Enzo

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 Eu estou surtando. Eu sei, é ridículo. E principalmente porque o motivo do meu surto é o meu surto em si. Não faz sentido, não é? Deixe-me lhe explicar: eu nunca tinha estado assim antes. Quer dizer, em todos os sentidos. Eu jamais havia surtado, desde criança. Mesmo quando minha mãe foi embora (se bem que eu era novo demais para saber o que estava acontecendo). Eu tive uma semana excelente. Sério. Catarina é a secretária perfeita: quieta, observadora, inteligente e eficiente. Ela faz o que tem que ser feito e até me ajuda com o que não é exatamente obrigação dela. Por exemplo, ela me manda mensagens de texto toda manhã com os meus compromissos do dia até o momento que ela vai chegar. Perguntei-a sobre isso na quarta-feira, quando percebi que estava se tornando um costume.

                - Eu não me esqueço de nada, por isso vivo preocupada com que as pessoas esqueçam. Não se preocupe e, se quiser, ignore. É só desencargo de consciência. – ela me lançou um sorriso gentil que me fez amolecer.

 Simples assim. Ela estava mais do que feliz em me mandar mensagens, eu estava ajudando sua consciência. Tudo bem que fiquei um pouco desapontado, mas foi a partir desse dia que comecei a responder suas mensagens. Eu sei, mesmo que sejam mensagens de trabalho, é bizarro que eu responda mensagens de uma mulher. Eu nunca respondo minhas exs, que por acaso ainda me mandam mensagens regularmente com tentativas de me reaver. Inclusive mensagens com fotos nude anexadas. Às vezes até tenho um segundo de recaída, mas me recupero novamente. E pego outra. Simples assim. Afinal, figurinha repetida não completa álbum. E também, isso poderia dar esperanças para elas. Sou um cafajeste, não um filho da puta.

 Só que não está sendo assim agora. Eu parei de ir a boates antes que percebesse realmente. A verdade é que eu ia para as boates para usar as mulheres para me distrair de um dia extremamente corrido de trabalho e muito estressante. Tudo bem, eu tenho que admitir: minha antiga secretária era um horror em organização. Mas ela atendia todos, era gentil com quem precisava ser e expulsava quem eu pedia, então eu estava relativamente feliz com seu desempenho, até eu descobrir o que é verdadeira felicidade: Catarina como secretária. Antes, eu tinha que fuder mais ou menos três mulheres numa noite para ficar relaxado. Hoje em dia, eu só sento no meu sofá, com preguiça, e assisto a um filme ou algo do gênero. É sério. Cat é muito dedicada. Ela tem tudo organizado, não precisa checar os cadernos por causa da sua super-memória, não faz quase nenhum barulho na outra sala e ainda me traz café e doces a cada, em média, três horas. Eu estou feliz da vida.

 Então por que o surto? Simples. Hoje, após o pequeno show com Paula, Catarina pediu perdão e saiu. Ela simplesmente saiu. E ela vai ter um encontro com algum filho de uma puta que quer fodê-la. Não é da minha conta. Simplesmente não é da minha conta. Não é porque eu desenvolvi certa intimidade com ela ao longo desses dias que tenha que me incomodar com isso. Não é como se ela fosse se demitir e trabalhar com o novo namorado dela. Ou é? Não. Eu estou viajando demais, ela ama a nossa empresa. Jamais faria isso com meu pai, também. Ela é extremamente apegada a ele, e isso está na cara. É quase como se ela já fosse da família. Então, decidi encará-la como uma irmã inesperada.

 Mas enfim, voltando ao lance da intimidade, que é uma coisa na qual eu gosto de pensar. Eu nunca achei que seria possível obter um nível de intimidade tão grande com uma mulher quanto o que eu tenho com Catarina. Apelidei-a de Cat acidentalmente uma vez, quando estava falando no interfone e ele falhou. Ao invés de sair “Catarina”, o corte fez ficar “Cat-na”. Ela chegou à minha sala quase rindo, afirmando que tinha achado muito engraçado. Na verdade, ela fez algo que eu achava que ninguém seria capaz de fazer.

                - Cat está aqui, Zozo. – ela me sorriu.

 Sim, a desgraçada teve a audácia de me apelidar também. Eu não achei que gostaria no começo, mas quando vejo todo dia que ela usa nossos apelidos nas mensagens, acho engraçado. Uma vez, estávamos ambos entediados esperando alguns sócios para discutir algumas coisas quando Catarina me perguntou se eu já tinha assistido Star Wars. Respondi para ela que não, então ela me indicou e ficou lá, me dizendo como a série era intricada e incrível e etc. Após isso, ela me emprestou seus DVDs e eu assisti aos filmes uma só noite. Cheguei meio abalado no dia seguinte, mas ela simplesmente me trouxe mais café do que o habitual. A secretária e, eu ouso dizer, amiga perfeita. Quem diria que eu, Enzo “Galinha” Becker, teria uma amiga, não é?

Os Irmãos Becker e EuOnde histórias criam vida. Descubra agora