Capítulo Três

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​Charlie pediu ao pai que o colocasse na cama naquela noite, e o homem acatou, ajudando-o a vestir-se e a deitar. O menino estava diferente, notou Simon. Por que?
​— Pai, hoje uma amiga veio me visitar. — contou a criança.
​O conde estranhou.
​— Quem?
​O pequeno sorriu.
​— Senhorita Tessa esteve aqui, pai. — revelou.
​Simon assustou-se. Como ela poderia ter vindo até ali? Ela não sabia sequer quem ele era. Mas Charlie não poderia estar mentindo.
​— E o que ela veio fazer aqui?
​O filho deu de ombros.
​— Veio me ver. — explicou ele. — Conversamos e ela me prometeu que me ensinará a ler.
​Não podia esconder o sorriso de felicidade. O conde passou a mão nos cabelos do filho, que não entendeu o gesto.
​— Não está bravo, pai?
​— Não, Charlie. Você pode continuar a vê-la. Mas ela não pode saber que eu sei. — orientou ao menino.
​Charlie assentiu
​— Não contarei. — prometeu o pequeno.
​— Então, agora durma. — Simon se levantou da cama, e foi em direção a porta, olhando-o uma última vez antes de ir.
​Um pouco mais tarde, sentado no seu escritório com apenas uma lamparina acesa, o conde de Wessex deleitava-se com o prazeroso calor em sua garganta proporcionado pelo uísque envelhecido que bebia. Eram em momentos como aquele que Simon encontrava um pouco de conforto na bebida, e deixava de lembrar de Amélia, livrando-o um pouco dos pensamentos sobre o passado. Era dolorido lembrar dos bons momentos que viveram juntos, das noites de paixão que acendiam o amor de ambos, e o nascimento de Charlie, um dos momentos mais bonitos da vida do conde. Será que um dia as lembranças iriam embora e ele estaria livre de carregá-las como se fossem o maior peso do mundo? Bem, ele implorava aos céus todo dia para que Deus pudesse libertá-lo das lembranças e que seguisse em frente. Ele sabia que não estava sendo um bom pai para o filho, e que deveria esforçar-se mais, mas ele simplesmente não conseguia encarar Charlie sem lembrar da mãe dele. Sabia também que a criança tinha alguns problemas de saúde, e ele não podia esquecer do dia que levara o filho a um médico, e ele lhe dissera que o problema no cérebro de Charlie era grave, e que podia matá-lo, ou então deixá-lo sem andar. Fora o momento mais difícil de sua vida. Depois disso, ele tivera que seguir vivendo com medo, de que a qualquer momento perdesse o filho.
**
​Duas noites depois, Tessa chegava a casa de lady Julie, e mesmo que sorrisse, estava um pouco triste porque o noivo não estava ali. Ele precisara atender um chamado urgente fora da cidade e por isso não comparecera. Mas ele dissera a ela que fosse, e se divertisse. E era isso que ela estava fazendo.
​Não havia muitas pessoas ali naquela noite. Mas a jovem conhecia a maioria, e ela estava ansiosa para  o que a noite reservava. Estava sentada próxima a Frederica, que mal conversava. A moça era mais velha que ela, e as más línguas diziam que ela nunca se casaria porque não tinha beleza nenhuma.
​Tessa notou de imediato quando ele entrou, vestido de preto, muito elegante, e bonito também. O homem a olhou com algo que se assemelhava a desejo, e a fez arrepiar-se. Por que ele estava a olhando daquele jeito. Haviam encontrado-se apenas uma vez, rapidamente.
​— Boa noite. — ele disse com sorriso torto.
​Todos responderam,  menos Tessa, que estava ainda fitando-o desconfiada.

​— Bem, já que todos chegaram, vamos começar os jogos. — começou lady Julie,  animada.
​Não era mais o mesmo estado de espírito de Tessa, que estava começando a preocupar-se com o olhar do lorde para ela.
