Sacrifícios

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RAFA POV

Novamente o mesmo cenário, a capela, onde prometi ser fiel aos meus sentimentos por Marcus se ele acordasse. Apenas por ele. Esqueceria Gizelly e colocaria um ponto final nessa história. Eu estava sentada orando, aproveitando o silêncio, até que uma mão tocou meu ombro. Eu conhecia o toque das mãos de Gizelly e o arrepio que elas causavam, novamente meu corpo me traiu.

- Ele acordou e quer te ver. – eu não conseguia desvendar a expressão de Gizelly. Meu sorriso a fez sorrir também. E fomos juntas até o quarto. Daqui pra frente seria assim, eu e Marcus e  minha atração por Gizelly morria aqui. Eu prometi e assim seria.

- Então você escolheu ser infeliz, para ser feliz com ele, foi assim que eu entendi. – Manu questionou minha promessa, ela era a única que sabia.

- E quem te garante que eu serei infeliz com o Marcus? Ele é um cara maravilhoso.

Manu revirou os olhos. Ela bebeu um gole do seu café antes de olhar para mim como se estivesse falando com uma criança de cinco anos.

- Você ia terminar com ele e se declarar pra ela. Quanto tempo você acha que vai conseguir se segurar?

- Ele fez um sacrifício por mim. E eu farei por ele. Se ele não estivesse me esperando aquele dia, não levaria um tiro.

- Olha Rafa, eu te amo. Eu te amo muito, mas você está sendo uma acéfala nesse momento. – ela perdeu a paciência, porém respirou fundo e expirou. E continuou. – minha terapeuta me disse que tudo que a gente ignora dentro da gente vira ferida e volta para nos assombrar. Você quer que seu sentimento por ela volte pra te assombrar?

- Não vai voltar, ela tem a Bianca.

Manu revirou os olhos.

- Caramba, eu desisto de você. Que você seja feliz, mas se você um dia se casar com esse cara, não me convide como madrinha.

- Não vai ter casamento. – Ri sem humor. – Marcus tem alergia à simples palavra casamento e eu estou traumatizada.

Nada restava a ela, a não ser respeitar minha decisão. Antes do assalto eu estava pronta para mergulhar no desconhecido, para dar uma chance a uma atração que fazia meu coração disparar.  Eu conversaria com ela, sobre nós. Mas agora não existia mais nós, existia eu e Marcus, ela e Bianca. E só.

- Eu vou pro estúdio, você vai voltar para a cozinha, certo?

- Certo. Nos vemos então. – Ela deixou um beijo na minha testa e saiu. Naquele dia eu tinha que trabalhar, Gizelly dormiria lá com Marcus. Eu passaria no hospital amanhã cedo.

Independente da minha promessa, não me afastaria de Gizelly. Seria difícil, mas ela não merecia toda essa confusão que eu era, ela merecia ser feliz.

GIZELLY POV

O jogo dos opostos, vida e morte. É sempre assim. Enquanto uns gozavam da vida, outros lutam pra viver, outros desejam morrer. É um jogo, o sorteado tem sua vida de volta.
Mesmo que impaciente para que tudo volte ao normal. E assim se encontrava Marcus, sua recuperação no hospital era lenta, pois acabara de fazer uma cirurgia, mas para quem estava acamado, ele fazia até demais.

Não é novidade nenhuma dizer que ele ficou amigo de todas as enfermeiras com seu jeito encantador. Deixando Rafaella com ciúmes. O irmão de Marcus veio de Portugal para ficar com ele e acabou se hospedando lá em casa, Mateus era organizado, simpático, porém me dividir entre o trabalho e a função de anfitriã me preocupava. Pelo menos ele tinha pessoas de confiança ao redor, eu me sentia mais aliviada.

Ele me relatou que viveu uma experiência de quase morte, o que os médicos não compreendam como algo biológico, pois ia além. Com isso, acordou para vários aspectos da sua vida e queria conserta-la. O primeiro passo era não pedir mais meu auxílio em determinadas atividades, o que no fundo tornava-se um alívio. Eu me sentia responsável por Marcus de alguma forma.

