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NUNCA PAREI PARA pensar, em momento nenhum, em como eu morreria.

Havia diversas possibilidades, mas eu não conseguia cogitar nenhuma delas acontecendo comigo.

Não era como se eu pensasse frequentemente sobre a minha morte, mas tinha esse pensamento, essa sensação que eu não conseguia me livrar. Eu não podia adivinhar qual seria a causa da minha morte, como exatamente eu morreria e nem nada do tipo. Mas eu tinha escolha na parte de como eu não poderia morrer de jeito nenhum.

Coração partido.

Eu não sabia se era universalmente possível alguém literalmente morrer de coração partido, mas conhecia caminhos que levava para aquela conclusão.

E eu... bom, era infeliz admitir que eu estava indo por aquele caminho. Não dava para adivinhar que meu casamento sempre esteve fadado ao fracasso e que eu iria me sujeitar a diversas coisas que antes eu jamais aceitaria.

- Candice? - a voz da minha agente me despertou dos meus devaneios frequentes.

Forcei um sorriso quando girei a cadeira e fiquei de frente para a porta pela qual ela entrou. Ela tinha aquele jeito alegre demais, o sorriso grande demais e, às vezes, noção sempre de menos. Eu também tive que me acostumar com a sua presença, então eu não reclamava tanto quanto antes e nem ela me incomodava mais.

- Cadê o William? - perguntou.

Mordi a parte interna da minha bochecha, bem tentada a responder no inferno, mas era melhor que ela não tivesse conhecimento da crise existente no meu casamento. Aquilo era assunto entre marido e mulher, e como Marie costumava ser um pouco intrometida, eu gostava de calar a minha boca perto dela.

- Deve estar chegando - respondi, me levantando da cadeira giratória.

O camarim estava uma bagunça, mas isso não era exatamente um problema para mim.

Minha vida também seguia a mesma linha de bagunça, então era normal que eu chamasse aquilo de "zona de conforto", embora eu soubesse que isso não se aplicava ao conceito que eu estava comparando.

Aquela zona de conforto era um inferno.

E na verdade, eu não tinha ideia de onde o Will estava. No fundo, aquela sensação me beliscando, eu sabia que provavelmente ele estava enfiado em algum rabo de saia. Eu tentava ignorar, porque tinha prometido dar mais uma chance a ele e essa chance implicava em uma confiança cega, da qual eu não conseguia abrir mão.

Como eu podia restaurar a confiança no meu marido quando ele fazia de tudo para não merecê-la? Por outro lado, parte de mim não queria ter que desistir tão rápido do casamento que eu lutei para manter. E, para ser sincera, meu casamento era a porra do meu sustento. Will e Candy era quase uma marca popular.

O que, vamos combinar, era completamente uma ironia.

As pessoas se baseavam no meu relacionamento "perfeito", tinham a ideia de Will como o marido ideal e era exatamente isso que eu vendia. As mentiras saíam pela minha boca fácil como beber água sem engasgar. Se elas tivessem ao menos uma ideia do inferno que eu estava passando...

- Candice? - a voz de Marie me despertou de novo.

Mal percebi que aquele dia em específico, eu estava distraída demais e não vi quando Will entrou pela porta, com o seu terno impecável e o sorriso cafajeste nos lábios, tão pronto quanto eu estava para encenar aquela farsa.

Ele veio até mim, e eu ergui o meu rosto na sua direção, com o sorriso fraco nos lábios quando ele me roubou um selinho e encenou um beijo carinhoso na minha testa que arrancou um suspiro apaixonado de Marie, o que foi uma atitude que me exigiu muito esforço para não revirar os olhos ali mesmo.

- Você está linda, querida - Will murmurou, ignorando a minha agente.
Balancei a cabeça, virando o meu corpo de frente para o espelho da mesinha que eu estava sentada antes.

O vestido longo tinha um caimento perfeito no meu corpo e a cor azul marinho combinava com a melancolia dos meus olhos. Suspirei, sentindo o toque do meu marido no meu braço.

- Obrigada - murmurei.

- Dois minutos. - Marie anunciou.

Fiquei aliviada com aquela interrupção. Eu não estava afim de entrar no joguinho de devolver elogios e forçar sorrisos e expressões apaixonadas que indicassem que estava tudo bem. Eu precisava passar por aquela porta com a melhor pose de esposa que amava o marido, apesar dos seus erros. Era cansativo, mas pagava as minhas contas.

Quando Marie saiu, nos deixando sozinhos, eu me afastei de Will, que notou. Seu sorriso se desfez para uma expressão frustrada. Passei a mão pelo vestido, lambendo os lábios em um ritual ridículo para que eu não ficasse tão nervosa. Era só uma entrevista. Só mais uma.

- Eu vou querer saber onde você estava? - com quem, eu quis acrescentar, mas não achei que fosse necessário.

Ele saberia ler a pergunta nas entrelinhas, as palavras ocultas ecoando entre nós.

- Candy... - não me comovi com o tom arrependido da sua voz.

- Will, por favor - cortei-o, puxando a respiração. Eu não gostava de brigar, mas ultimamente nossas conversas eram assim.

- Eu estava com o Tyler - ele respondeu.

Me surpreendi com a sinceridade com a qual ele frisou a sua resposta e por um momento, me senti culpada pela acusação que eu tinha acabado de fazer.

Só porque ele tinha errado uma vez, não significava que iria fazer de novo, não é? Ele tinha me prometido isso e eu perdoei a sua traição. Mas era tão difícil reconstruir a confiança, que eu me sentia perdida na maior parte do tempo.

- Desculpe. - sussurrei, deixando meus ombros caírem em derrota, demonstrando o meu cansaço com tudo aquilo.

Will balançou a cabeça. Seus pés se moveram até mim e daquela vez eu deixei que ele me cruzasse em seu abraço e não tivesse encenado o beijo que deu no topo no meu ombro. Não senti conforto com seu toque, mas tinha aprendido que eu precisaria me acostumar.

Precisava de um tempo para suavizar as coisas entre nós e eu conseguisse voltar ao nosso antigo normal. Eu iria conseguir.

Eu conseguia tudo.

Mas a aquela altura das coisas, eu não tinha mais tanta certeza disso.

BREAK FREE [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora