho para trás. Ela está parada na entrada do corredor, segurando um copo de alguma coisa que não é água. E esse nome...

— Dai? Você quer dizer Daiane?

Rafaela aperta o copo que está segurando com força e assente.

— Ela foi arrastada para o meio da confusão toda por vários motivos e estava lá no final. Foi Dai quem notou que a mulher não estava fazendo nada que pudesse machucar de verdade e usou isso.

Provavelmente por ter sido a guia que eles usaram para entrar na mata. Nas semanas que fiquei aqui, foi Daiane que me explicou sobre o mundo humano e aqueles detalhes que são quase o oposto do meu mundo. E tenho certeza que me lembro de algum comentário sobre como ela tinha sido contratada para ser guia de um grupo de pesquisadores.

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora