14. Que nos Reencontremos novamente

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Rafaella Kalimann's Point of View

04:12 AM de 07 de outubro de 2020

Havia uma coisa no meu interior que dizia que tinha algo de errado, pois sempre que sentia esse aperto no peito tinha alguma coisa de ruim acontecendo. Ao contrário de mim, Gizelly parecia estar em sono profundo, eu a invejava por isso. Antes de atravessar a entrada da porta, me certifiquei de que ela ainda estava dormindo, porque não queria ter que explicar pra ela que precisa respirar um pouco de ar puro lá fora. Ela iria ficar preocupada e não iria entender o motivo da minha insônia.

Em um ato involuntário, resolvi abrir o capô do carro, mesmo tendo zero de conhecimento em mecânica. Aproximei a luz da lanterna onde ficava a bateria, e notei que um dos cabos estava desconectado, mas é evidente que não poderia ser apenas isso. Por precaução girei a chave na ignição, e pude ouvir a rouquidão do motor. E então as peças do quebra-cabeça de encaixaram. Direcionei a lanterna para onde deveria ficar o carro do policial, e adivinha? Bingo.

A distração perfeita, e o meu sexto sentido tentou me alertar, e ele nunca falha. Adentrei o quarto do hotel e acordei a capixaba às pressas. Nos manterem longe para que pudessem agir, mas uma ação do nosso infiltrado.

Bom, agora a certeza que tenho é que além de Felipe, havia mais um infiltrado entre nós. E eu tinha algumas suspeitas de quem poderia ser.

Estávamos na estrada, o velocímetro aumentava cada vez mais. O ódio e o desespero que eu estava sentindo, me impediam de pensar com clareza.

-Rafaella, vai mais devagar - a capixaba se segurava no banco quando enfrentavamos as curvas.

-Não posso, Gizelly. Sabe-se lá o que esses piscopatas fizeram com a minha filha

-E como você tem tanta certeza que alguém está fazendo mal à ela nesse momento?

-Eu sou mãe, e as mães sempre sentem quando os filhos estão em perigo. E eu posso sentir agora

-Eu entendo que se sinta assim, mas se por algum motivo você causar um acidente, nunca vamos poder ajudar - ela estava certa, e por isso reduzi a velocidade do carro o suficiente para não nos matar -Podemos ligar para a delegada e ver o que ela ainda pode…

-Não - a interrompi -Não sabemos em quem confiar, todos ainda são suspeitos

-Ela ajudou a gente, Rafaella

-É isso que um infiltrado faz para ganhar confiança, Gizelly - ela apenas se manteve calada e preferiu não discordar.

Dentre poucos minutos depois, meu celular vibrou em notificação, e como eu estava com o volante em mãos pedi para a mais baixa ler a mensagem.

-É ele - assenti para que ela continuasse -Está nos mandando ir ao seu encontro

-Lê o que tá escrito, sem restrições!

"Vocês já sabem onde me encontrar, aliás a sua filha é tão linda quanto você, Rafaella. A genética dos Kalimann's realmente é incrível. Terá uma surpresa, e não esqueça de trazer a sua namoradinha. Ela é nossa convidada de honra nessa festa"

-Eu sabia - as lágrimas se fizeram presente em meu rosto, e a única coisa me mantinha segura, era o apoio da capixaba ao lado.

05:34 - Antiga Boate

Respiramos fundo antes de entrar pela porta traseira do estabelecimento, não sabíamos o que estava por vir. O ambiente estava escuro, mas era audível o som de algumas vozes falando ao fundo. Antes que pudéssemos dar mais passos à frente, sentimos braços apertarem os nossos pulsos, e algo se fechar contra eles. Fomos encaminhadas até a parte mais iluminada da parte central do cômodo. Foi então que avistei a minha filha e minha irmã, sentadas sobre o chão frio, não escondendo as lágrimas e o desespero que sentiam.

-Filha, é a mamãe - por algum motivo ela pareceu ficar mais calma -Vai ficar tudo bem

-Sabe, essa é uma mania muito feia que os pais tem. Essa de contar mentiras, como a do papai Noel, a do coelho da páscoa, ou que vocês irão sair vivas daqui - Hélio se fez presente dentre nós.

