Gizelly Bicalho's Point of View
06:45 AM de 28 de setembro de 2020
O trânsito caótico de São Paulo, em pleno horário de pico em uma manhã de segunda-feira não era a melhor maneira de iniciar-se uma semana de um trabalho exaustivo. Embora eu seja apaixonada pela minha profissão e ame estar frente a frente ao juiz, - apontando os erros e acertos dos clientes, com destreza - esta ainda é uma ocupação trabalhosa, e exige a maior quantidade de tempo e dedicação que podemos oferecê-la.Na última noite de sexta-feira, meu superior, Ricardo Marques, - um renomado juiz no ramo da advocacia criminal, mas que ele nunca me escute falando isso em voz alta. Não é que eu esteja com inveja das suas conquistas, bem pelo contrário, apenas não vou inflar o seu maldito ego com elogios baratos que recebera todos os dias - avisou que as forças superiores, designaram uma parceria com outra unidade de advocacia especializada no âmbito criminal. E é evidente que eu detestei essa ideia. Quem eles pensam que sou? Só porque foi oferecido o caso à uma mulher, a mesma não será competente o suficiente para se sair vitoriosa sozinha? E então precisa do apoio de mais um integrante, só pra garantir?
Poupem-me de suas desculpas esfarrapadas, esses hipócritas não conseguem aceitar que uma mulher, isso mesmo, uma MULHER, têm o percentual de ganho maior dentre o país inteiro. E ainda dizem que o machismo é frescura. Enfim, este é um assunto que discutiremos mais tarde, o foco agora é: quem é esse(a) advogado(a)? E por que fora selecionado dentre tantos outros?
É reconfortante saber que ainda existe pessoas em que podemos confiar-nos as nossas vidas, e os mais temidos segredos de um passado digno de enredo de filme. Marcela me conhecera tão bem que nem foi necessário lhe dizer que dormi poucas horas essa noite. O peso que tinha esse caso na minha carreira estava tirando o meu sono, o meu mais precioso momento de descanso. Essa manhã nem tivemos tempo para a nossa troca de informações matinal, outros as denominam de fofoca, mas eu prefiro o termo "informações", além do que ainda é mais ético, parando para analisar.
O senhor meritíssimo Ricardo Marques estampou o seu mais generoso e falso sorriso, sabe? Aqueles que dizem "eu não queria estar passando por uma situação dessas, mas já que estamos aqui, quem é o seu superior? Para que eu possa babar o seu ovo e quem sabe eu não seja promovido à uma unidade que valorize os meus feitos". Não é segredo para ninguém que eu não o suporto, pois enquanto eu estava trabalhando duro para atingir a posição em que eu alcancei, ele estava paparicando mauricinhos e filhinhos de papai para conseguir uma colocação mais favorável - patético.
Eu poderia ficar horas, digo, dias ou até mesmo, anos, citando os imensos "valores morais" do meu chefe, mas hoje ele não era nem um terço dos meus problemas. Quando a luz do projetor desviou a atenção dos meus olhos, eu pude notar a presença de uma figura um tanto infame, que em minutos me levara do céu ao inferno.
Rafaella Kalimann, o maldito nome que acabou com a minha sanidade mental. Não consigo nem pronunciar o mesmo em alto e bom tom, sem recordar do estrago que a mesma me causara.
21:14 PM de 19 de junho de 2010
Esse era o meu tão esperado primeiro dia na faculdade de direito. Eu era só mais uma garota insegura que precisara batalhar muito para alcançar seu objetivo, e tinha a consciência de que não poderia ser considerado, de maneira alguma, qualquer forma de distração. Necessitava que seu foco estivesse direcionado ao estudo e somente à ele. Mas como o destino tem satisfação em pregar-nos peças, ela apareceu.
Rafaella Kalimann, a garota dos olhos esverdeados mais lindos que eu já vira. Estava com seus cabelos soltos acastanhados, que escorriam pelos ombros formando singelas mechas onduladas. O bronzeado de sua pele, quando misturado com a pouca iluminação que preenchia a sala de aula, acabava por reluzir ainda mais os verdes esmeralda de seus olhos.
Involuntariamente, ela se sentara na classe vaga ao meu lado e não demorei muito a perceber que era difícil de mantê-la em silêncio, mas não que eu esteja incomodada com isso.
-'Cê também tá nervosa? Porque eu estou! Quando coloquei meus pés dentro dessa sala, achei que iria cair morta ali mesmo - consegui emitir um riso em resposta.
-Desculpa, nem me apresentei, me chamo Rafaella, mas pode me chamar de Rafa. E você? - ela estendeu a sua mão para um cumprimento padrão, e então apertei-a em retribuição. Seria muito clichê dizer que o contato das nossas palmas causaram-me um arrepio, e eu estaria mentindo se o dissesse. Essa não é mais uma história como aquelas que você está acostumado a ler, em que é amor à primeira vista, bem pelo contrário.
-Gizelly. Gizelly Bicalho, muito prazer - ela sorriu aliviada, acho que ela não estava esperando mais que eu lhe dirigisse a palavra.
-E então, 'cê é da onde, Gizelly? - ela procurava um meio de engatar em uma conversa.
-Sou do Espírito Santo, mas me mudei com a minha mãe para cá, ainda criança. E você Rafa? Ah, deixe-me adivinhar, Minas? - ela encarou-me confusa e olhou ao redor a procura de algo ainda desconhecido por mim.
