Injusta justiça

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Anne pediu para que Harry não contasse nada a Louis sobre a conversa que tiveram na noite anterior. O mais bizarro era que a mulher sabia bem que ambos não se falavam e que nesses anos Harry nunca teve coragem de se aproximar do menino - era uma paixão tão secreta que só agora a mãe descobriu o nome de quem ocupava os pensamentos do filho - mas mulher conhecia seu cacheado como a palma da mão e sabia que em algum momento ele teria a rompante de tentar salvar a vida do mais velho. Uma atitude louvável, desde que feita do jeito certo. O filho retrucou, dizendo que não havia pensado em nada quanto ao problema de Louis e assim que tivesse algo em mente, contaria a mãe.

Mentiu, pois passou o fim de semana inteiro arquitetando uma forma mirabolante de se aproximar do mais velho. Vencer a timidez - que surgia apenas quando estava perto de Louis - reunir toda a confiança que tinha e falar com o garoto. Começaria com um pedido de desculpas pelas coisas que falou e por ter batido nele. Harry não tinha problemas em assumir os próprios erros, aliás ele desprezava pessoas que jogavam nos outros a culpa que pertencia a elas. Tipo a galera que se dava mal em física e dizia que a culpa era do professor que não ensinava direito, mas na hora de passar a aula inteira trocando papeizinhos de fofoca ninguém pensa na matéria perdida. Ele pelo menos assumia que se ferrou porque não prestou atenção mesmo ou porque a matéria era chata e o que faltava de paciência sobrava de preguiça.  

O plano já começou dando errado porque naquele dia Louis não apareceu na escola. Nem Liam, o que foi muito estranho. Liam nunca faltava às aulas, e não era porque amava estudar, mas porque a escola ficava muito perto da academia onde Zayn treinava kick boxing, permitindo que eles se vissem todos os dias, além dos finais de semana quando saíam juntos. Só precisou perguntar a uma pessoa para Harry sentir uma tonelada de culpa pesar sobre sua cabeça. A moça da enfermaria não acreditou na história de hemorragia nasal de Louis. Os garotos esqueceram hematomas nas bochechas e abaixo dos olhos nem cortes na boca e no nariz não estão inclusos no quadro de quem tem problemas com sangramento espontâneo do nariz.

Além disso, depois que Liam se despediu de Zayn, o inspetor da escola o pegou fora de sala em horário de aula hora e com um hematoma roxo na bochecha. O resultado foi uma suspensão de três dias aos meninos por terem brigado na escola. A fofoca que corria na escola foi que Louis havia gratuitamente xingado Liam e este foi tirar satisfações na base da agressão. Outra versão foi que na verdade Liam que tinha começado a confusão ao empurrar e xingar o mais velho. Ainda teve gente dizendo que um roubou dinheiro do outro e se recusou a devolver. No final, os dois receberam a mesma punição e ficariam em casa pelos próximos três dias, em semana de revisão para as provas vindouras. Liam só poderia voltar se trouxesse o comunicado de suspensão assinado pelos pais e na companhia de um deles além de cumprir detenção todo sábado durante um mês. Louis, por ser maior de idade, teria de passar por um exame disciplinar e psicológico para garantir que não haveria mais agressões aos alunos e também estaria todo sábado na detenção.

- Dizem que ele poderia ter sido preso por agressão de menor! - fofocou uma das meninas da sala - E que só não foi assim, porque ele foi o que saiu mais fodido na briga.

- Ouvi dizer que ele perdeu um dente e arrebentou o nariz - acrescentou mais uma.

- Que perdeu um dente, sua maluca! - interrompeu um garoto - Foi só o nariz que quebrou e precisou ser consertado no hospital. E na verdade a escola não processou ele porque o Louis ameaçou processar primeiro já que não tinha nenhum inspetor perto pra separar a briga.

- E se não tinha ninguém perto, como é que você sabe desses detalhes? - questionou a segunda menina.

- Eu ouvi a cozinheira contando pra faxineira hoje de manhã.

- Tá e quem contou pra cozinheira, seu animal?

- A enfermeira que atendeu eles dois! Disse que o Liam estava fora de si e que o motivo da briga foi porque o garoto do Pokemon chamou o Liam de viadinho e ameaçou contar aos pais dele sobre o namoro com aquele garoto lá quando encontrou eles se comendo nos fundos da quadra.

