Capítulo Quatro

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Era quarta-feira, dia que Tessa combinara visitar Charlie. Ela acordara cedo e tinha dito a mãe que voltaria em algumas horas. A  mulher nunca questionava a filha para onde ela ia, e o que fazia. A jovem tinha vinte e cinco anos, e vivia uma liberdade que causaria inveja a muitas pessoas.
Chegou na casa do conde, esperando não encontrá-lo ali. Havia levado o casaco que o homem deixara com ela e esperava devolver. O mesmo criado do outro dia abriu a porta para ela, e logo apareceu Charlie, recebendo-a na entrada.
— A senhorita veio mesmo. — comemorou ele.
Ela o seguiu até o sofá.
— Você achou que eu não viria?
Ele deu de ombros.
— Fiquei com medo de que não fosse cumprir sua promessa. — confessou o menino.
Tessa riu baixinho.
— Se eu prometi, vou cumprir, Charlie. — sentaram-se, e ela entregou o casaco a ele. — É do seu pai.
— Como acabou ficando com ele?
Ela ficou sem jeito de repente.
— Eu encontrei seu pai ontem, e ele me salvou da chuva. — explicou.
Ele concordou.
— Podemos começar? — o pequeno estava ansioso.
Charlie havia colocado papel e caneta sobre a mesa, e estava pronto para que a moça começasse a ensiná-lo
— Não vamos ter  nossa primeira aula aqui. Vamos sair. — ela ficou de pé e ofereceu a mão a ele. O menino se levantou e foi até a porta com ela.
— Eu volto logo, Sam. — ele disse ao criado.
Os dois saíram, e foram para a direita, rumo a um lugar especial.
— Está tudo bem, Charlie?
— É que eu tenho um pouco de medo de pessoas. — revelou o menino.
Tessa sentiu-se mal por ele. Era claro que o menino precisava de ajuda, e o pai não estava sabendo lidar com ele também. E a jovem tentava imaginar a agonia que Charlie vivia, falando com dificuldade, não conseguindo aprender a ler, e tendo medo de conviver com pessoas.
— É aqui. — ela apontou para a fachada, onde dizia livros.
— O que viemos fazer aqui, senhorita? Eu não posso ler. — ele lembrou-a.
Ela sorriu docemente para ele.
— Você vai ver como aprender a ler pode ser divertido.
Entraram na livraria, e o pai de Tessa acenou quando viu os dois.
— Venha até aqui. — a jovem pegou um livro grande e bonito, e o abriu. Havia desenhos de animais, e isso serviria para ajudá-lo.
— Um cavalo.
— Cavalo começa com qual letra?
— C. — respondeu o pequeno.
E continuaram, ela ajudou-o a identificar as letras através dos animais. E aquilo se tornou fácil para o menino, que sabia responder todas.
— Isso é divertido, senhorita. — confidenciou ele.
— Fico feliz que esteja gostando, Charlie.
Eles mal notaram o tempo passar, e quando Tessa notou já passava da uma. Então ela o segurou pela mão e o levou de volta para casa, caminhando devagar, sem pressa.
— A senhorita acha que conseguirei aprender? Entenda, meu pai e eu já fizemos de tudo, e eu não consigo compreender nada. — Charlie disse triste.
— Vai sim. — garantiu a jovem.
Pararam em frente a porta da casa, e o menino a olhou com expectativa.
— Não vai entrar, senhorita?
Ela meneou a cabeça.
— Não, Charlie. Eu preciso ir embora.
Charlie entrou, e ela deu as costas a ele. Estava sentindo-se muito feliz porque seu plano tinha dado certo, e agora ela sabia que seria capaz de ensinar o menino. Gostaria de ver a reação de Simon quando visse o filho lendo. Havia um pensamento importante sobre o pequeno. Tessa não acreditava realmente que o conde fosse um mau pai. O que acontecia era que o homem não conseguia compreender as necessidades do filho, e como ele precisava ser conduzido. Mas nem tudo estava perdido porque havia algo que podia melhorar a situação.  A  jovem estava disposta a ajudar pai e filho, e era por isso que estava tentando fazer Charlie ler.