​— Phill e Betsey... — a lady estava anunciando os casais.
​E então, a jovem começou a rezar mentalmente para que, por infelicidade não fosse colocada junto do conde de Wessex. Por favor, Deus...
​— Simon e Tessa. — disse a lady o que ela menos queria.
​Mesmo contrariada a jovem levantou e foi até o lado do conde, que sorriu de um jeito sedutor para ela.
​— Faremos uma boa dupla. — comentou ele.
​— Faremos,  milorde. — concordou ela, sentindo um nó na garganta.
​Ela precisava admitir a aquela altura, como o homem era bonito. Cabelos negros, olhos escuros que pareciam ferver de puro desejo, e os lábios mais sedutores que ela já vira.
​Era desconfortável ficar ao lado de um homem como ele.
​É o pai de Charlie, pensava ela.
​— Senhorita, vamos até nossas posições? — indicou ele.
​Ela caminhou até o local, do lado dos outros pares que esperavam sua vez de jogar, e que iriam decifrar a mímica dos outros.
​Um par foi para frente, e começou a fazer gestos, com círculos e apontar para o céu.
​— Sol. — exclamou Simon.
​— Certo. — disse lady Julie. — Próximo par.
​O par seguinte apontava para as costas, e dava passos devagar. Tessa adiantou-se a falar.
​— Tartaruga. — falou, nervosa para que estivesse certo.
​— Veja só, como é boa nisso, senhorita.
​Ela sorriu para ele. Ora, estava divertido-se. Uma pena que Neil não estava ali.
​E assim se seguiu, Tessa e Simon acertando as respostas, e conseguindo pontos que segundo lady Julie, valeriam um prêmio. Os dois estavam empenhados em ganhar, e a jovem tinha deixando de sentir-se envergonhada ao lado dele. Quando foi a vez dos dois, e a anfitriã sussurrou no ouvido de cada um qual era a palavra. Em seguida Tessa começou a fazer gestos com as mãos, como um bater de asas.
​— Canário. — sugeriu um homem.
​Errou. Eles continuaram com os gestos, agora Simon mostrando um bico comprido.
​— Ninguém acertou. — interferiu lady Julie rindo. — Era beija-flor.
​— Quem ganhou? — perguntou uma jovem.
​— Simon e Tessa venceram hoje. — a lady anunciou. Tirou um cartão do bolso e entregou a moça. — O prêmio de vocês é um chá no Doce Sonho.
​—Teremos que marcar o dia para o chá, senhorita. — Simon disse baixinho, empolgado.
​A jovem olhou para o cartãozinho em sua mão e quase prendeu a respiração, tamanha angústia. Como diria não a ele?
​— Veja bem, eu não posso...
​— É certo que pode, senhorita. Por favor, faça companhia a mim nesse chá tão especial. — pediu ele.
​Ela mordeu o lábio, pensativa. Que mal teria? Acreditava que Neil não se importaria.
​— Eu adoraria, milorde. — Abriu um sorriso gentil. — Podemos nos encontrar no dia doze?
​Simon mal podia acreditar e sua própria sorte. Ela realmente tinha aceitado tomar chá com ele.
​— Nos encontraremos lá, senhorita. — garantiu o lorde.
​E depois disso, Tessa se afastou, porque achava que de todo o modo não era muito prudente ficar tão perto do homem. Ele era noiva, afinal.
​Os jogos terminaram, e a jovem saiu primeiro, indo para sua carruagem. Logo estava a caminho de casa. A moça saía sozinha, com a permissão dos pais, que confiavam o suficiente nela para deixá-la sair sem uma dama de companhia. Houve apenas uma exceção. A noite em que fora assaltada, e que um lorde gentil tinha a ajudado, quando saíra com Cecilia sua amiga, e que perdera a presilha de pedras vermelhas que ganhara do seu  pai.  Aliás, quem poderia ser aquele homem? Não pudera vê-lo no escuro e não sabia quem era.
