Pouco depois que o desanimado jantar acabou, Simon subiu as escadas e foi para seu quarto, ao mesmo tempo em que feria-lhe o orgulho por desejar ir até o quarto dela, nem que fosse para dizer-lhe algumas verdades.
Mas não, segurou-se e entrou em seu quarto, removendo as roupas peça por peça, já que tinha o costume de dormir desnudo. Deitou, soltando um longo suspiro de pura tristeza. Sentia-se triste, e queria tentar dizer a ela que era tudo um engano, nunca a derrubaria da ponte de propósito. Ele poderia ser um pouco mal, mas não a aquele ponto.
Os dois dormiram, um não tão bem, ainda enfurecido pela raiva, enquanto o outro se embolou na cama em um amontoado de tristeza.
No dia seguinte, pela manhã encontraram-se no desjejum e mal olharam um na cara do outro. Era uma situação lamentável realmente. Porque mesmo que não tivessem qualquer relação e sequer fossem amigos, o respeito mútuo e a camaradagem deveriam existir. Ou não, no caso.
Para aquele dia, lady Anne tinha uma programação especial. Para os homens preparara uma caçada nos bosques que ladeavam a propriedade, com a promessa de um prêmio para quem conseguisse a maior caça. A aquela altura, Simon já estava animado, porque, modéstia parte ele era um exímio caçador, e se, pelo que conhecia dos outros convidados, nenhum era tão bom quanto ele. Era uma certeza que levaria o prêmio.
E assim ele, com um rifle na mão, seguiu o outros homens, que conversavam alegremente. Era bastante óbvio que o mais competidor ali era Simon, e ele que deveria ser o campeão.
E para as jovens, um chá especial no jardim. Todas arrumaram-se, com vestidos bonitos e grampos no cabelos, algumas usavam maquiagem. Tessa ainda sentia raiva do conde, mas seu humor tinha melhorado, e agora pensava em apenas se divertir e conversar com as outras moças.
— Sentem-se, meninas. — disse a lady, na ponta da mesa.
Todas sentaram, e esperaram até que a mulher voltasse a falar, todas em expectativa.
— Este chá é para finalizarmos nosso encontro lindamente. Estou muito feliz em tê-las aqui. Este é um momento para falarmos, por isso mandei os homens caçarem. — riu a mulher.
As jovens foram servidas, havia bolos, pães, torradas com geléia e biscoitos. Todas deliciaram-se, enquanto bebiam chá e conversavam. Em certo momento o assunto foi casamento e a única noiva ali era Tessa, que desejava esconder-se.
— Diga-nos, Tessa, já beijou doutor Neil? — perguntou uma jovem ruiva.
A moça corou, sem saber o que dizer. Diria a verdade? Contaria que nunca havia sequer encostado em Neil? Não, ela não podia. Era humilhante demais.
Por isso, ela decidiu falar o que convinha.
— Sim, eu já beijei meu noivo. — disse nervosa.
As moças riram, mas perderam o interesse, pois logo voltaram a conversar entre si.
Tessa notou que sua amiga Frederica, que estava ao seu lado, estava estranha. Por isso perguntou bem baixinho o que tinha acontecido. A jovem apenas moveu os lábios em resposta, mas foi o suficiente. Não era possível, a amiga não podia ter beijado John. Mas era isso mesmo, na noite anterior, quando todos já tinham ido para seus quartos, os dois haviam encontrado-se no corredor, e o lorde que apesar da situação tinha boas intenções com a jovem, beijou-a. O primeiro beijo mais doce de todos.
Isso significava muita coisa naquela altura. E tinha criado expectativas na moça. As coisas precisariam evoluir para algo mais sério.
— E você Tessa, deve ler muito já que seu pai tem uma livraria não é? — perguntou lady Anne.
— Sim, leio dois livros por semana. — comentou orgulhosa.
Todas ficaram de queixo caído, admiradas com a jovem.
— Isso é impressionante, menina. — elogiou a lady.
— Não leio muito bem. As letras ficam se movendo. — disse Felipha, uma jovem loira muito bonita.
— Pode ser problema em sua visão. Procure usar óculos, e verá que irá melhorar. — falou Tessa, deixando todas as jovens impressionadas por sua inteligência.
— E há alguém aqui apaixonada, senhoritas? —a anfitriã perguntou, fazendo a maioria corar.
Nenhuma respondeu, todas ficaram olhando-se, envergonhadas.
