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Jungkook, 16 anos

Eu devia estar dormindo.

Mas estava de olhos arregalados por causa da chuva implacável que golpeava o teto da casa. Eu me virei para o alarme do meu criado–mudo. As fortes luzes vermelhas me lembraram repetidas vezes por que eu não devia estar acordado.

2:22 A.M.

Eu me sentei, recostando–me na cabeceira. Joguei meu edredom cor de pêssego e amora para longe do meu corpo suado e respirei. Comecei a roer a unha já curta do polegar.

 
Eu odiava a calmaria da casa. Odiava como todos da minha família conseguiam dormir com os sons da tempestade que passava por seoul. Odiava que estivessem sonhando com algo feliz e magnífico enquanto eu estava ali sentada na cama, pensando demais em tudo.

Eu me levantei e fechei a porta do quarto, que estava coberta com artes aleatórias de minha autoria e fotos minhas e da minha família. As letras recortadas "J–U–N–G–K–O–O–K" formando um arco por cima da moldura da porta indicavam o quão descolado eu sou.

Ou o quão descolado eu não sou.

Calcei meus chinelos velhos cor de menta. Coloquei minha bolsa cruzada com franjas e saí pela janela do meu quarto, que ficava no térreo. Eu não estava raciocinando direito a ponto de me lembrar de vestir uma jaqueta e cobrir a regata e o short de dormir. O frescor do ar de agosto roçava em minha pele, mas a chuva continuava implacável. Fiquei encharcado dos pés à cabeça antes de chegar à esquina.

 
 Recuperando o controle dos neurônios, peguei um atalho pelo bosque do Sr. Mark no fim do quarteirão. Mas o que a princípio pareceu uma ótima ideia, mostrou–se o contrário quando comecei a escorregar na grama lamacenta, deixando os chinelos marrons.

 O temporal me torturava; era quase como se meu cérebro tivesse decidido atacar meu coração. Eu sabia que era burrice sair tão tarde, mas poucas pessoas são capazes de criar um escudo para proteger um coração sendo ferido.

Quando cheguei ao limite do bosque e aproximei–me da casa do Sr. Mark, soltei um suspiro de alívio. A casa era a única desse lado da estrada em quilômetros, e boa parte dela estava exatamente como a pessoa que morava lá dentro: destruída. Era uma construção térrea, com mais lixo do que tesouros, incluindo a luz da varanda que piscava, o gnomo quebrado perto da caixa de correios e o carro surrado que parecia mais velho do que o meu avô.

O Sr. Mark não me conhecia, e provavelmente era melhor assim. Ele era o tipo de pessoa que eu nunca senti vontade de conhecer. Minha mãe o chamava de eremita do bairro. Meu pai, muito menos gentil, o chamava de babaca imbecil. No fim de semana anterior, o Sr. Mark tinha batido o carro na caixa de correios da Srta. Sammie, em Ever Road. A maioria das pessoas teria denunciado para a polícia, mas a Srta. Sammie disse apenas que ele precisava de uma Bíblia e de uma conversa com Jesus. Ela até preparou um sanduíche para ele depois que levaram o carro.

Do outro lado da rua, vi a luz da varanda de Taehyung acesa. Graças a Deus. Taehyung era meu melhor – e único – amigo. Nós nos conhecíamos desde que usávamos fraldas. Nossas mães eram melhores amigas, então Taehyung e eu estávamos destinados a ser amigos também. Acho que nossos pais ficaram um pouco decepcionados quando viram que a gente não se apaixonaria loucamente nem viveríamos felizes para sempre. Taehyung gostava mais de louros do que de morenos, e eu gostava mais de garotos que me chamavam de lindo e depois fingiam que eu não existia; portanto a nossa história de amor nunca deu certo.

A chuva estava gélida. Fiz o máximo que pude para cobrir minha regata branca, àquela altura já transparente e encharcada, enquanto entrava no quintal de Taehyung e batia na janela dele, esperando não acordar seus pais. Apesar de ser próxima da família, a ideia de o Sr. Kim me encontrar ali parada de regata transparente me levaria a fazer bastante terapia.

Arte & Alma°° YoonkookOnde histórias criam vida. Descubra agora