Circo dos Anônimos

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[N.A: Recomendo que leiam "Hidrofobia" e "Canto da Floresta"]

"25 de Outubro.

Coisas ruins acontecem com qualquer um, é parte da vida.

É o que eu tenho tentado me convencer desde que perdi minha melhor amiga.

Você não deve saber do que aconteceu, professora, deve achar estranho eu finalmente lhe enviar um email depois de tanto tempo. Bem... é que eu fugi de casa há algumas semanas e não tenho à quem recorrer. Algo ruim aconteceu com minha amiga, Rayssa, por minha culpa... Fiquei com medo demais para lidar com as consequências então deixei tudo para trás.

No entanto, agora acho que cometi um erro ainda maior.

Decidi deixar a cidade e ir para uma cidadezinha no interior, onde ninguém poderia me encontrar. Sabia que não ia ser um trabalho fácil, ainda não sou maior de idade e não terminei os estudos, encontrar um trabalho e viver por conta própria seria difícil. Estava assustada quando deixei o ônibus, não conhecia aquela cidade e não tinha para onde ir.

Realmente foi imprudente da minha parte fugir sem ter um plano, mas estava desesperada, aterrorizada.

Passei o primeiro dia procurando lugares baratos para passar a noite e um emprego que me aceitasse sem muitas perguntas. Conheci uma senhora muito gentil, dona de uma mercearia pequena, disse que eu poderia trabalhar para ela e morar no quarto acima da loja por quanto tempo precisasse. Ela vivia sozinha e já não tinha mais forças para cuidar de tudo, me senti culpada por enganá-la dizendo que fugi de casa porque era mal tratada.

Contudo, sabia que se dissesse a verdade não havia chances de que ela me aceitasse em sua loja.

O trabalho era fácil, só estocar os produtos e limpar as coisas de vez em quando.

A cidade é bem pequena e calma, não havia muitos turistas e a coisa mais inusitada que aconteceu nos últimos dez anos parece ter sido uma festa enorme que resultou em alguns desaparecimentos. Todos só falavam sobre isso, sobre como o irmão de uma celebridade local parecia estar envolvido nisso, mas não encontraram provas o suficiente para incriminá-lo de nada.

-A irmã dele, pobrezinha, era uma grande escritora, todos da cidade a conheciam. - Minha chefe contou durante o almoço -Mas de repente ela teve um surto e acabou sendo internada no hospício.

-Por quê?

-Ninguém sabe, desde então o irmão dela tem tomado conta da chácara onde eles viviam, ele é um homem estranho e agora que tem o dinheiro da irmã... - Assobiou.

Confesso que fiquei curiosa, estava mesmo procurando algo para ocupar minha mente e me livrar das lembranças ruins.

Uma fofoca local parecia algo divertido de se investigar, poderia fingir que sou uma jornalista e finalmente voltar a escrever. Desde o que aconteceu... Desde que feri Rayssa daquela forma, toda vez que seguro uma caneta me lembro do pedaço de azulejo que usei para atacá-la. Eu sei que se não tivesse feito isso ela teria me afogado e me matado, mas a culpa não vai embora tão facilmente.

Só precisava de algo com que me ocupar e as pessoas ali pareciam ansiosas para falar sobre o assunto com alguém que não tinha ideia do que estava acontecendo.

-Matheus sempre foi um louco, sempre gostou de participar de festanças e pregar peças nos outros, ainda mais quando eram brincadeiras perigosas.

-Ele enlouqueceu Elise, tenho certeza disso, se nem mesmo a esposa conseguiu ficar com ele por muito tempo, quem dirá sua irmã.

-Não se aproxime daquela chácara sozinha, não ande por aí à noite sem ter companhia!

Ao mesmo tempo que pareciam ansiosos para falar sobre tudo isso, também pareciam receosos e com medo. Nenhum deles confiava no homem, sua residência ficava afastada da cidade, mas para muitos ainda não parecia longe o suficiente. Era como se todos estivessem vivendo sob pressão, esperando que algo acontecesse.

O QUE OS OLHOS NÃO PODEM VER - CONTOS DE TERROROnde histórias criam vida. Descubra agora