-Você não vai encostar um dedo na minha filha!

-E por acaso você acha que está em posição de decidir alguma coisa?

-Eu mato você! - Tentei me soltar, mas as cordas que bloqueavam os meus pulsos estavam muito bem amarradas.

-Rafa, não discute com esse maluco - Gizelly tentava me acalmar, mas era em vão.

-Isso Rafaella, escuta sua namoradinha. Aliás, pela tranquilidade que ela está, imagino que ela ainda não sabe - o sorriso irônico não saía de seus lábios.

-Eu não sei o que? - ela alternava o olhar entre mim e Hélio.

-Sabe, de perto posso até notar as semelhanças. É uma bela família, pena que não vai restar ninguém

-Família?

-É minha jovem, você ainda não entendeu? - ele caminhava de um lado ao outro e o meu desespero só aumentava -Não fez as contas?

-Realmente, a aparência herdou de Rafaella, mas os traços são todos seus, Gizelly - essa voz, eu conheci -Minha filha é uma covarde, nunca teve a coragem de admitir para você que estava grávida quando se separaram - era minha mãe.

-Eu tenho uma filha? - ela estava confusa e com medo -Rafaella, você tirou minha filha de mim? Por favor, me diz que isso é mentira

-Ela não pode minha querida, porque é verdade - outra voz surgiu, e quando saiu das sombras, pudemos ver de quem se tratava. Era Marcela.

-Eu sempre soube que você não prestava - sorriu cínica em resposta.

-Você estava certa, sempre esteve

-Quem mais tá envolvido nisso? Não me surpreende se a delegada aparecer em seguida

-Não, infelizmente ela é só uma oficial da lei e nunca se juntou à nós. Marcela foi recrutada quando Gizelly começou a trabalhar no escritório, eu precisava de olhos vigiando a mulher que arruinou a vida da minha filha. Felipe é só um policial corrupto, trabalho de uma noite. Hélio estava em dívida conosco, e a polícia precisava de um alvo, enquanto o verdadeiro criminoso colocava os planos em prática - minha mãe sinalizou com a cabeça, e todos eles saíram sem mais nada dizer.

-Então quer dizer que a senhora estava no comando o tempo inteiro?

-Boa menina. Aliás, Gizelly eu não suporto você, mas minha filha é a verdadeira decepção da minha vida. Eu montei o cenário perfeito, Hélio lhe obrigou-a a trair você, em meu pedido, é claro. E eu estava crente de que não haveriam mais memórias suas na vida de Rafaella, até essa criança nascer.

-Eles ameaçaram você, por isso não veio atrás de mim…

-Rafaella foi um fruto estragado na árvore genealógica da nossa família. Eu nunca acreditei que existissem pessoas realmente boas, até ela decidir nos trair. Nós tínhamos um pacto, família vem antes de tudo, mas aparentemente ela decidiu te colocar em primeiro lugar na sua vida

-Você está fazendo isso só por causa da minha traição? Então, deixe todas elas irem. Eu fico aqui

-Rafaella, minha querida você ainda não entendeu nada, não é? - ao mesmo tempo que ela explicava algo, acabava se contradizendo.

Era possível não ouvir a sirene de várias viaturas da polícia, não demorariam à adentrar o estabelecimento, mas por algum motivo minha mãe não se importava.

-Eu poderia te matar aqui, seria muito fácil, mas quando eu percebi que você se importa mais com essa mulher do que consigo mesma. Eu pensei, por que eu não faça você assistir a morte dela? A sua dor seria dez vezes maior. E depois será a vez dessa criança

-Você é maluca, e não vou deixar que encoste nelas

-Fique tranquila, não sou eu quem irá matá-la, ou pelo menos não irei matar a sua mulher - a última figura surge das sombras.

-Ricardo?

-É, eu mesmo Gizelly. Eu vou matar você, e te fazer pagar por tudo que você me fez passar

-O que eu te fiz?