Tessa até queria gritar Eu! Mas ficou com vergonha, e não quis expor-se tanto assim. O que ela nutria por Neil era uma profunda admiração e amor. Bem, ela achava que era amor, porque nunca lhe contaram exatamente como era esse sentimento. Mas o importante era que sentia apresso pelo noivo, e que em breve, quando ele marcasse a data do casamento, seriam felizes. E bem, o conde seria apenas uma mancha em seu passado.
Ainda estava magoada com ele, e não sabia se poderia perdoá-lo algum dia. Pelo lado bom, talvez não voltassem a sequer conversar mais. Ela ansiaria por aquilo.
Mas havia algo estranho em relação a Simon, e que ela não sabia dizer o que era. Talvez fossem os beijos? O último que lhe dera, fizera-a perder o ar. Então, pensou ela, se esse era o problema podia resolver muito facilmente, beijando Neil. Era isso, estava decidida, assim que estivesse a sós com o doutor, pediria um beijo. Ele não poderia negar-lhe um presente como esse.
— O que é aquilo? — perguntou Frederica, levantando-se e apontando para frente.
A situação era no mínimo hilária, para quem estava de fora, é obvio, vinha o conde de Wessex mancando, todo suado, com o cabelo despenteado e as roupas sujas. Ele andava com dificuldade, e algumas jovens soltaram risinhos, escondidos do lorde.
— O que aconteceu, conde? — quis saber a lady quando ele se aproximou.
— Torci o tornozelo enquanto caçava. — explicou ele.
— Vamos resolver isso, meu querido. — ela fez um gesto para que ele seguisse para casa, e depois apontou para as jovens. — Vocês, todas para casa.
Algumas reclamaram, mas obedeceram. Tessa seguiu com as outras, enquanto ainda tentava processar o fato de que deveria sentir pena ou não do lorde. Decidiu; não teria pena, em sua visão era o destino cobrando por todo o mal que causara.
E ademais, era engraçado ver o conde caminhando daquele jeito. Ele precisaria de uma salmoura no pé, e quem sabe uma massagem. Enfim, algum criado seria colocado para esse trabalho e ela apenas teria que relaxar em seu quarto.
Entraram na casa, e ela segurou-se para não rir ao ver o conde subindo os degraus pulando em um pé só. Ele virou-se para trás e ela se escondeu atrás de uma jovem.
Eles subiram as escadas e foram para seus quartos, esperarem o jantar. Tessa estava deitada, quando ouviu alguém batendo à porta, e foi abrir. Era uma criada, dizendo que ela estava sendo solicitada no salão principal com urgência. Não entendendo o que estava acontecendo, a jovem foi para o primeiro andar, e quando entrou no local indicado deparou-se com o conde sentado, com a perna recostada sobre o sofá, e lady Anne ao seu lado.
A mulher, quando a viu sorriu.
— Quem bom que veio, senhorita.
— Para que precisa de mim, lady? — ela estava alarmada.
Foi então que notou o sorriso de Simon, de pura vingança. Oh não, o que ele planejava?
— Pois veja bem, senhorita. Eu estava designando um criado para massagear o tornozelo do conde, mas ele sugeriu que você o fizesse já que são muito amigos. — a lady explicou.
Por tudo que fosse sagrado, aquilo não podia estar acontecendo. Como ele tivera coragem de fazer algo assim? E o que ela podia fazer agora a não ser acatar?
— É claro, lady. Eu faço a massagem. — disse, apertando as mãos sobre o vestido.
A mulher deixou-os sozinhos, e Tessa estava pronta para voar sobre o pescoço de Simon, mas controlou-se. Respirou fundo e sentou do lado dele.
— O que foi, senhorita, há algo errado? — ele perguntou em tom de deboche.
Ela olhou para o pé dele e riu. Porque ao contrário da beleza de Simon, seu pé era feio, torto e muito pálido. Uma verdadeira aberração. E a jovem não perderia tempo em usar disso para atormentar o conde.
— Milorde, preciso-lhe ser franca e dizer que seu pé não é nada bonito. — falou, rindo.
Simon, ao contrário do que Tessa esperava, começou a rir também, deixando a jovem assustada. Por que ele ria? Ora, ela não entendia.
— Minha cara senhorita, se achou que eu ficaria ofendido, lhe digo que é melhor tentar novamente. — brincou ele.
— Pois então, cuide de seu tornozelo você mesmo, milorde. — ela levantou, e estava saindo quando ele a segurou e a puxou.
— Acalme-se, mulher. — Simon disse fazendo-a sentar novamente.
