"A tempestade era forte, as gotas de chuva pareciam lâminas na pele e os trovões eram a única luz no caminho nebuloso, a floresta tinha muitos pontos de incêndios e até áreas totalmente devastadas por queda de árvores e lama.
Os guerreiros ainda estavam atrás deles, cavalos e bestas, todos armados e agressivos atrás da pobre fera negra.
As asas do dragão batiam de forma constante, ele estava ferido e bastante exausto, como última tentativa ele se esquivava e mergulhava nas nuvens baixas em busca de abrigo, fugir dos sádicos caçadores.
Porém mais uma flecha o acertou, na junta de sua enorme asa, um grito de dor cobriu todo som da noite e chuva, o dragão estremeceu por inteiro.
A criança tremia entre as garras de seu protetor, ela sabia que algo estava muito errado, ela sentia que aquela poderia ser sua última aventura, sua última luta, o dragão perdia altitude a cada ataque proferido a ele, cada gota de sangue que escorria pelas escamas o deixava mais e mais fraco.
As árvores estavam cada vez mais perto, galhos e guerreiros mais próximos, o esforço não estava sendo valido o dragão já não se mantinha no alto muito menos afastava seus inimigos.
O dragão olhou para baixo, os olhos vermelhos reluzindo na nevoa enquanto olhava para a garra que abraçava cuidadosamente a menina de cabelos castanhos, aqueles olhos de prata encaravam chorosos de volta, pedindo o consolo que a fera não podia dar mais.
Com a última força vital o dragão se virou de barriga aos céus, ficando de costas para o chão, embrulhando completamente seu corpo com suas asas e cauda.
Com um último olhar, uma triste despedida, aqueles olhos vermelhos demonstraram amor antes de se fecharem pra sempre e ambos caírem sobre as árvores e guerreiros"
*(...)*
Um baque soou no quarto ao lado do da jovem, o seu corpo acordou com um sobressalto pois ainda estava dentro do triste sonho, seus olhos percorreram rápido o quarto em busca do relógio de pêndulo que havia encostado em sua parede.
8:30 da manhã.
Estava atrasada...
Blyana se ergueu da cama rápido tirando o cabelo de seu rosto, ela já foi dobrando suas cobertas e esticando o lençol de forma ligeira, seu cabelo estava muito desorganizado então optou por um coque desarrumado e abriu as cortinas fazendo o sol do verão iluminar seu quarto, antes mesmo de seus olhos se acostumarem com a luz já correu para seu banheiro, tomando banho sem esperar a agua aquecer e vestindo o seu vestido cinza velho.
8:55 da manhã, o tempo não parecia muito amigo da jovem.
Ela correu para a sua estante escura em busca de um livro, a velha capa de couro com um título em preto apareceu em destaque por entre as obras menores, Ética de Ruan, a garota pegou o livro e correu para sua cama, acalmando sua respiração rapidamente e abriu seu livro ao meio colocando seus olhos sobre as normas.
Passando menos de 5 minutos a senhora Rassard abriu a porta de forma agressiva e irritada, a porta clara chegou a gemer na fechadura pela força usada;
- Blyana Hathaway - O nome da menina soando como uma ofensa em seus lábios rosados.
Blya olhou para a senhora, os olhos escuros da governanta percorriam o quarto impecável, olharam pra jovem de cima a baixo, quase pronta para o dia...estudando.
- Muito bom, mas você está atrasada moça, era para já estar pronta - A mulher disse, diminuindo o tom de voz, mais ainda firme - Termine de se arrumar e desça, o café está pronto.
A governanta fechou a porta forte, batendo novamente no batente, Blya suspirou aliviada.
A garota tinha que manter a perfeição sempre, mesmo tendo sido adotada e criada pela família desde seus 6 anos, ela podia muito bem perder tudo a qualquer momento desde então, agora já com seus 17 anos ela ainda era considerada bastarda, sangue de plebeu, a primeira desonra que ela causar principalmente agora mais velha, abandonada ela será imediatamente.
Os filhos de seus pais adotivos podiam dormir até as 11 da manhã, entretanto ela tinha que estar pronta as 8 para estudar antes de tomar café, se não acordar as 7 para fazê-lo para a família inteira.