​Mais tarde, já deitada em sua cama, a jovem ainda continuava achando o conde um homem odioso, que não preocupava-se com o filho minimamente.  Ele o obviamente poderia ser gentil, e talvez ela tenha sido afetada um pouco por seus bons modos. Mas havia um problema. Ela aceitara tomar chá com ele. Como pudera fazer algo tão tolo? E agora não podia mais desmarcar.
​Sorriu com um pensamento que lhe atingiu. E se usasse esse encontro para falar de Charlie? Seria o momento de explicar que havia encontrado-se com o pequeno. Esperava conseguir fazê-lo aprender a ler até lá. Faltava duas semanas, ela podia conseguir.
​Ela resolveu dormir, e até adormecer o sorriso de Simon ficou em sua mente, rondando-a.
**
​No dia seguinte, Tessa foi trabalhar novamente na livraria do pai, e estava organizando alguns livros, quando ouviu alguém chamá-la.
​— Senhorita Tessa. — ela logo notou quem era.
​Ergueu o rosto para vê-lo e diante dela estava o conde de Wessex.
​— Milorde. — ela sorriu sem jeito.
​— É um prazer vê-la novamente.
​— O que faz aqui? — a jovem disse  nervosa.
​O pai, que estava no balcão, entrou no meio dos dois.
​— O conde  é um de nossos melhores clientes, filha.
​Ela endireitou os ombros e tentou sorrir.
​— Como posso ajudá-lo,  milorde? — perguntou sem jeito.
​Simon olhou para a pilha de livros na frente dela.
​— Quero histórias para crianças.
​Tessa estranhou o que ele disse.
​— Seu filho sabe ler, milorde?
​— Eu leio para ele, senhorita. — explicou ele.
​Ela assentiu, enquanto procurava entre os livros. Encontrou um de animais e entregou a ele.
​— Eu acho que ele vai gostar deste. — sugeriu a jovem.
​Um sorriso discreto, mas muito bonito surgiu no rosto de Simon.
​— Vou levar. — disse devolvendo o livro a ela.
​No momento em que os dois foram até o pai de Tessa para pagar o livro, alguém entrou na loja, e ao virar-se para ver quem era, a jovem encontrou o noivo parado, olhando para os dois.
​— Neil. — ela falou sem jeito.
​— Passei para vê-la um momento. — ele aproximou-se, depois de olhar para Simon com o que parecia ser raiva. Os dois se conheciam?
​O conde assistia tudo com o estomago embrulhado, porque Neil tentava fingir ser um bom   homem enquanto era um verdadeiro canalha. Queria poder socar o nariz do doutor, e fazê-lo pagar por todo  o sofrimento que causara nele. Mas a vingança logo aconteceria, e seria doce. Faria tudo valer a pena.
​Sem querer insistir mais em conversar com Tessa, porque sabia que a jovem estaria fascinada pelo noivo, Simon saiu da loja, com a mão no bolso e na outra o livro que comprara. Planejava ler com o filho mais tarde, e assim quem sabe conseguisse fazê-lo se aproximar dele.
​Já Tessa depois que o noivo foi embora ela pediu ao pai para que fosse para casa, pois estava com dor de cabeça. Ele permitiu, e a jovem despediu-se com sorriso. Foi para casa com pressa, ansiosa para banhar-se e descansar. Não falara muito com Neil, ele estava mais interessado em falar com seu pai, que adorava o homem, e com que tinha muito o que falar.
​A jovem estava um pouco chateada, porque apesar de seus sentimentos em relação ao noivo, o mesmo era frio e a tratava sem qualquer interesse. Nem parecia o homem apaixonado que ele aparentara ser quando o conheceu. Os dois se viram pela primeira vez em um baile, e o primeiro a demonstrar interesse foi ele. Até que em outro evento, ele veio falar com ela, e a jovem muito tímida havia conversado muito pouco. Uma semana depois Neil foi até seu  pai dizendo que estava interessado em casar-se com a bela moça. E então estavam noivos, já há dois meses. Mas o doutor não marcava a data do casamento, o que estava deixando a jovem impaciente.
