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Jungkook

Todo domingo, eu e minha família jantávamos juntos. Durante a semana, meus pais trabalhavam em turnos diferentes, então não era muito comum fazermos refeições no mesmo horário. Exceto aos domingos, quando ficávamos juntos à mesa de jantar; meus pais achavam importante, ao menos uma vez por semana, que nos atualizássemos sobre as vidas uns dos outros durante uma refeição caseira. Minha mãe passou a travessa com croissants pela mesa. - Ah, tenho uma novidade! Jungkook, o Sr. Chong ligou para falar sobre a exposição em que você se inscreveu uns meses atrás. Ele disse que a sua obra vai ser a peça de destaque no museu de artes. Parece muito importante. A voz dela estava cheia de orgulho e aprovação. Minha mãe não se incomodava por eu gostar mais do mundo criativo do que do mundo médico em que ela trabalhava. Era uma daquelas mães que acreditava que os filhos deveriam ser o que quisessem. A travessa com croissants parou nas minhas mãos e eu a passei para Luhan, sem responder ao entusiasmo da minha mãe. - Achei que ficaria contente - disse ela, franzindo levemente a testa. - Achei que era o que você queria. Não esbocei nenhuma reação. - Jungkook, sua mãe está falando com você - disse meu pai com a voz forte, mas seus olhos encaravam a televisão na sala de estar, que exibia um programa de esportes. Meu pai tinha mania de apoiar minha mãe mesmo sem estar prestando a menor atenção. Ele sempre se intrometia nas conversas no momento exato, como se fosse um sexto sentido em relação à esposa. - Estou grávido - afirmei com ar desinteressado, colocando uma colher cheia de ervilhas na boca. As palavras rolaram pela língua como se fossem algo que eu dissesse normalmente. Como se eu estivesse tentando engravidar com o amor da minha vida havia meses. Como se fosse o próximo passo lógico na minha vida. Luhan ficou segurando o croissant no ar, com seu olhar alternando-se entre minha mãe e meu pai. Jisso, minha irmã mais nova, estava de olhos arregalados. Rose , a caçula, jogou algumas ervilhas no meu pai, mas isso era normal porque ela só tinha um ano e sempre jogava ervilhas nele. Acho que a reação de todos foi a maneira exata de reagir ao que eu tinha dito vinte segundos antes. Desejei ser invisível. Fechei os olhos. - Estou brincando - eu disse, rindo, muito atenta ao silêncio esquisito que tomou conta da sala. Enfiei o garfo no bolo de carne especial da minha mãe. Os rostos de todos relaxaram quando o susto passou. - Está brincando? - disse minha mãe com dificuldade. - Ele está brincando - suspirou luhan. - Brincando? - cantarolou meu pai. Jisso fez que sim, entendendo. - Brincando mesmo. Rose riu, mas ela sempre estava rindo, aos prantos ou jogando ervilhas. - Pois é - murmurei, impedindo o tremor em minha voz antes que o identificassem. - Não é brincadeira. Meu pai inclinou a cabeça para trás, surpreendentemente calmo. - luhan, jisso, levem Rose lá para cima. - Mas... - disse luhan, querendo argumentar. Ele queria assistir de camarote a meus pais me atacando verbalmente por causa das minhas más decisões. Normalmente, era ele que se encrencava por beber e ir para festas com os outros garotos do futebol, então deve ter sido bom não ser o alvo daqueles olhares severos pelo menos uma vez. Eu era o filho que sempre se comportava bem e que voltava para casa com o boletim cheio de notas altas em todos os semestres. Meus atos de rebeldia eram pequenos: a cabeça raspada e muito lápis de olho tinham sido a única demonstração do meu lado louco e descontrolado - até aquele momento. Meu pai focou seu olhar de falsa tranquilidade em luhan, que se calou na mesma hora. Ele pegou Rose na cadeira e saiu da sala. A conversa da mesa de jantar foi degringolando. Eu sabia que devia ter contado para minha mãe primeiro. Ela era pediatra e lidava com crianças e seus problemas, então talvez tivesse entendido. Mas, em vez disso, tentei abordar o assunto de forma casual e decidi dar a grande notícia na frente do meu pai. Ele não era pediatra. Ele não "entendia" de crianças. Ele era encanador. Ele passava mais de 40 horas por semana lidando com os detritos das pessoas. Banheiros entupidos, pias, ralos de banheiras nojentos... o que você imaginar, ele consertava. Então, na hora do jantar, ele já estava mais do que irritado com as merdas dos outros. Incluindo a minha. - Grávido, Jungkook? - disse meu pai baixinho, com seu rosto ficando