Seis Graus de Separação

1.8K 156 91
                                    

Havia duas regras na casa da mãe de Harry: nada de portas trancadas e se depois da terceira batida a pessoa não pedir um momento a entrada era permitida. Quando Gemma, irmã mais velha dele, morava na casa a regra era a mesma até quando estava com namoradinhos - ou namoradinhas - dormindo no quarto. Anne não gostava de cômodos trancados; nem o quarto dela tinha tranca muito menos os banheiros. Fosse alguma paranoia adquirida nos anos lidando com adolescentes perturbados que se cortavam ou tentavam suicídio trancados nos cômodos da casa ou crianças que esqueciam o quarto trancado a noite, passavam mal e dificultavam o socorro, fosse apenas uma regra comum de mãe preocupada, fato é que todas as chaves das portas da casa ficavam guardadas em uma gaveta da cozinha e ninguém podia tirá-las de lá exceto em casos de ataque terrorista, zumbi, alienígena ou o tarado da machadinha.

Era tarde da noite quando a mãe deu as três batidas na porta, esperou e, por não ouvir resposta, abriu a porta. A luz estava apagada, o que mantinha o cômodo iluminado era a iluminação da rua que emanava pela janela aberta. O quarto não estava arrumado como Anne queria, mas pelo menos não havia roupas jogadas no chão - provavelmente estavam todas entulhadas de qualquer jeito no armário e pulariam em cima dela quando fosse guardar a roupa limpa - nem outros obstáculos no caminho até a cama onde seu filho caçula estava deitado com a barriga para cima, olhando as estrelas e planetas pendurados no teto - decoração infantil que Harry não fazia a menor questão de se livrar por causa da idade.

- Ei você. - disse com voz suave, sentando aos pés da cama.

Harry segurava o celular com as duas mãos. Ele até notou a chegada da mãe, mas de inicio não quis interromper seus devaneios. Suspirou e abaixou os olhos para ela, visivelmente aborrecido.

- Oi, mãe. - resmungou.

- Será que essa velha chata pode saber qual tragédia aconteceu pra você dispensar o lanche e o jantar pra passar o dia todo aqui olhando pro teto? - deu um leve sorriso, fazendo o filho sorrir junto, ainda que desanimado.

- Você não é velha chata, mãe. E se o seu namorado disse isso vou bater nele. - retrucou virando de lado, na direção dela.

- Não foge do assunto, Harry. Desembucha, vai.

Desde que o marido foi embora, quando Harry tinha cinco anos, Anne assumiu bem papel de pai, mãe e amiga de seus filhos. Gostava de participar da vida deles e queria que participassem de sua vida também; moldava as que acreditava serem precipitadas, procurava ouvir seus medos, receios, sonhos, respeitava suas opiniões, ensinava e buscava aprender com eles. Os amava incondicionalmente e a maior prova de que a recíproca era verdadeira foi quando os dois filhos logo no inicio da adolescência revelaram sua bi e homossexualidade para ela antes de todo mundo, coisa que raramente acontece nas famílias e que Anne recebeu com muita naturalidade.  

- Lembra daquela festa que eu fui semana passada?

- Claro. - disse a mão mexendo nos cachos volumosos do filho - O que tem?

E Harry prosseguiu contando tudo o que aconteceu naquela noite e o resultado que se desenrolou durante a semana. O garoto passou dias de ansiedade e aflição tamanha que não adiantaria conversar, ele não conseguiria por em palavras o que sentia, especialmente quando se sente meio otário de correr atrás de quem não se importa. Entretanto, agora que ele sabia que não foi meio otário, mas um otário completo com direito diploma de trouxa ele tinha palavras de sobra para narrar a destruição dramática de sua dignidade.

Anne permaneceu em silencio ouvindo o filho falar e só foi ficar espantada - expressando isso com um arquear de sobrancelhas - quando veio a parte do garoto de programa. Ela podia trabalhar em todas as ONGs, clinicas de reabilitação, hospitais, escolas e onde mais precisasse dos serviços de Assistente Social e mesmo assim volta e meia iria se deparar com as ideias mais esdrúxulas que adolescentes conseguiam ter e a lógica que se passa na cabeça deles seria um mistério para ela. Se seu filho não fosse a vitima da história, Anne teria rido daquela ideia absurda de Liam e Zayn. Parecia o tipo de coisa que se lê na sessão bizarra dos sites de notícias.

Incondicional (LS|ZM)Onde histórias criam vida. Descubra agora