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Yoongi

Eu conhecia crises de pânico. Presenciei minha mãe tendo várias ao longo da vida. Crises como essa engolem a pessoa por inteiro e depois a cospem de tal modo que ela ficava irreconhecível. Por isso precisei ver como Jungkook estava no banheiro. Eu precisava saber se ele estava bem, porque já tinha visto resultados muito ruins provocados por problemas emocionais.
Os olhos de Jungkook  estavam tristes, como os da minha mãe sempre foram.
Assim como os meus seriam se eu não disfarçasse tão bem.
Eu havia aperfeiçoado muito meu sorriso. Era atrás dele que eu me escondia para que ninguém percebesse o quanto minha vida era uma merda. Em Deagu, odiava as perguntas que sempre me faziam quando eu ia até o centro da cidade. Eu as odiava quase tanto quanto odiava os olhares e os cochichos.
Os olhares e os cochichos eram o pior de tudo.

*&*


— Já estava mais do que na hora de você vir me visitar — disse  Youngjae enquanto eu entrava na Soulful Things.
Ele herdara a loja de música bem no centro de Seul, logo depois que meus avós faleceram. Youngjae era alguns anos mais velho do que meu pai, mas parecia décadas mais novo. Era um cara meio hippie e estranho, casado com um homem ainda mais hippie e estranho chamado Bambam.
Não sei se Bambam era seu nome de verdade ou se ele simplesmente se drogava o suficiente para acreditar que era mesmo uma margarida.
E ele sempre usava roxo, o que combinava com sua personalidade animada e ousada. Bambam dava aulas de canto às 5h da tarde no telhado da loja, sete dias por semana, exceto no inverno, quando as aulas eram transferidas para ginásio do colégio.
Youngjae estava ali, bebendo uma coisa verde, provavelmente feita de terra e grama, enquanto colocava uma nova bateria na vitrine.
— Como foi o primeiro dia no inferno?
— O colégio foi legal — respondi. — Parecido com o inferno, mas
legal.
Ele sorriu. Seu cabelo  castanho estava preso no alto da
cabeça, formando o que ele gostava de chamar de coque másculo. Ele não parava de prender as mechas que se soltavam.
— E como meu irmãozão tem lhe tratado? Está tudo bem?
— Está sim — menti.
— Difícil, né?
Ele colocou a mão no bolso e tirou algumas notas.
— Fica com essa grana para comprar algumas coisas para comer.
Imagino que Mark só come coisa congelada. Tente comprar orgânicos quando puder.
— Valeu, mas até que ele encheu a geladeira.
— Sério? — disse, arregalando os olhos. — Uau... que surpresa.
Maneiro. Mas quero que saiba que pode vir jantar com a gente quando quiser — ofereceu ele. — Hoje, Bambam vai preparar almôndegas veganas e salada de couve.
— Ah, cara, logo almôndegas veganas e salada de couve _disse,suspirando sarcasticamente. — Minha comida preferida. Eu até jantaria com vocês, mas tenho muito dever de casa.
Ele sorriu ironicamente.
— Só pode opinar depois de provar.
— Então, meu pai é sempre tão...
Não consegui encontrar a palavra certa para descrevê-lo. Frio? Distante? Desde que eu chegara, ele mal dissera duas palavras para mim. Quando falava, normalmente era para xingar o carteiro ou o entregador de pizza por algum motivo. E encontrar motivos para ser infeliz e ranzinza era algo que ele fazia muito bem.
Portanto, eu ficava longe dele.
Youngjae franziu a testa.
— Seu pai construiu paredes de cimento ao longo dos anos. Um bloqueio entre ele e o resto do mundo. Sei que às vezes é difícil entender, sei que ele passa muito tempo dentro da própria cabeça.
Mas não se preocupe, ok? É só dar tempo ao tempo. Ele está muito feliz por você ter vindo, Yoongi. Só não consegue demonstrar.
Youngjae sentou-se no banco na frente da bateria nova e começou a tocar. Ele iluminava a loja com cores que saiam naturalmente das suas baquetas.
— Olha — gritou ele. — Se você quiser que eu fale com ele, posso fazer isso. Eu faria de tudo para facilitar a situação para você, Yoongi. É só me avisar.
Ele continuou tocando.
Youngjae me fez sentir menos sozinho.
Quando terminou de extravasar na bateria, ele sorriu para mim.
— Nossa, isso sempre me faz bem... Então é isso. Se precisar de um lugar para relaxar, pode vir pra cá quando quiser, ok? Menos tarde da noite, porque fechamos às 21h. Mas aí é só subir lá para casa. A porta fica nos fundos, ali no beco.
— Demais. Valeu de novo por tudo.
Ele se levantou.
— Você toca?
— Bateria, não.
— Tente — disse ele, jogando as baquetas para mim. — A música corre no nosso sangue. Toque um pouco, vamos ver se a mágica acontece.
Meu pai estava sentado à escrivaninha do escritório, com a porta escancarada, quando voltei da Soulful Things. Ele estava com óculos grossos de armação preta, analisando uma pilha de papéis. Parei na porta e o cumprimentei, esperando escutar pelo menos um oi.
— Oi — disse eu, sorrindo um pouco.
Ele não olhou para cima, mas disse oi.
Já é algum progresso.
Eu estava sentindo um aperto na barriga desde que chegara à
cidade, achando que se dissesse algo de errado ele me mandaria de volta. O pai de quem eu me lembrava se interessava muito mais por mim. Agora, apesar de estar a poucos metros dele, havia uma distância estranha entre nós.
Tentei puxar conversa, mas ficou claro que ele não queria bater
papo.
— Foi tudo bem no primeiro dia de colégio. Gostei das aulas. Os
professores são bons. E...
— Olha, estou tentando resolver minhas coisas aqui. Acha que
podemos bater papo depois? — interrompeu ele, ainda encarando a papelada. — Feche a porta quando sair.
— Tá bom. Vou estar no meu quarto se precisar de mim.
Ele não respondeu. Fechei a porta quando saí.

Continua......

Arte & Alma°° YoonkookOnde histórias criam vida. Descubra agora