mais vermelho a cada segundo. A parte calva no topo da sua cabeça estava reluzente e fumegante de raiva. Meu pai era um homem robusto, de pouquíssimas palavras. Kai tivera motivo para levantar a voz com a gente. Éramos, em geral, filhos tranquilos. Mesmo com a bebedeira e as festas de Luhan, meu pai o repreendia calmamente. Até minutos antes, meu pai não havia enfrentado nenhum grande problema para criar os filhos. Eu não respondi. O que piorou tudo. - Grávido?! - berrou ele, batendo os punhos cerrados na mesa e derrubando o saleiro. Enfiei as unhas nas palmas das mãos e mordi acidentalmente a parte de dentro do lábio. Os olhos azuis do meu pai estavam sérios e decepcionados, e sua boca parecia querer tanto se encurvar para baixo que também fiquei triste. - Kai - chamou minha mãe, fazendo uma careta incomodada por ele ter erguido a voz comigo. - Quer que os vizinhos escutem? - Duvido que isso importe, porque logo eles vão conseguir ver! Ele estava berrando, o que me deixou apavorado. - Gritar não vai ajudar - explicou minha mãe. - Nem falar calmamente - respondeu meu pai. - Não estou gostando do seu tom de voz, Kai . - E eu não estou gostando de saber que a nosso filho de 16 anos está grávido! Fiquei com o corpo inteiro tenso. Se havia algo pior do que eu mesmo dizer a palavra grávido, era escutá-la sair voando da boca do meu pai. Senti um aperto absurdo no estômago e o jantar subindo de volta até a garganta. Nunca tinha cometido um erro que deixasse meus pais tão arrasados. Como é que eu tinha feito uma besteira tão grande? Eles estavam brigando. Eles nunca brigavam. A última vez que tinha escutado meus pais fazerem algo parecido com brigar foi quando estavam tentando escolher um apelido para Rose, e isso terminou com meu pai beijando a testa da minha mãe e massageando os pés dela durante um episódio de "NCIS". Minhas mãos pousaram sobre o colo, e eu queria tentar explicar o que tinha acontecido. Queria que entendessem que eu sabia que engravidar durante a adolescência era péssimo. Repito: engravidar aos 16 anos é péssimo. Eu tinha visto o programa "16 & Pregnant" na MTV inúmeras vezes e sei que não devia ter deixado aquele cara chegar perto do meu ânus , mas aconteceu algo de estranho com meu cérebro quando ele disse que eu era lindo. Bem, não lindo, mas gatinho, o que já era muito mais do que eu tinha ouvido de alguém sem ser meus pais. Estranho e aberração, sim. Gatinho? Nem sempre. Minha mãe passou a mão pelo cabelo preto encaracolado. Ela estava com os bronzeados pelos dos braços arrepiados. Eu sou mais parecida com ela, mais asiático do que caucasiana como meu pai. Minha mãe tem lábios grossos e olhos cor de chocolate. E esses mesmos olhos estavam cheios de decepção e confusão. - Talvez eu deva conversar com ele sozinho primeiro - disse minha mãe. Meu pai grunhiu e se afastou da mesa. Já não exibia mais o mesmo olhar de confusão e decepção, parecia simplesmente enojado comigo. - Como quiser. Quando ele saiu da sala, a conversa com minha mãe foi bem objetiva. - Como você sabe que está grávido? - perguntou ela. - Fiz quatro testes - respondi. - Como você sabe se fez os testes da maneira certa? - Ah, mãe, qual é. - Foi Taehyung...? - O quê? Não, nunca! - Por que diabos você não usou proteção? - Eu cometi um erro - disse, pigarreando de vergonha. Depois de ver o olhar condescendente que minha mãe lançava, desisti da lógica e tentei uma abordagem mais lúdica. - Você não disse para meu pai que Rose também foi um acidente? Não sabe que essas coisas acontecem? - Jeon Jungkook, meça suas palavras. Você está muito perto do limite - ela repreendeu-me.
Quando minha mãe ficava chateada, seu rosto ficava tenso e as rugas de expressão perto da boca desapareciam. Ela também ficava mexendo na orelha direita quando estava exatremamente irritada.
Minha mãe tinha razão.
Eu estava quase no limite, estendendo a mão para que ela me puxasse para cima, mas minha mãe estava oucupada demais puxando a própria orelha até cansar.
-Amanhã vou buscar você no Colégio,e vamos ao médico para conferir tudo. Agora, vá para o seu quarto. Presiso conversa com seu pai.
Arrastei meus pés até o quarto e fiquei parada sobre as tábuas de Madeira antes de me virar para ela de novo.
- Pode pedir para ele não me odiar tanto?
Sua boca relaxou, e as rugas do seu sorriso voltaram.
- Vou garantir que o ódio fique no nível ideal.

Arte & Alma°° YoonkookOnde histórias criam vida. Descubra agora