O Figurante

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Eu recebi um email hoje de madrugada de alguém que não conheço, não havia assunto então ignorei achando que fosse spam. Só que toda vez que tentava fazer a notificação sumir ela aparecia de novo, então resolvi abrir para me livrar disso logo e... Olha, não sei se isso é uma piada ou alguém me enviando uma sugestão muito elaborada do que escrever. Tem uma terceira opção, mas me assusta demais só de imaginar, pode ler e me dizer o que acha?

Realmente não sei o que pensar.

"Estou tentando me convencer de que foi um simples pesadelo, mas foi tão real que já não sei mais. Estou te escrevendo porque é a única pessoa louca o suficiente pra acreditar em mim.

Por favor, acredite em mim.

Me lembro com tantos detalhes que pode parecer inventado, eu também já não sei mais o que é real e o que não é. Minhas mãos estão tremendo então me desculpe se encontrar algum erro no meio disso tudo.

Se bem que não importa, não é? Eu só preciso contar isso, você só precisa entender e acreditar, mas não gosto de cometer erros.

Olha, não vai ser um trabalho fácil, eu mesmo sou um cínico, nunca acreditei em nada, religião, casamento, família. Tudo isso parecia fútil demais pra mim e sinceramente ainda parece, nós nascemos sozinhos e vamos morrer sozinhos. Só que eu não quero morrer sozinho, não desse jeito.

Sabe, eu sou contador, todos os dias acordo no mesmo horário, pouco antes do sol nascer. Tenho uma rotina bem monótona e gosto disso, de seguir trajetos bem traçados, sem desvios, sem erros. Gosto do silêncio e da precisão de uma vida bem programada. Vivo sozinho neste apartamento há três anos e passo a maior parte do dia fora trabalhando, quando volto tudo está exatamente como deveria estar. Alguns podem dizer que tenho algum tipo de transtorno, que sou perfeccionista... Bem, isso se alguém soubesse algo da minha vida pessoal.

Pouco nesse mundo me traz mais prazer do que encontrar tudo no seu devido lugar.

Bem, geralmente é assim.

Há alguns dias, coisas começaram a aparecer na sala de estar.

Canecas sujas de café, livros com páginas marcadas, minhas roupas amarrotadas e usadas foram jogadas no chão e sobre os móveis. Eu não sou um homem caseiro, na verdade prefiro ficar na rua até tarde e trabalhar por mais tempo que puder. Nada me deixa mais feliz que trabalho à ser feito, então quando não posso sair de casa, o que faço é ficar no meu quarto trabalhando.

Nunca uso a sala, nunca assisto TV.

Mesmo assim ela estava quente quando a toquei, como se tivesse acabado de desligar.

No começo achei que era só minha memória ficando ruim, estava realmente trabalhando demais. Entretanto, essas coisas estranhas começaram a se espalhar pelo apartamento.

Minha escova de dentes desapareceu e uma nova foi colocada no lugar.

Uma marca de batom apareceu na gola de uma camisa que eu ainda não tinha usado.

E às vezes, no meio da noite, podia ouvir o som das panelas na cozinha, seguido pelo cheiro de comida. Quando ia checar, não havia ninguém lá e a comida estava posta à mesa, uma das coisas que eu definitivamente não sei fazer é cozinhar. 

Não acreditei, duvidei do que estava vendo, não fazia sentido.

Ainda não faz.

—Foi muito divertido ontem, Nico. — A mulher que trabalha no escritório ao lado disse pra mim assim que cheguei ao trabalho —Deveríamos repetir isso uma hora ou outra.

Me virei pra ela confuso, já que nunca tínhamos conversado quem dirá saído juntos. A expressão dela também pareceu confusa assim que me viu, parada no corredor com as mãos na cintura e a boca aberta.

O QUE OS OLHOS NÃO PODEM VER - CONTOS DE TERROROnde histórias criam vida. Descubra agora