Tudo isso para mostrar gratidão a eles que salvaram sua vida naquela manhã fria de outono, tudo para mostrar que ela era diferente de outros de sua classe, entretanto mesmo que seu sangue seja sujo, ela é melhor que os de seu DNA (mesmo que ela nem mesmo saiba de onde veio sua família).
A menina arrumou seu cabelo em ondas civilizadas e colocou um arco brilhante em sua cabeça, em seu pescoço um colar de prata que combinava com seus olhos.
Com um sorriso fraco para o espelho ela saiu do quarto, nessas horas solitárias ela realmente queria conhecer sua família de verdade, a jovem ouvia tudo de desonroso sobre eles, mas nem mesmo o sobrenome tinha para saber se eram realmente ruins como ouvia, Blya tinha quase certeza que não eram.
Recompondo seu sorriso falso ela foi buscar o bebê da família, Henry era sua responsabilidade também, chegando no quarto azul ao lado do dela o neném se encontrava sorrindo e pulando no berço para sua irmã, ele era a razão para ela sorrir de manhã.
Após trocar o bebê para um macacão branco e dar uma mamadeira com suco a jovem o levou até o andar de baixo, caminhando pelos corredores quietos até a sala de jantar.
Tudo na superfície estava arrumado para comer, frutas, sucos e lanches espalhados pela mesa, uma empregada tinha acabado de sair para a cozinha, sua mãe e pai sentavam de lados opostos, a mãe sorriu ao ver o menininho chegar no ambiente;
- Henry! Já acordou querido, venha cá - Ela chamou e pegou a criança de forma amorosa, o cabelo vermelho da linda mulher se enroscou nos dedos do bebê animado - Bom Dia Blya!
- Bom dia mãe! - Responde a Blyana, de forma sorridente - Bom dia Papai!
O homem ruivo que estava distraído com o jornal da cidade a encarou, seus olhos esmeraldas a encaravam de cima a baixo, de forma nada paternal, mais isso já era normal, desde que se desenvolveu de corpo o homem a tratava daquela forma, era horrivelmente desconfortável.
Blyana só podia chamar ele de papai, se fosse somente de pai era grosseria por parte dela.
- Bom dia querida, dormiu bem? - Ele sorria e quando ele se preparou para gesticular para ela sentar em seu lado ela já havia sentado na cadeira no meio do caminho entre o casal, acenando um sim com a cabeça evitando contato.
- Que bom minha filha! - Ele pareceu não notar a reação da jovem, sempre ignorava, sua reação foi somente retomar o assunto com sua esposa, como se a garota não estivesse ali, Blya soltou um suspiro.
O assunto a mesa era sempre o mesmo, três perguntas sobre Blyana, e o resto, fofocas da sociedade, em que a jovem prestava atenção atentamente, pois qualquer informação daquela conversa mudaria o como ela teria que agir naquele dia.
Sua vida era baseada em como ela tinha que se moldar a sociedade perfeccionista, nunca sendo superior, mais sendo a mais perfeita possível.
Estratégia e resistência definiam a menina, pois se não segue isso, ela não sobreviveria o próximo amanhecer.
Era uma vida bastante chata e monótona, sempre no curso, sem poder alterar sua direção, sempre as ordens, não podia fazer nada fora de seus sonhos.
Esse possivelmente seria mais um dia em que a menina entraria em seu modo automático, cuidaria das coisas, estudaria, seguraria o temperamento e ainda teria um tempo para caminhar, com sorte encontraria uma ronda bestial no céu ou um guarda do governo controlador passando pelo seu lar...
Contudo algo nesse dia estava diferente, seu corpo avisava, antes de se levantar da cadeira, mesmo antes do assunto se encerrar seu coração bateu mais forte, algo no ar mudou, como se isso de estranho no dia a chamasse, ela tremeu.
Ela se endireita imediatamente antes de talvez cair da cadeira, repetia em sua mente a palavra perfeição que tinha que ser, como um mantra, não iria sair, não iria explorar o mistério de sua mente, perfeita....A garota perfeita, precisava calar sua mente, sua ansiedade, para ela ser perfeita.
Ela só não esperava que sua mente responderia de forma tão intensa...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Alma de Gelo
Fantasy"Mesmo na mais profunda escuridão, na terra profana perante o olhar da morte não vou me render, o fim não será esse, não enquanto não tirar você de lá, minha alma, meu ser, estarei lá até que a única coisa que me reste é a poeira do pior de nossos i...