E ela sabia que em breve teria que enfrentar seu medo: Confrontar Simon, e oferecer-lhe ajuda. Ela só temia que ele continuasse com seu jeito grosseiro e indecoroso e não parasse de tentá-la. Pois Tessa era consciente de que amava o noivo, e não havia nada nem ninguém que fizesse-a pensar o contrário. As coisas se acertariam, pensou ela.
— Seu  maldito! — uma voz alta a fez parar de andar, e ela olhou para a estreita rua a direita.
Havia um homem alto e corpulento com um pedaço de madeira na mão espancando um cãozinho acuado no canto da parede. Ele era branco, mas tinha manchas de sangue pelo corpo.
Tessa enfureceu-se. Olhou para os lados e procurou por alguém a quem pedir ajuda, mas a rua estava vazia. O que faria? Seria capaz de enfrentar o homem sozinha? Quando ele bateu no animal mais uma vez ela soube que sim seria capaz.
— Pare o que está fazendo agora! — exclamou ela com as mãos na cintura.
O homem parou e virou-se para ela. Sorriu e se aproximou.
— Este cão roubou um pão da minha padaria, mulher. Ele merece apanhar por isso.
A jovem apertou a mão em punhos e respirou fundo.
— Eu pago ao senhor o valor do pão. — procurou nos bolsos e entregou três moedas a ele.
— Está certo então. — disse ele passando por ela, indo embora.
Tessa correu até o animalzinho, e tentou se aproximar,  mas ele rosnou para ela.
— Calma. — tentou novamente, se aproximando devagar. Tentou encostar nele e o mesmo permitiu.
Lágrimas escorreram pelo rosto da jovem quando ela segurou o cão nos braços e notou o quanto ele estava machucado. Não hesitou em carregar o cão para casa, andando a passos largos.
— Vai ficar tudo bem. — repetia, afagando-o.
Quando entrou em casa e sua mãe viu o animal nos braços levantou do sofá e foi até ela.
— O que está fazendo com esse animal, filha?
— Eu o salvei de ser morto, mãe. Preciso cuidar dele. — tentou passar mas a mãe a impediu.
— Não quero esse animal em minha casa, Tessa. Trate de se livrar dele imediatamente.
— Mas mãe...
— Agora.
A mulher deu as costas a ela, e se foi para a cozinha.
A jovem ficou desamparada com o animal nos braços, chorando. Quem poderia ajudá-la agora? Sabia que nenhuma de suas amigas seria capaz de ajudá-la. Só se... Será?
Saiu de casa e começou a caminhar mais rápido, porque não era tão perto dali. Ela salvaria aquele cão, podia jurar. E para isso se colocaria de frente para seu maior medo.
Estava enfim parada em frente aquela casa e já estava quase querendo desistir. Mas não, ela iria mesmo assim. Subiu a escada e bateu a porta. O criado abriu e franziu a testa ao vê-la ali novamente.
— Quero falar com o conde. — explicou.
— Aqui estou eu. — era Simon descendo as escadas. — Senhorita Tessa?
— Sou eu, milorde. Por favor, me ajude. — ela pediu nervosa.
Ele se aproximou e fitou o cão nos braços dela.
— O que aconteceu?
— Um homem estava batendo nele com uma madeira. Eu o defendi, e tentei ajudá-lo, mas minha mãe não permitiu. — contou ela.
Simon tocou-a pelas costas, e a conduziu para dentro de casa.
— Vamos ver o que podemos fazer. Sente-se aqui. — indicou o sofá a ela, que sentou-se. — Agora deixe-me vê-lo. — ele se ajoelhou em frente a ela.
