Na manhã seguinte, Ohm não tinha certeza se o que aconteceu na noite anterior na tenda da cartomante era um sonho ou um pesadelo, mas tinha a plena convicção de que não era realidade. Primeiro, ele se dispôs a visitar uma cartomante, algo que contraria o seu senso lógico, afinal ele ainda estuda Engenharia. Segundo, que o surto da mulher foi algo estranho demais e não parecia condizer com o seu modo charlatão do começo. Se ele fosse elaborar alguma teoria a respeito, isto é, acreditando que essa loucura pode ser real, diria que ela foi possuída por algum espírito que a levou a dizer aquelas palavras. Aliás, que maluquice foi aquilo de "recusar" e "apreender" olhares?! Provavelmente foi tudo uma armação dos seus amigos e ele tiraria isso a limpo quando se encontrasse com eles na sala de aula. Inclusive, já estava atrasado pro primeiro horário!
Sem ter tomado banho e ainda mastigando o final de uma fatia de pão, a coisa mais rápida que ele encontrou para comer no caminho até o prédio onde estudava, Ohm esperava o sinal de trânsito ficar vermelho para os automóveis para que pudesse atravessar a rua e ouviu ali perto uma risada. Olhando em volta não conseguiu identificar a posição, mas certamente sabia a origem daquele som. Aquele tipo de risada doce e contagiante vinha de uma só pessoa: Fluke. Seu breve devaneio foi interrompido pela buzina de um dos carros e ele percebeu que estava mais atrasado ainda, o que o levou a sair correndo em disparada para a sala de aula. Já no corredor de onde ficava sua turma, ele precisou desviar de outras pessoas que também buscavam apressadamente seus lugares naquela hora da manhã. Para a sua falta de sorte, ele acabou esbarrando em uma mulher provocando uma chuva de folhas para todos os lados.
─ Desculpa krup! Juro que foi sem intenção, mas eu estou com um pouco de pressa, você está bem? Se machucou? P'? P' está bem? ─ Quanto mais perguntas Ohm fazia, menos respostas recebia da mulher caída no chão. De alguma forma, o olhar vazio que ela lhe dirigia parecia muito com o da atendente da loja de bubble tea que ele visitou ontem. O que estava acontecendo com as pessoas desse lugar, afinal?
Porém, como não poderia se atrasar mais, Ohm deixou mais outro pedido de desculpas para a mulher que ficou abraçada às folhas que ele juntou diligentemente e seguiu seu caminho. Chegando à sala de aula, se sentiu um pouco tolo porque ainda havia muitos lugares vagos, indicando que o professor não havia chegado. O que também era atípico para aquele sujeito. Chegando à carteira onde costumava se sentar, próxima à janela que dava para o gramado central da Universidade, Ohm cumprimentou os amigos que conversavam tranquilamente.
─ Então, Ohm, foi tudo bem contigo ontem? ─ Boun perguntou no seu tom naturalmente provocativo.
─ Eu sabia que tinha o dedo de vocês nesse assunto! Quem teve a ideia? ─ Ohm acusou os amigos sem esperar maiores provas da culpa deles porque seus olhos curiosos já confessavam por eles mesmos.
─ Não fique bravo, Ohm na krup! Só fizemos isso para o seu bem e porque ninguém suporta mais te ver suspirando por aquele P'! ─ Earth fez o comentário enquanto lixava as unhas, o que dava um efeito ainda mais jocoso à cena.
─ Eu vou… ─ Mas Ohm não teve tempo de dizer o que faria com os amigos, já que naquele instante entrou na sala uma mulher. Na verdade, não era qualquer mulher, mas aquela em quem Ohm esbarrou há instantes atrás. Melhor dizendo, esta não foi a primeira ocasião em que eles se encontraram! Adicionando um peruca de qualidade ruim e uma maquiagem pesada, ela sem dúvidas, era a cartomante charlatã que ele visitou na noite passada! Porém, o rapaz não teve mais tempo de fazer conjecturas, já que a primeira frase que a mulher disse o chocou mais que as coincidências anteriores:
─ Sawasdee ka, turma! Eu sou P'Sammy, a substituta do professor assistente, aquele idiota inescrupuloso, digo, profissional respeitoso, que precisou faltar hoje devido a motivo de ordem psicomotora e não pôde recolher os trabalhos de vocês. Então, basta que entreguem a mim e eu passarei para ele. Ele também pediu para que vocês lessem dos capítulos 45 a 50 do livro de estudos porque a prova vai ser aplicada na próxima aula, espero que não por mim, digo, espero que ele possa vir! Ko pun ka!~~ ─ Eram muitas informações desconexas de uma só vez, mas como o professor assistente também era sênior daquela turma, não passou pela mente de nenhum dos alunos questionar a mulher. Mesmo que ela não parecesse mais velha que a maioria ali.
Ohm decidiu agir de forma cautelosa, pois não sabia se a mulher o reconheceria ou, pior, se poderia fazer qualquer comentário sobre o que aconteceu na noite anterior. Assim, quando chegou a sua vez na fila de entregar o trabalho, não fez contato visual com ela, apenas depositou as folhas na mesa e agradeceu, saindo em seguida. Porém, teve a impressão de ouvir baixinho um "Ko pun ka, Nong Ohm!". Ela o estava provocando? Com qual motivo?
