"Minha mãe tem medo de cigarras.
É algo que a acompanha desde pequena, dizia que viu uma quase tão grande quanto uma pessoa. Quando eu era mais nova podia entender o medo, bichos voadores com muitas patas nunca são coisas boas de se ver. No entanto, não é a aparência delas que a assusta e sim o som que elas fazem.
Toda vez que há uma por perto, mesmo que longe do nosso campo de visão, mamãe se encolhe e tapa os ouvidos. Ela diz que o barulho das asas delas é insuportável, como o som distorcido de pássaros voando. Meu irmão achava engraçado arrancar as asas das cigarras da região e espalhar pela casa. Toda vez que mamãe as via se encolhia assustada e deixava o local o mais rápido que podia.
Às vezes, quando as escutávamos cantar à noite, ela não dormia, rolava na cama como se sentisse dor e chorava de medo se o som fosse muito alto. Não ajudava muito o fato de morarmos no interior, nossa chácara era cercada por uma floresta onde todo ano os insetos pareciam se reunir para procriar. Talvez seja por isso que ela se mudou para a cidade grande, embora tenha dito que foi pelo trabalho.
Eu fiquei, depois que terminei a faculdade não havia muito para mim na cidade. Como outra escritora você deve entender, tudo o que precisamos é de algo para colocar nossas palavras e um local silencioso. Se ignorar os sons da floresta e das cabras em nosso curral, a chácara é perfeita.
Ou pelo menos era até meu irmão voltar.
Ele saiu daqui ainda novo, se casou e arranjou um bom trabalho, mas recentemente tudo isso foi por água à baixo. Se divorciou e foi demitido, então retornou para me ajudar a cuidar dos animais, não posso dizer que fiquei totalmente satisfeita com isso. Matheus sempre foi do tipo engraçadinho, as brincadeiras com o medo de minha mãe eram o de menos comparadas as outras coisas que ele fazia.
Não sei se você se lembra de Jéssica, nossa colega do fundamental, meu irmão costumava andar com ela por todos os lados. Eram amigos próximos e tinham seu grupinho de patetas que os acompanhavam em aventuras pela cidadezinha. Um dia, a garota arranjou um namorado e isso não agradou o resto de seu grupo, em especial Matheus. Ele queria saber se o garoto era bom o bastante para se juntar à eles, então descobriu exatamente do que o menino tinha medo e resolveu usar contra ele.
Há uma gruta não muito longe daqui, perto da nascente do rio que corta a cidade, eles levaram o garoto até lá a noite. No meio do inverno. O amarraram em uma das pedras e disseram que se ele conseguisse ficar lá por trinta minutos, eles o aceitariam no grupo.
O garoto aceitou a aposta e meu irmão o traiu.
O deixou lá a noite toda, no frio e no escuro, e foi para uma festa.
No dia seguinte Jéssica ficou sabendo do ocorrido e foi buscar seu namorado, dizem que o menino estava pálido como um cadáver. Tinha tido hipotermia, por causa do ambiente frio e úmido. Ficou internado por dias, mas Matheus se safou, ele tinha um álibi, estava em uma festa, como poderia ter feito isso?
Ele ria toda vez que contava essa história, não há uma alma nesta região que acredite em sua mentira, mas não há nada que possamos fazer. Por isso, e por muitas outras ocasiões, não confio nele, nem me dou particularmente bem com sua pessoa.
Infelizmente, família é família, e eu não podia simplesmente recusar recebê-lo na chácara.
A princípio as coisas pareciam ir bem, fora suas piadinhas inoportunas em vários momentos, Matheus não estava dando trabalho. Então, setembro chegou ao fim e as nuvens de chuva começaram a aparecer, foi como acionar um interruptor. Ele faltava o trabalho para ir para a floresta cavar em busca de cigarras, voltava sujo de lama rindo e com algumas em mãos.
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O QUE OS OLHOS NÃO PODEM VER - CONTOS DE TERROR
HorrorCOLEÇÃO DE CONTOS INTERLIGADOS DE TERROR PSICOLÓGICO E SOBRENATURAL: Desde a madrugada do dia primeiro de outubro venho recebendo emails estranhos que não posso ignorar. Não sei o que está acontecendo, cada um deles conta uma história mais assustado...