Silêncio

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"Hm, olá, nos conhecemos semana passada quando você veio visitar seu aluno, Hugo. Disse que não poderia retornar para visitá-lo tão cedo e me pediu para ficar de olho nele. Achei que poderia fazer isso, não parecia um trabalho difícil. 

Sinto muito, sinto muito mesmo, mas não acho que posso continuar fazendo isso."

"Olá, Alice, sim eu me lembro de você, é a paciente do quarto ao lado, pode me dizer o por quê? Alguma coisa aconteceu?".

"Hm, bem... Eu não sei se te disse isso da última vez em que nos vimos, mas eu tenho fibromialgia. Sofri um acidente quando pequena e isso acabou acarretando em vários problemas de saúde, um deles é essa doença crônica. No começo era mais fácil de lidar, mas então acabei ficando deprimida e meu quadro piorou. As dores são insuportáveis e às vezes preciso ficar internada por longos períodos. É por isso que eu te disse que não sairia do hospital tão cedo, na verdade, antes de nos conhecermos eu já estava internada há duas semanas. 

Ficar de olho nele parecia um trabalho simples, não sabia exatamente a razão por trás disso no começo, ainda mais considerando que ele estava em coma. Já havia enfermeiras e médicos o suficiente por perto, mas quando me contaram que ele não tinha família e que a professora era seu único contato de emergência? Pensei que precisava ajudar. 

Não há muito que alguém pode fazer em uma situação como a minha, passo a maior parte do dia sob o efeito forte de remédios, sem fazer muita coisa além de estudar e andar pelo hospital. Minha família vem visitar sempre que pode, meus amigos de infância também, mas geralmente sou só eu, muitos remédios e os médicos. Quando o efeito passa, fico deitada quieta, sem me mover um centímetro sequer, esperando que se fizer isso a dor vai ser menor. 

Nem sempre é o caso. 

Ficar de olho nele foi uma novidade refrescante, ainda mais considerando o quão fofo ele era. Temos a mesma idade, sabia? Não conhecia muitas pessoas ali com a mesma idade que eu.

Foi bom falar com alguém que não me olhasse com pena e tristeza... Bem, nesse caso era só eu falando e ele não podia me ver, por razões óbvias. Era bom mesmo assim, embora sei que pode parecer ainda mais triste.

Os médicos não viram objeção em me deixar visitá-lo, nos primeiros dois dias eu me sentava na poltrona ao lado dele e conversava por horas. Assistia filmes, fazia minhas tarefas, só aproveitava o tempo, até mesmo ajudando as enfermeiras a cuidar dele. Foram dois dias maravilhosos, não me senti sozinha e a dor não importava, não quando eu tinha alguém para cuidar. 

Infelizmente, a terceira manhã chegou. 

Sabe, quando você passa muito tempo em hospitais acaba se acostumando com o barulho natural do lugar. As conversas misturadas, os anúncios nos alto-falantes, os passos no piso branco... O choro daqueles que perderam seus entes queridos. 

Você se acostuma, mas não dá para ignorar. 

Por isso quando tudo ficou silencioso, tive a mesma sensação de ouvir um alarme de incêndio. 

Algo estava errado.

Uma sombra se espalhou pelo quarto, a silhueta de alguém bem em frente à luz, olhei a sua procura e encontrei uma mulher na porta. Se me perguntar como era seu rosto, não sou capaz de descrevê-lo, ao mesmo tempo que pareço ser capaz de lembrar cada detalhe... Também me esqueço, como se meu cérebro tentasse me impedir de reviver essa memória. Ainda me lembro de suas roupas simples, seu cabelo castanho claro preso em um rabo de cavalo e sua postura firme como a de um militar. 

—Quem... Quem é a senhora? 

—Eu sou a mãe dele, quem é você? — Ela retrucou em um tom ríspido.

O QUE OS OLHOS NÃO PODEM VER - CONTOS DE TERROROnde histórias criam vida. Descubra agora