A jovem se sentou, e o encarou, com uma expressão de profunda decepção.
— Agora, por favor, se dedique ao meu pé, senhorita. — ele colocou o pé sobre a perna dela.
Ela suspirou. O que podia fazer?
— Ai, ai. — reclamou o conde quando ela encostou no tornozelo dele.
— Deixe de ser um menino chorão. — ela disse voltando a tocar na parte machucada.
A moça massageou o tornozelo dele, com mãos delicadas, fazendo círculos com os polegares. Ela o olhou, e não se admirou em vê-lo sorrindo. E por Deus, como o maldito tinha um sorriso bonito.
— E o cãozinho como está?
— Já é amigo de Charlie, e lhe deu o nome de Chocolate. — contou Simon.
— Mas ele é branco. — para ela aquilo era bem óbvio.
— Nem eu entendo meu filho. — riu o conde.
— Sobre ele, é um menino muito especial. — comentou ela emocionada.
O conde parou de sorrir e se aproximou dela.
— Sim, ele é. E Charlie a adora, Tessa. — era a primeira vez que ele se referia a ela assim. Era íntimo, e senhor, ela gostava.
Uma mecha de cabelo caiu do coque que a jovem usava, e ele se inclinou para pô-la no lugar, e em seguida ele tocou-lhe a orelha, de uma forma muito sensual.
Tessa lambeu os lábios.
— Eu queria pedir sua permissão para visitá-lo.
Ele tirou a mão dela, e se recostou no sofá.
— Continue visitando-o o quanto quiser.
Ela abriu bem os olhos.
— Milorde sabia...?
Ele sorriu de canto.
— É claro que eu sabia. Charlie não é bom em guardar segredos. — revelou o conde.
A jovem também teve que sorrir. De pura felicidade. Não precisava mais esconder-se para ver o menino. Agora poderia finalmente ensiná-lo sem qualquer preocupação.
— Ele me disse que a senhorita está tentando ensiná-lo a ler. Eu sinceramente já fiz de tudo e não consigo ensiná-lo. — confessou ele.
Ela voltou a massagear o tornozelo do homem, enquanto pensava.
— Estamos tendo progressos, eu acho que em breve ele estará lendo. — afirmou ela esperançosa.
— E agora falemos de outro assunto. Agora a senhorita acredita que não sou culpado pela queda no lago?
Ela deu de ombros.
— Talvez hoje eu possa ceder um pouco. — Tessa abriu um lindo sorriso que quase o fez arrepiar-se.
Aquilo não era uma assinatura de um acordo de paz permanente, mas já era um começo. Sem que os dois estivessem sempre em pé de guerra as coisas poderiam progredir.
— Há uma coisa que eu preciso perguntar, se me permite. — ela fez que sim, e ele continuou — Como pode ter tanta liberdade assim? Nunca vi uma mulher tão decidida.
Ela riu baixo.
— Meus pais acreditam que mulheres devem ter o mesmo direito que os homens. Trabalhamos em nossas casas, cuidamos de marido e filhos e merecemos uma vida digna. Tínhamos uma vizinha que apanhava do marido todos os dias, e ninguém fazia nada. Até que um dia ela fugiu com o filho e nunca mais foram vistos. É esse tipo de coisa que tenho medo, sabe?
— Tem medo de apanhar do seu noivo? — Simon perguntou muito sério.
Ela negou veementemente.
— Neil nunca faria algo assim comigo. Viveremos uma vida feliz e longa juntos. — ela disse acreditando piamente naquilo.
Para Simon, o assunto havia desandado ali. Falar de Neil para ele lhe causava náuseas, e àquela altura ressentia-se por não ter contado a verdade ainda a ela. Mas era assim que deveria ser, pelo menos por enquanto, até que o ponto alto de seu plano acontecesse. Não faltava muito para que as coisas acontecessem. Em breve teria ao seu lado Tessa.
— É o suficiente. — ele disse retirando o pé da perna dela.
— Posso ir? — perguntou ela de pé.
— A menos que queira me beijar, pode ir. — o conde disse brincando.
A jovem se apressou a subir para o outro andar, arrancando uma risada de Simon.
As coisas não estavam tão ruins entre os dois, pensou o lorde.
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O calor dos teus beijos
Ficção HistóricaSimon Comeford é o conde de Wessex, um viúvo que depois da morte da esposa decidiu viver apenas pelo filho. Em uma noite, quando deixava a casa da amante, ele salva duas mulheres de um assalto, mas a escuridão não o deixa ver seus rostos. Porém, ele...