-Você não presta atenção não é? É egoísta demais para olhar para aquele que está do seu lado

-Olha quem está falando de egoísmo agora

-Eu sou assim porque precisei ser para conseguir atingir os meus objetivos, mas você não. É, Gizelly Bicalho, todos caem sobre os seus pés. Tem os melhores elogios, os melhores cargos, tudo isso com um mísero sorriso. Mas eu não, precisei bajular aqueles filhinhos de papai a vida inteira

-Eu batalhei muito para chegar aonde eu cheguei, não vou deixar você me dizer o contrário. Porque no momento em que você beijava os pés dos mauricinhos, eu estava estudando. Nós viemos do mesmo lugar, e tivemos as mesmas oportunidades, a única diferença é que eu tenho caráter e dedicação que você não tem. Você preferiu ir pelo caminho mais fácil, porque passar a madrugada estudando mesmo precisando trabalhar no outro dia de manhã parcecia ser muito cansativo para você. Não ouse repetir que eu não sou digna das minhas conquistas, porque não é verdade - eu pude notar o quão doloroso era para ela ouvir um homem, como muitos outros já fizeram, tentando diminuir o seu esforço para chegar onde está. As pessoas olham apenas para o final, mas não notam o quão difícil fora a caminhada até ali.

A polícia adentrou o local e cercou todos ao redor. Minha mãe já estava algemada, pois fora pega de surpresa. O que não aconteceu com Ricardo, que nesse momento tinha uma arma apontada para a cabeça da capixaba. Eu tive a chance de sair com a minha filha, mas apenas me mantive ao lado da morena e segurei sua mão. Pude sentir o seu desespero, e a culpa de tudo isso era minha e da minha família. Eu sabia o que deveria ser feito, e eu fiz.

Ricardo sabia que não poderia sair ileso de situação, e efetuou três disparos na direção da capixaba. No instante em que ela fechou os olhos, joguei meu corpo contra o seu fazendo com que as balas atingissem o meu peito. Meu corpo desabou sobre o dela, sentia suas lágrimas se chocarem com a minha pele, enquanto suas mão agarravam meu rosto.

-Por que você fez isso? Era pra me ter atingido… - ela soluçava.

-Eu não podia deixar que a minha família machucasse mais alguém. Se eu tivesse me afastado como eu prometi que iria fazer, você estaria bem - minhas forças estavam acabando.

-E a sua filha? O que eu digo para ela?

-É a nossa filha, Gizelly. Cuida bem dela, ela gostou de você, acho que no fundo ela sempre soube que tinha mais uma mãe

-Rafaella, não fala assim. Você vai ficar bem

-Nós duas sabemos que isso não é verdade - minha irmã se agachou ao meu lado, juntamente com a minha filha -Meu amor, a Gi vai cuidar de você, tá bom?

-Mamãe, e você? Vai ficar bem, não é? - seus olhinhos estavam marejados.

-Eu nunca quis fazer vocês passarem por isso - Manu que nunca vira nossa mãe dessa forma, acho que ela entendeu porque nossa relação era péssima. Minha irmã depositou um beijo sobre a minha testa, e se afastou para tentar acalmar a pequena que chorava desesperada.

-Não ouse me deixar, Rafaella. Não ouse me deixar - consegui segurar em seu rosto e selar os nossos lábios uma última vez.

-Eu te amo, e sempre vou te amar

-Eu te amo, meu amor - ela acariciou o meu rosto.

-Cuida dela pra mim - ela assentiu em confirmação -Filha, mamãe ama muito você, e a sua titia também

-Mamãe, por favor - ela direcionava os bracinhos, pedindo colo, um aconchego que eu não poderia lhe dar. Eu não tinha muito tempo, então me permiti olhar uma última vez nos olhos da capixaba.

-Que nos reencontremos novamente - por algum motivo a frase do meu seriado favorito pareceu se encaixar com o momento. O choro da capixaba aumentou a intensidade quando os meus olhos se fecharam. Eu tentei me manter acordada, mas isso exigia a força que eu não tinha. A cada segundo que se passava, menos eu escutava. Até que finalmente, o silêncio e a escuridão se estabeleceram por completo.

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Olá, já peço desculpas pelo quase término um tanto quanto indeciso, mas já aviso que "vem aí".
Um beijo, e até a proxima.

Passado Mal ResolvidoOnde histórias criam vida. Descubra agora