- Vou pedir a Rafa em casamento. – ele disse orgulhosamente. Seus olhos brilhavam.

- Você bateu a cabeça? Eles te examinaram? – questionei confusa. Eles namoravam a pouco tempo e brigaram antes do acidente. Além disso, Marcus não mudaria do dia para a noite. Ele precisava amadurecer para ter um casamento.

- Eu estou bem , Gizelly. Nunca estive tão bem. E eu quero ser um cara diferente do que meu pai foi, eu quero cuidar da Rafa.  -  o pai de Marcus nunca foi uma boa pessoa. Nunca deu uma noção de família a ele, talvez por isso ele fugia tanto de relacionamentos, mas aqui estava ele pronto para pedir mulher que amava em casamento. Eu deveria apoia-lo até mesmo nas loucuras, certo?

- A Rafa não é uma mulher que cede aos cuidados de um homem. – argumentei.

- Eu sei. Mas eu preciso fazer isso, mesmo que a resposta seja não e preciso do seu apoio.

- O que você quer que eu faça dessa vez? – Questionei esperando que ele jogasse pra mim toda a responsabilidade.

- Nada , só quero sua presença.

Essa era nova. Geralmente eu ficava com toda a responsabilidade de organizar tudo. Mas dessa vez ele só queria que eu estivesse ao seu lado nisso. Aparentemente ele tinha mudado.

- Uau, essa é nova. – disse rindo.

- Eu te falei que mudei.  Esses dias entre a vida e a morte me mudaram, aquele tiro me mudou. E eu fui um péssimo amigo pra você. Quero te pedir desculpas. Vou estar aqui pra você sempre. Vou ser mais responsável com a empresa..

- Não pense nisso agora. Se recupera e depois você pensa nisso.

Ouvimos batidas na porta e nos viramos, era Mateus pedindo licença para entrar. Mateus era muito educado. Ele era a versão gay de Marcus, roupas bem passadas, andava sempre cheiroso e chamava a atenção por onde passava. Porém, diferente do irmão, ele era bem dedicado aos estudos.

- Licença.  Desculpa interromper vocês. Se você quiser ir pra casa descansar, Gi, fique a vontade.

- Não, estou bem, Mateus, mas obrigada.

- É sério, Gigica, você não precisa passar a noite aqui. Você precisa tocar a empresa. O Mateus é um chato, mas cuida bem de mim.

Mateus simulou um soco no braço de Marcus. Eu ri da interação dos dois.

- Ok, você venceu. Estou cansada mesmo.

Fui para casa dirigindo. Mandei uma mensagem para Bianca dizendo que estaria em casa, caso ela quisesse passar lá. Combinamos de almoçar juntas amanhã, e combinei de tomar café da manhã com Manu. A baixinha chegou na minha casa às sete da manhã com uma sacola cheia de pães diversos, uma garrafa de suco e os meus adorados sonhos de goiabada da padaria próxima a sua residência.

- Como está lidando com tudo? – Ela me questionou enquanto preparava um ovo mexido para nós duas. A única coisa que ela sabia fazer na cozinha.

- Estou bem. Eu acho. – eu queria contar sobre o que Marcus me confidenciou, mas era um segredo. Aquilo me angustiava.

- O que te aflige, Titchela?

- Marcus está mudado. Ele se tornou o homem que eu queria que ele fosse.

- No que isso é ruim?

- Em nada. É só que ele quer viver a vida como se não houvesse amanhã.

- E pra ele realmente quase não houve amanhã. – Manu argumentou.  – A Rafa se culpa muito.

- A culpa é da desigualdade social claramente visível em nosso país. Não dela.

- Vai dizer isso pra ela ...

- Você sabe o que ela ia me contar? – Manu parou de mexer os ovos, pude sentir a panela esquentando demais e foi subindo o cheiro de ovos queimados no ambiente. – Por favor Manu.

- Você é minha amiga e Rafa é minha amiga. Eu não posso dizer, eu prometi a ela.

A baixinha quase perdeu o ar, sua mão que mexia o ovo simplesmente congelou e o cheiro de queimado começou a penetrar na sala.

- O que eu não posso saber?