​Mas ele seria um bom esposo, podia jurar, e seriam felizes juntos. Mas... Havia algo de errado com ela. Sempre que o noivo se aproximava dela, seu coração disparava, e fazia-a sentir-se estranha. Dessa vez não acontecera, ela não sentira absolutamente nada.
​O que estava acontecendo? Será que estava deixando de gostar de Neil? Não podia ser, ela o amava.
​Tessa estava caminhando pela rua, quando começou a sentir pingos de chuva caindo sobre ela, e logo a chuva aumentou, fazendo-a erguer os braços e bloquear a água com a mão. Estava prestes a correr, quando algo passou sobre sua cabeça. Era um casaco, e era o conde que estava ali do seu lado, protegendo-a.
​— O que está fazendo? — perguntou ela.

Ele a segurou pelo braço e a fez segui-lo até uma rua vazia, onde  parou e a puxou para baixo da fachada de uma loja fechada.
— Pode ficar doente, senhorita. — alertou ele.
Estavam próximos, os dois molhados pela chuva, e era como se o tempo tivesse parado. Devagar, Simon ergueu a mão e afastou uma mecha de cabelo do rosto dela, que o olhava estática. Em seguida, passou o polegar pela bochecha rosada, e fez arfar.
— És muito bonita. — ele sussurrou.
Ela não respondeu, ainda o olhando de um modo estranho.
E então, Simon tomou uma atitude a qual ele sabia que seria responsabilizado mais tarde, mas ele não importava-se realmente. O que sentia era mais forte, e consumia-o completamente.
Portanto, sem pensar muito o conde aproximou os lábios dos dela, que ficou sem reação com o beijo, mas naquele momento podia sentir o coração batendo mais forte, o que a assustou. O beijo era quente e afetou Tessa, que no mesmo instante empurrou-o.
— Como pode ter coragem de fazer isso? — ela exclamou, alterada.
— Me perdoe, senhorita. Eu... — tentou falar, mas ela já tinha dado as costas a ele.
E assim ela se foi, andando rapidamente pelas ruas, e quando chegou em casa e entrou, foi que notou o casaco de Simon em seus ombros. Praguejou, indo depressa para seu quarto. Lá, ela jogou o casaco sobre a cama e sentou-se, passando a mão pelo rosto, respirando fundo.
Por quê? Isso é o que ela desejava saber. Por que ele foi beijá-la? Colocou a mão sobre o coração, e sentiu-o acelerado. Fora seu primeiro beijo, e ela se sentia muito mal porque sonhara que fosse com Neil. Nunca imaginaria que seria com outro  homem, principalmente com Simon.
E o que aconteceria se o noivo descobrisse? O conde havia a beijado em plena luz do dia, e qualquer pessoa poderia ter visto. O que ela faria agora?
— Oh meu Deus! — murmurou ela jogando-se na cama.
Simon tinha entrado em sua vida há pouco tempo, mas já estava causando grande confusão.
Agora havia mais um problema, tinha ficado com o casaco do conde, e precisava devolver, o que significava que precisaria vê-lo novamente. Ou não, pensou, lembrando-se que amanhã era quarta-feira e dia combinado para visitar Charlie. Era assim que devolveria o objeto, e sem ele notar. Dessa forma não era necessário vê-lo mais.
E por qualquer outro motivo ela desejaria vê-lo? O homem era um libertino desalmado, e ela não era inocente, sabia que tudo o que ele queria era desonrá-la. Mas ela não permitiria, não aceitaria que ele a tocasse  novamente. E se isso voltasse acontecer, tomaria medidas contra ele.
A beleza, o charme e o beijo quente não seriam suficientes para abalá-la.

O calor dos teus beijosOnde histórias criam vida. Descubra agora