Capítulo oito

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Saímos para a manhã fria, devia estar perto do zero grau, pela primeira vez desde que chegara não estava com as orelhas frias, graças ao gracioso presente. Chegamos rapidamente ao campus da escola, Matt sabia exatamente o caminho a seguir para o ringue de patinação. Depois de alugarmos os patins nos dirigimos aos bancos e nos sentamos para colocá-los. Matt colocou os seus e ficou de pé à minha frente estendendo-me ambas as mãos para que as segurasse. Suas mãos eram grandes e quentes, mas antes de levantar avisei:

- Você sabe que o Brasil é um país tropical, não sabe?

- Sei sim, por quê? – perguntou curioso.

- Porque eu nunca patinei no gelo em toda minha vida, como vou me equilibrar em duas lâminas?

- Baby, confia em mim. - disse ele segurando fortemente minha mão e com a outra mão livre segurava minha cintura ajudando a estabilizar meu corpo. Comecei meio insegura, com dificuldade de me manter ereta, mas por fim já estávamos fazendo a volta toda em boa velocidade e com segurança, mas não soltei sua mão em nenhum momento. Patinar no gelo era delicioso, eu sentia todos os músculos das minhas pernas trabalhando, Matt me segurava forte dando-me segurança para que eu me movimentasse e a velocidade fazia com que o vento frio açoitasse meus cabelos. Saímos da pista corados, suados e sorridentes. Quando entramos no carro Matt rapidamente ligou o aquecedor e começou a esfregar minhas mãos na suas para aquecê-las. Ainda segurando -as disse:

- Você está linda assim.

- Assim como? - perguntei.

- Corada e feliz. Você quase não sorria quando nos conhecemos.

Abaixei os olhos envergonhada, ele me surpreendia diariamente, com sua atenção, seus dotes culinários, seu gosto pela leitura, e mais essa, eu não havia percebido que ele era tão observador. Para distrair perguntei:

- Aonde vamos agora?

- Bem, como ainda é cedo para almoçarmos pensei em dar uma volta no Columbia Mall o que você acha?

- Tem certeza que você quer passear no shopping? – perguntei incrédula.

- Por que não? Estamos mortos de frio, o lugar é aquecido, a gente dá umas voltas para você conhecer e depois almoça.

- Se você já pensou em tudo, quem sou eu para dizer não. Só não esqueça que sou mulher e você está me levando para a Meca do consumismo – aletei-o virando-me para colocar o cinto de segurança.

O shopping Columbia Mall era um amplo prédio de pedra, muito vidro e enormes vigas de madeira. Assim que estacionamos Matt como sempre, fez questão de abrir a porta do carro para mim, a novidade é que assim que saí, ele pegou minha mão como se fossemos um casal.

Senti muitos olhares enquanto caminhávamos lentamente olhando as vitrines e quando paramos na frente de um enorme espelho pude ver o porque. Nós formávamos um belo casal. Eu com um metro e setenta e dois de altura, logos cabelos vermelhos e ondulados e olhos verdes, minha pele estava corada pelo exercício e meus lábios tingidos de vermelho pelo frio. Matt era uns quinze centímetros mais alto que eu, cabelos muito pretos, olhos azuis e musculoso.

As lojas eram incríveis, todas estavam reunidas em um só lugar, havia a Gap, Sears, Victoria’s Secret e Macy’s, mas quando vi uma loja chamada Books For Less, arrastei Matt para dentro. A loja vendia livros novos e usados com descontos entre quarenta e oitenta por cento, e ainda fazia trocas. Possuía um ar amigável e confortável, com um delicioso café e fugia totalmente das tendências das grandes cadeias de livrarias. Comecei a chafurdar as estantes e encontrei alguns livros que sempre quis ler, como A Idade da Inocência de Edith Warthon, Sob A Bandeira da Coragem de Stephen Cane, As Vinhas da Ira de John Steinbeck entre outros. Matt por sua vez era bem mais controlado que eu levando apenas O Velho e o Mar de Hemingway. Mas era impossível resistir, levei oito livros, sendo que o mais caro custou $12 dólares.

Fiquei louca para comprar roupa íntima na Victoria's Secret, então prometi a mim mesma voltar sozinha. Matt me levou em uma grande loja de departamentos direto para a seção de luvas onde comprou, apesar dos meus protestos, uma linda luva de pelica que ele disse ser para sair e uma mitene para ir para a escola e patinar.

Quando terminamos de olhar todas as vitrines, fomos para a área de alimentação e entramos no Dolce Vita Grill. Pedimos hambúrguer e batatas fritas acompanhados por enormes copos de chá com gelo e limão.

- Matt nesse ritmo vou chegar aos cem quilos – falei quando vi o tamanho do prato que a garçonete colocou à minha frente.

- E vai continuar linda – ele respondeu sorrindo.

- Não se esqueça de dizer isso quando eu estiver enfartando e com as veias entupidas.

- Ok então aproveite seu último hambúrguer, daqui para frente só comida saudável para você.

- Obrigada – respondi.

A comida estava deliciosa e graças ao exercício físico, nosso apetite estava voraz. Assim que terminei, empurrei o prato e não consegui segurar um grande bocejo.

- Alguém está com muito sono - Matt brincou.

- Sim. O fim de semana foi movimentado, acho que preciso ir para casa tirar um cochilo, ainda tenho lição de casa para fazer.

Fingi não perceber a decepção no rosto de Matt, embora estivesse amando cada minuto com ele, eu precisava de um tempo sozinha para colocar a cabeça no lugar. Ele fez sinal ao garçom, que trouxe a conta rapidamente. Depois de pagar, puxou gentilmente minha cadeira e assim que levantei, pegou minha mão. Quando chegamos a casa, não quis dar a chance dele me acompanhar. Peguei minhas sacolas, agradeci o maravilhoso final de semana, dei um rápido beijo em seus lábios e desci do carro.

Já em casa, atirei-me na cama, mil pensamentos passaram por minha cabeça. Sim eu estava gostando de Matt, mesmo sendo a última coisa que eu queria. Eu já tinha tido minha cota de desilusão amorosa. Meu coração já havia sido partido em pedaços tão pequenos que eu havia prometido nunca mais me apaixonar outra vez. E eu havia conseguido manter a promessa nos últimos anos. O sofrimento fora tão intenso, tão visceral, que eu fugia de qualquer contato com o sexo oposto e passei a acreditar sim, que era possível ser feliz sozinha.

Eu não havia me tornado uma mulher amarga, havia apenas me retraído. Eu nunca fora uma pessoa muito sociável e para minha própria sobrevivência passei a acreditar que havia uma diferença entre ser só e se sentir só. A vida tinha tanto a oferecer, tantos lugares a visitar, tanta coisa a aprender, tantos livros para ler, músicas para ouvir. Infelicidade e solidão não eram opção. E eu sempre acreditei que não escolhi me apaixonar por um quase psicopata, mas eu podia escolher como lidar com aquela experiência. E então, Matt aparece em minha vida, com toda a sua atenção e delicadeza e joga fora todas as minhas convicções. Com tantas reticências em minha cabeça, tomei um banho, vesti meu pijama e peguei minha mochila pronta para fazer minha lição na cama.

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