- É coisa dela, Titchela.

- Coisa dela? Do que a Rafa tem tanto medo? – Cruzei os braços e cheguei mais próxima a Manu.

- Amiga, eu realmente não posso contar. É algo dela.

- Sabe? Eu estou cansada disso tudo. Vamos resolver isso agora. – Peguei a chave do carro na mesinha, a bolsa e desci de pijama mesmo. Só quando cheguei no carro percebi que estava daquele jeito. Manu correu para me alcançar e sentou-se ao meu lado.

- Você vai se acalmar? – Manu perguntou segurando a minha mão que estava na ignição.

- Não.  Chega! Vamos resolver isso de uma vez por todas.

- Então, porque não subimos e chamamos ela para cá pro apartamento?  - respirei fundo e assenti.

Manu chamou Rafa que prontamente apareceu no apartamento como se fosse para apagar um incêndio. Mesmo com incêndio que se instalava dentro de mim, não pude deixar de perceber sua beleza mesmo descabelada e confusa, mesmo usando apenas tshirt e calça jeans.

- O que aconteceu, Gi?

Nós duas encaramos Manu que deu uma desculpa esfarrapada de fazer uma ligação no meu quarto.

- O que eu não posso saber, Rafa?

O olhar sobressaltado de Rafa dizia tudo, aquelas eram verdades que talvez ela não conseguiria me dizer porque envolvia outras pessoas. Outras duas pessoas. E uma delas estava numa cama de hospital.

- Eu só estou cansada dessa jogo de vocês.

- Sobre seu presente de aniversário. – ela disse sentando-se no sofá. Reparei que ele evitava meus olhos a qualquer custo.

- Não, não é. E você sabe que não é. Na noite que Marcus foi assaltado e levou o tiro você tinha algo para me contar e depois não tinha mais. Eu estou cansada, Rafa. Eu preciso saber.

A tensão era palpável na sala.

- Eu não posso.

- Não pode o quê? Olha, sinceramente eu não quero mais falar com você depois de hoje. Nem te ver. Você só será a namorada do meu melhor amigo e nada mais. Eu desabafei com você sobre várias partes da minha vida e você não pode contar algo pra mim que é sobre mim também. Ridículo. – eu não queria olhar pra ela. Virei de costas. Senti seus olhos em mim.

- Naquela noite, eu decidi que não queria mais ficar com o Marcus. – ao ouvir suas palavras virei-me aos poucos. – Mas agora tudo mudou. – ela se levantou e foi andando lentamente até mim.

- Você não o ama? – perguntei cruzando os braços. Seus olhos não saiam de mim.

- Eu o amo sim. Mas é que eu desenvolvi um desejo por outra pessoa. E chegou a um nível que meu corpo não correspondia aos meus pensamentos.

- E eu sei quem é essa pessoa? – perguntei baixinho.

- Não adianta você saber. Porque não posso fazer nada sobre isso. Quando eu vi o Marcus naquela cama de hospital eu percebi que quero ficar com ele. Mesmo ele sendo um chato.

- E você vai simplesmente cortar esse desejo? Desligar como se fosse um dispositivo?

Ela levou a mão até o peito e fez um “ clique “ com a boca.

- Pronto.

- Simples assim?

- Eu sou uma cozinheira, Gizelly. Eu me desligo de quem eu sou o tempo todo, mesmo assim deixo minha marca nos meus pratos.

- Então acabou? – perguntei me referindo ao desejo.

- Nem chegou a começar. Marcus precisa de mim. Aliás, precisa de nós. E vamos cumprir muito bem nossos papéis.

- Sim, vamos.

E seria assim, cada um pro seu lado. E nada mais. Eu não insistiria num assunto que a magoava tanto. E que me magoava também. Acabou sem nem ter começado. Era o ponto final sem nem ter palavras escritas. Mais do que nunca naquele momento eu percebi que amava Rafaella.




E agora? Será que a Gi vai lutar pela Rafa? Será que a Gi vai continuar com a Bia? O casamento vai acontecer? Manu vai conseguir segurar o segredo sobre a promessa ?
Respostas respondidas nos próximos capítulos.

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