-Onde tá? - seus olhos passeiam pelas classes, pelas pessoas, pelas paredes, mas sem sucesso na sua procura.
-Onde tá o que? - não contive um riso com sua atitude.
-As câmeras! - ela afirmou decidida -Isso só pode ser pegadinha. Não teria como você saber da onde eu venho, ao menos… - ela estreita os olhos com desconfiança.
-Ao menos que? - completei.
-Que você seja policial - não consegui prender o riso, o que acabou por atrair olhares curiosos na nossa direção.
-E você ao menos tem motivo para ser procurada pela polícia?
-É verdade, não tenho - suspirou aliviada - Então você é uma criminosa? - ela ameaçou gritar, mas eu consegui impedi-la antes que o fizesse.
-Calma! - ela ainda não confiava nas minhas palavras, mas permitiu que eu me defendesse -Eu não sou policial, e muito menos uma criminosa. Digamos que o seu sotaque te entrega, e então arrisquei um chute, muito bom por sinal
-Ainda bem, pensei em diversas maneiras de sair correndo e poderia ser um tanto quanto vergonhoso - assenti com a cabeça, e a partir desse momento icônico que engatamos em uma conversa, sem restrições de assunto. Tínhamos personalidades bastante distintas, mas em relação aos valores e opiniões, eles se encaixam como uma luva. A garota era engraçada e muito bem humorada, e parecia conseguir arrancar-me risos sem precisar de muito esforço, ato que não é tão fácil de realizar. Mesmo com a necessidade de falar a cada segundo, ela não era invasiva. Parecia saber em qual conto deveria investir. E então, eu obtive a certeza de que essa era apenas uma das suas virtudes que ainda iriam me ser apresentadas.
(...)
A reunião alongou-se a terminar, e eu já não aguentava mais dividir minha atenção entre a voz estridente do meu superior e os olhares fuzilantes de Kalimann. O ambiente estava sufocante e sugava as poucas energias que ainda me restaram. Quando a mesma se cessou, quase que ergui as mãos pro céu, e agradeci a Deus por atender as minha preces.
Se eu lhes contar que prestei atenção em uma mínima pauta daquela reunião, estaria mentindo. Vê-la novamente ao vivo e a cores, desviou o meu foco pelo resto do dia, e olhe que este só havia começado.
Marcela depositou a xícara com o líquido escuro em cima da mesa, sendo esse necessário para repor as energias gastadas na reunião. Eu já mencionei o destino, não? Pois então, ele estava aqui novamente. Colocando Rafaella em frente ao meu campo de visão, para acabar de vez com a minha manhã. Marcela que antes acariciava meus cabelos, agora procurou se afastar, pois já imaginava que a cena que viria na sequência não requer plateia.
-Não faço questão nenhuma de olhar para a sua cara, Rafaella - girei a cadeira rotatória para não precisar vê-la.
-Gizelly, para de ser infantil, estou aqui por causa desse caso e precisamos nos falar ou nunca iremos encerrá-lo. Ao menos que você faça questão de me ter aqui pelo dobro do tempo - ela conseguiu o que queria, uma discussão.
-Rafaella, por que você aceitou estar aqui? Você sabia muito bem que teria que trabalhar comigo. E não está satisfeita em acabar com a minha vida, agora está de volta para despedaçar a minha carreira também? - já estava de pé, pronta para a briga, não aguentava mais guardar essas palavras para mim mesma e não ter tido a chance e de ofendê-la de todas as formas possíveis.
-Gizelly, por favor, não seja dramática. Por que você quer trazer o passado a tona? Já aconteceu e este não pode ser mudado - ela continuava a mesma crápula e arrogante que fora quando terminamos.
-Você tem a cara de pau de dizer que me trair e sumir da face da Terra, sem avisar nada à ninguém, deixando apenas um bilhete de despedida para a sua noiva, é drama? Você é mais escrota do que eu me lembrava, Kalimann.
-Eu já te disse que nunca trai você, Gizelly - ela pôs sua mão sobre o meu ombro, abaixando o tom de sua voz, mas me desvencilhei antes de acabar cedendo aos seus encantos.
-Então a ceninha que eu vi quando cheguei na nossa casa, era a minha imaginação? - as lágrimas escorriam pelas minhas bochechas, sem controle.
-Não dá pra falar assim com você, Gizelly. 'Cê não me deixa falar, nem antes e muito menos agora, prefere acreditar nos seus instintos. Eu volto mais tarde pra gente falar sobre o caso. Sabe, eu tentei ter uma boa relação com você aqui, esquecer o que passamos e seguir em frente como adultas, mas não é possível. Você ainda é muito impulsiva e imatura - era notável a batalha interna que ela enfrentava contra as suas próprias lágrimas, mas ao contrário de mim, ela era forte o suficiente para desviá-las.
Rafaella já havia saído da sala quando eu abri os meus olhos, e aí me permiti desabar de vez, deixando que a tristeza fosse expelida do meu organismo no formato de lágrimas.--------------- x ----------------
Olá pessoal, ainda estou me adaptando com essa plataforma, então peço para terem paciência comigo. Espero que vocês tenham gostado. Um beijo.
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Passado Mal Resolvido
RomanceSinopse: Rafaella e Gizelly tiveram um passado juntas que deixou ferimentos permanentes. Um relacionamento estável que acabou chegando ao fim por conta de uma traição. Será que cinco anos depois e uma reviravolta em ambas as vidas, é o necessário pa...