- Puta merda, eles estavam transando????

Pronto, a fofoca agora mudou de foco. Harry já estava tonto de ouvir tantos absurdos. É assombroso perceber como uma fofoca consegue ganhar detalhes cada vez mais esdrúxulos e o pior: todo mundo acredita! Assim que o professor de inglês entrou na sala a conversa encerrou a mando dele. Ele esclareceu que tudo o que importava saber era que dois alunos foram levados a diretoria por causa de uma briga e que o problema já fora resolvido com punições justas e severas. Harry se sentia o pior dos seres humanos. Pensou em colocar a história a limpo. Foi ele que bateu em Louis e depois em Liam, não importa se ele teve razões para isso ou não - no final das coisas Harry inclusive percebeu que razão alguma justificava o que fez - se alguém tinha de ser punido, esse alguém era ele. Quando ele pensou em levantar a mão e pedir ao professor para ir a secretaria, o celular vibrou em seu bolso. Ao desbloquear a tela, o cacheado se deparou com uma mensagem gigante de Liam:

“Oi, Harry. Se você ainda estiver com raiva de mim, desculpa por essa mensagem. Mas, é que a essa altura você já deve estar sabendo da suspensão que eu e Louis tomamos. Não desminta os rumores, ok? A gente inventou qualquer merda sobre ter brigado, o diretor acreditou. A ideia partiu do Louis e eu concordei. Era o mínimo que podíamos fazer depois de tudo. E se a gente contasse o que aconteceu de verdade seria muito complicado e as coisas podiam ficar meio tensas pra ele. Só queria de novo te pedir desculpa por ter pisado na bola, você é um cara legal, não queria perder a tua amizade por causa disso. Se eu puder fazer alguma coisa pra me redimir, é só falar! E, só mais uma coisa… desculpa o Louis também, tá? Ouvi dizer que ele é um cara meio fodido na vida, tem uma pai escrotão e tal. Sei que não justifica o que fizemos com você, mas sei lá. Enfim, é isso… Até mais então.”

- Porra. - murmurou o garoto guardando o celular de novo no bolso da calça, antes que o professor reclamasse.

Legal! Estava cada vez melhor. Agora a pessoa não tem mais o direito de ficar com raiva do mundo e de repente todos começam a ser gentis, compreensivos e salvarem sua pele. Não ajudava no sentimento de culpa, na verdade pesava muito mais porque Harry não acreditava ser merecedor de tanta consideração, por parte inclusive de quem até ontem referia-se a ele como um mero cliente de um programa qualquer.

Mais tarde, ao final da aula, a primeira coisa que o cacheado fez foi ir até a casa do amigo. Houve mais pedidos de desculpas, houve perdão, abraços e Harry levou os deveres das aulas daquele dia para que Liam pudesse estudar. As provas se aproximavam, era o último ano e não podiam vacilar na reta final. Isso não mudou o fato de que Liam teria de amargar dois meses de castigo por causa da suspensão e que Harry, apesar dos pesares, ainda estava digerindo a história toda. Mas, pelo menos não havia mais o peso de ressentimentos criando barreiras entre eles.

O que mais Liam reclamou foi que o castigo afetava diretamente seu namoro com Zayn. Sem celular, sem internet, sem poder sair nos finais de semana e tendo de ir direto para casa após a aula, mais do que nunca os encontros furtivos atrás da escola seriam essenciais, mas por três dias isso não aconteceria e não seria o bastante. Liam resmungou, dizendo que namoro escondido era uma droga e que Harry tinha muita sorte por sua mãe ter aceitado tão bem o fato dele ser gay; mal fazia 12 horas desde a última vez que falou com Zayn e a saudade já o consumia. Sabendo bem como é essa coisa de sentir saudades de quem ama, Harry permitiu que o amigo trocasse mensagens com o namorado em seu celular enquanto estudavam, tomando cuidado para que a mãe de Liam não visse nada.

Mais tarde, Harry pediu que Liam ficasse a postos caso o telefone tocasse e fosse sua mãe perguntando por ele. Tinha avisado a mãe que ficaria até mais tarde com Liam e de lá voltaria direto para casa. No entanto, Harry se despediu do amigo logo ao entardecer com destino a casa de Louis.

Incondicional (LS|ZM)Onde histórias criam vida. Descubra agora