A Dança do Diabo

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Me disseram que nunca saber o final das histórias que recebo é minha punição, talvez querer saber demais tenha me colocado nessa situação. Ainda não sei o porque disso estar acontecendo, mas não vou me conformar tão facilmente. Por isso decidi investigar pessoalmente o mais recente e-mail que recebi, nada de colocar nas mãos de terceiros. 

Meu amigo André Fujimoto é um violinista profissional, começou a tocar quando ainda era criança. Me lembro de poder escutá-lo praticar sempre que voltava da escola e passava frente à sua casa. Sempre foi muito bom no que fazia, apesar de não se considerar bom "o bastante". Ele costumava dizer: "Segunda fileira... É como ser o segundo filho favorito, não significa nada para mim".

Nunca entendi a razão por trás disso, ele até mesmo tinha alguns fãs. 

Em seu e-mail, descreveu como seu desejo por ser o melhor acabou lhe levando à uma descoberta. Ao praticar sozinho até tarde no Teatro Municipal, de forma inesperada acabou encontrando um professor. Um homem, que só ele parecia ser capaz de ver, o fez treinar até seus dedos sangrarem e, surpreendentemente, André não conseguia parar por conta própria. Acabou com lesões no pulso e nos dedos, mas diferentemente de meus outros correspondentes, nada de muito grave parece ter lhe ocorrido.

Pensando bem, talvez seja essa a razão que me fez ir, um "instrutor fantasma" parecia algo menos perigoso comparado às outras coisas que fiquei sabendo. 

Devo admitir, sou uma covarde.

Não foi difícil conseguir permissão para entrar no teatro à noite, disse que precisava de inspiração para meu próximo livro e que faria uma doação... Bem, às vezes ajuda muito ser uma celebridade local.

Era tarde quando cheguei, o zelador me encontrou na entrada e demos um pequeno tour pelo lugar, não encontrei nada muito diferente do normal. O velhinho me deixou sozinha depois de responder algumas de minhas perguntas sobre André, afinal foi ele quem o encontrou na manhã seguinte após meu amigo praticar até a exaustão. Aparentemente, nem o homem que trabalha lá todas as noites havia notado que havia alguém presente até encontrá-lo desmaiado no corredor pela manhã.

O clima era estranho, não podia negar.

Sem pessoas por perto parecia uma casca vazia e fria.

Meus passos ecoavam pelos corredores escuros.

Uns dez minutos vagando sozinha por ali e comecei a escutar o som leve de um violino.

Reconheci a melodia na hora, um de meus poemas sinfônicos favoritos, Danse Macabre de Saint-Saëns. Fui atraída para o som como uma mosca para a luz, meus pés se movendo praticamente sozinhos. Me vi diante de duas portas de ferro grandes e enferrujadas, o papel de parede do corredor parecia apodrecer ao seu redor.

Não me lembrava de ter visto aquelas portas antes, mas era óbvio que o som vinha de lá então as abri sem hesitação. O auditório estava escuro e vazio, mesmo assim o som do violino ecoava por todos os lados. Adentrei com cautela usando a lanterna de meu celular para iluminar o caminho, algo estranho que reparei era que a luz não atingia muito além de um metro à minha frente.

Era como se as sombras fossem densas demais para serem dispersas facilmente.

Ouvi cochichos e senti arrepios por todo meu corpo.

O clima era ainda mais pesado ali dentro, o ar gélido como o sopro do inverno.

A música chegou ao seu clímax e com isso as portas se fecharam atrás de mim, o som alto me fazendo saltar assustada.

Virei depressa procurando pelo responsável, apenas sendo capaz de enxergar um movimento rápido na escuridão.

Engoli em seco.

O QUE OS OLHOS NÃO PODEM VER - CONTOS DE TERROROnde histórias criam vida. Descubra agora