Ohm não teve tempo de imaginar mais nada porque seus amigos, Boun e Earth, que vinham logo atrás o empurraram para sair o mais rápido possível da sala. E foi o menor quem justificou:
─ Vamos embora logo! Se aquele maluco do P'Kao resolve aparecer pra dar aula do nada só quem sai perdendo é a gente! Sujeito mais chato!
─ Você diz isso agora, mas quando ele entra na sala, é uma das poucas pessoas que consegue assistir a aula dele inteira sem dormir! ─ Boun não perdeu a chance de implicar com o amigo que parecia ter crush no professor assistente desde o primeiro dia de aula.
─ Você é maluco! Eu tenho um gosto melhor que isso! Além do mais, não seria profissional namorar alguém que tem poder sobre as minhas notas! ─ Earth disse com uma piscadinha no final, mas sem convencer os outros dois.
Logo mais à frente, os três se separaram porque tinham destinos diferentes e Ohm se permitiu pensar sobre a sequência de maluquices em que estava se tornando a sua vida. Onde estava a rotina tranquila com a qual ele estava acostumado? Mas um ponto positivo era que, aparentemente, a história da maldição era apenas uma farsa e não algo sério. A atendente da loja de bubble tea, provavelmente, estava cansada e a P'Sammy estava apenas atordoada após ter caído no chão com o esbarrão. Explicações perfeitamente lógicas, zero "encanto de olhares" ou coisa assim. Chegou a esta conclusão enquanto passava em frente ao prédio da biblioteca e lembrou que precisava pegar um livro para ajudar na pesquisa de outro trabalho que deveria entregar até o fim da semana.
Andar entre as estantes de uma biblioteca era algo que sempre o acalmava. O ambiente silencioso, o clima de concentração que exalava das pessoas lendo por distração ou estudando ali dentro, tudo parecia convergir para transformar o lugar em algo bem próximo de sua zona de conforto. No meio dos livros ele conseguia se sentir abraçado, reconfortado. Por isso, mesmo que já tivesse encontrado o livro de que precisava, se deixou vaguear por entre as estantes como se estivesse em um labirinto.
Foi assim que se deparou com uma cena bastante atípica: sentado no chão da biblioteca com quatro livros abertos ao seu redor, Fluke tomava notas num tablet. Ele parecia concentrado e devido à iluminação que vinha da janela perto dele, era possível notar uma pequena ruga de concentração que parecia costurar suas sobrancelhas. Ohm teve a vontade instantânea de massagear aquele local porque os sorrisos certamente ficavam melhor naquele rosto. Apesar da concentração dedicada ter a sua dose adequada de charme. "Se o Earth me visse agora, teria muito sobre o que falar." pensou e sem perceber acabou rindo baixinho, mas num tom alto o suficiente para chegar aos ouvidos do rapaz que não sabia ser observado.
Quando Ohm percebeu, Fluke havia levantado o olhar dos livros e o encarava em dúvida, sem entender a situação. Certamente era uma cena esquisita ver um estranho rindo pra você no meio da biblioteca, então Ohm apenas fingiu que procurava um livro aleatório naquela seção, o pegou e saiu na direção do balcão. Como não havia escolhido o título, só quando chegou em casa naquela noite que percebeu ter escolhido "Sistema solo-planta-atmosfera". Era um livro de Agronomia! Mesmo assim, ele resolveu ler alguns capítulos antes de dormir porque nenhum autor merece ter seu livro recusado sem ser lido. Aliás, nenhuma pessoa deveria ser recusada sem ter uma chance de provar o seu valor antes. Era nisso que acreditava e resolveu arriscar. Infelizmente, a história das plantas não era tão apelativa aos seus sentidos.
Deixando o livro de plantas de lado e enquanto escovava os dentes para dormir, Ohm lembrou do que aconteceu no balcão de empréstimos da biblioteca. O rapaz que o atendeu demonstrou o mesmo olhar vazio que a atendente da loja de bubble tea e da P'Sammy, ameaçando colocar em risco a sua teoria anterior de que esse comportamento estranho era apenas coincidência. Também quando abriu o livro, encontrou um post-it com o número de telefone do rapaz e seu nome escrito logo abaixo. Para completar a cena, o bibliotecário piscou para ele quando saía.
"Mesmo que esta reação seja estranha, ela foi verificada em três pessoas. Ao mesmo tempo, Boun, Earth e até o Fluke, com quem topou sem qualquer intenção, não parecem ter sentido nada. Qual a conexão entre os dois casos?", Ohm pensava enquanto enxaguava a espuma do creme dental. De uma coisa tinha certeza: essa era a primeira vez que olhava diretamente nos olhos de Fluke e agora podia dizer sem o auxílio da imaginação que os olhos dele eram tão brilhantes que pareciam guardar estrelas!
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O encanto do seu olhar
Hayran KurguOhm, um estudante do segundo ano de Engenharia Química, tem uma vida tranquila até que decide visitar uma cartomante e ela joga nele um feitiço pelo qual se ele olhar por mais de 10 segundos nos olhos de outra pessoa, pode fazê-la se apaixonar por e...