Ele passou a mão pelo corpo do animal, notando as feridas, e quando pegou na pata do cão, ele chorou, encolhendo-se.
— Está quebrada. — disse encarando Tessa.
Os olhos dela lacrimejaram, de tanta tristeza que ela sentia.
— E o que vamos fazer, milorde?
— Vamos enfaixá-la primeiro. — ele se levantou e indicou a direita para ela. — Vamos até meu escritório.
A jovem o seguiu, e dentro do escritório, em uma mesinha ao lado da janela havia uma caixa com pedaços de tecido, que provavelmente serviria para enfaixar a pata do animal.
— Agora segure ele para que eu enfaixe. — Simon segurou a pata do cão e deu voltas com a faixa de pano, deixando bem firme. O animal chorava, mas não mexia-se.
— Conseguimos. — comemorou a jovem.
— Sim, conseguimos, senhorita. — concordou ele, olhando-a de um jeito sedutor.
— Vamos para a sala, por favor. — ela falou dando as costas a ele.
Tessa notou Charlie descendo a escada, e quando a viu correu até ela. O menino olhou para o cão com interesse.
— Por que esse cão está aqui, pai?
— Estamos acolhendo-o por alguns dias, filho. — explicou Simon.
Charlie mal podia conter-se de tamanha felicidade.
— Isso é fantástico, pai. Obrigado. — o pequeno abraçou a cintura do pai.
Tessa sorriu ao ver a alegria do menino. Ela sabia que ele cuidaria bem do animal.
A jovem se abaixou e colocou o cão no chão, e ele rapidamente deitou, parecendo exausto.
— Cuide dele, Charlie. — pediu ela, acariciando a bochecha do menino.
— Eu cuidarei, senhorita. — garantiu ele, muito sério.
— Já é noite, não pode andar por aí sozinha, senhorita. — alertou Simon ao lado dela.
— E como irei para casa?
— Eu a levarei. — propôs ele.
E ela tinha outra opção? Não, não tinha. Por isso ela o acompanhou até a porta, que ele abriu, e indicou que ela saísse.
Realmente, estava muito escuro e ela não chegaria em casa sozinha tão facilmente. Mas ela detestava ter que precisar da ajuda do conde, não queria ter que ficar devendo favores a ele, e mesmo que o conhecesse pouco, ela sabia que ele cobraria.
— Onde fica sua casa?
— À esquerda da rua principal. — explicou ela.
Passaram em frente a uma casa de jogos, e havia um monte de homens bebendo sem preocupar-se com nada.
​— Estamos perto. — Tessa disse ao virarem a rua. — Ali, é aquela casa.
Como o cavalheiro que era, Simon acompanhou a jovem até a entrada da casa.
— Tem certeza que está tudo bem, senhorita?
— Sim, está. — estava pronta para entrar, quando lembrou-se de algo. — Obrigada por me ajudar hoje, milorde.
Ela notou o sorriso dele.
— Foi um prazer ajudá-la. Adeus, senhorita.
Ele se despediu e se foi na escuridão. Ela entrou em casa, e viu que estava com problemas quando encontrou a mãe e o pai sentados no sofá da sala, esperando-a.
— Tessa minha filha aonde estava? — perguntou a mãe.
— Estava conseguindo ajuda para o cãozinho, mãe. Não se preocupe, estou bem. Vou para o meu quarto. — ela passou pelos dois e foi para o corredor.
Já no quarto, deitada, a jovem não evitou pensar em Simon, em como ele estava sendo gentil com ela. Será que ele era realmente assim? Ela não era tola, sabia da fama do homem, e ainda assim desconfiava que ele não tinha boas intenções com ela.
Mas não havia com o que preocupar-se, pensou ela, muito ciente de seu amor por Neil. O que precisava fazer era beijá-lo no próximo evento que houvesse.
Dessa maneira ela confirmaria seu amor por ele.

O calor dos teus beijosOnde histórias criam vida. Descubra agora