O ano era 1971. O sono era constante em minha casa. Há mais ou menos 7 meses, eu tinha dado à luz ao meu primeiro filho: Marcos, e o mesmo não dormia bem durante a noite, como todo bebê. Meu marido Arthur, um homem alto, um tanto esguio e de olhos totalmente azulados me ajudava nas noites em que o pequeno Marcos resolvia chorar além do previsto. Eu era uma mulher alta, loira e de cabelos curtos. Vestia roupas casuais em todos os momentos. Eu e meu marido morávamos na parte rural de Green Mountain, portanto, não ouvíamos a correria e o barulho da monótona cidade. Havia montanhas, colinas e planícies entrecortadas por rios e lagos. As águas eram distribuídas regularmente. Acima, nas grandes montanhas, residia o resto de uma velha igreja que, agora totalmente destruída, servia de abrigo para animais e seres da mata. Os moradores diziam que um fantasma de uma mulher de branco podia ser vista à noite, mas eu nunca tive tal honra. As montanhas, as colinas e as belíssimas planícies eram adornadas com plantas, flores e altas e majestosas árvores de toda espécie, bem maiores e mais belas do que são agora. O ar era puro e revigorante.
Meu filho era saudável. Um lindo bebê loiro, de pouco cabelo e olhos claros. Sempre íamos à igreja da cidade, mas com o trabalho de cuidar do bebê e o cansativo emprego de Arthur, eu passava a maior parte dos dias em casa, que não era nada pequena. Uma porção de meu tempo devia ser ocupada com a prazerosa tarefa de cuidar do jardim, e a outra porção para receber a visita de minha amiga Irene, que morava na cidade. Cuidar do jardim não era cansativo, mas prazeroso e cheio de vigor.
Aquele jardim era como meu segundo lar. Minha mãe me visitava algumas vezes para fazer companhia e passar um tempo com seu neto. A mesma morava na cidade, então eu também reservava alguns dias para visitá-la na zona urbana.
Desde muito jovem, sempre tive visões quando tocava em coisas que estivessem sob algum tipo de paranormalidade. Minha dor de cabeça era quem acompanhava tais inusitadas visões. O estado letárgico era quase inevitável depois que eu tocava em algo ou alguém. Minha mãe sempre havia dito que aquilo era um dom, uma coisa que as pessoas comuns não podiam sentir, mas, para mim, aquilo era um fardo que eu teria que carregar pelo resto da vida. "A carga emocional das pessoas tinha que ser algo próprio, secreto, e não uma coisa propriamente conhecida por mim", pensava. Arthur sabia de meu dom e sabia quando as visões ocorriam, dando o suporte necessário a mim.
Certo dia, me encontrava sozinha, apenas com meu bebê na enorme casa. Sempre deixava-o em seu quarto enquanto cuidava de meus afazeres. Por mais que o quarto de Marcos, tão colorido e decorado, fosse um lugar de conforto para o pequeno, eu ficava preocupada em deixá-lo sozinho no andar de cima. Por isso, sempre trancava as portas enquanto esperava Arthur retornar de sua jornada diária. A campainha soou enquanto o sol se recolhia nas grandes montanhas próximas a casa. Era Irene, que acabara de chegar.- Oi, trouxe alguns presentinhos! - disse Irene, entrando pela porta, com várias sacolas e bolsas de todas as cores.
- Meu Deus! Quantas coisas! Mas o que estamos comemorando? - perguntei, confusa.
- Acorda, amiga! Hoje nosso pequeno Marcos está fazendo 7 meses, e não é sempre que se comemora essa data. - explicou Irene, enquanto colocava as sacolas no chão.
Marcos começou a chorar no andar de cima e o telefone tocou, quase que sincronizado.
- Deixa que eu cuido dele. - sugeriu Irene, recolhendo os presentes do chão e subindo até o quarto do bebê.
Agradeci e fui atender o telefone. Era meu marido.
- Oi amor, só liguei para avisar que vou pagar hora extra aqui hoje.
- Que pena. Eu tinha feito macarrão com queijo, seu prato favorito. - respondi, com tom de tentação.
- Assim é golpe baixo! - respondeu Arthur, com tom de ironia.
Alguém bateu na porta da frente. Três vezes. Mas não foram batidas normais. Praticamente esmurraram a porta. Como se não só quisessem entrar, mas invadir aquele espaço.
- Tenho que ir. Tem alguém na porta. - expliquei.
- Certo, dê um beijo no Marcos por mim. - pediu ele, encerrando a ligação.
Fui até a porta, mas com um certo receio. Ao olhar pelo olho mágico, nada vi. "Deve ter sido uma brincadeira de mau gosto", pensei. Mas já era noite, e os vizinhos distantes não saíam àquelas horas
Ao dar as costas, as batidas soaram de novo. Três vezes. Fui rápida e abri a porta ligeiramente. Nada havia novamente, mas dessa vez um vento frio, pesado e invasivo entrou célere pela sala, me fazendo fechar os olhos com o reflexo. Minha dor de cabeça começou e fechei a porta. Fui até a cozinha, tomei meu remédio e subi até o quarto de Marcos. Irene estava ninando o bebê na cadeira de balanço enquanto cantarolava baixinho.- Quem estava na porta? - perguntou a mesma.
- Ninguém. Deve ter sido alguma brincadeira. - respondi, entrando.
Irene pôs o bebê no berço e desceu para a cozinha junto comigo.
- Vamos dar uma olhada nas coisas que você trouxe. - sugeri, pegando os presentes e pondo-os na mesa.
Havia vários bonecos, carrinhos e chocalhos. De todas as cores e tamanhos. Irene viajava muito e sempre trazia um agrado para nós. Ela dizia que Marcos era um filho que ela nunca teve. E o carinho por ele, às vezes, era até mesmo maior que a nossa amizade. Depois de colocarmos o papo em dia, Irene foi embora e a solidão rural tomou conta da propriedade mais uma vez.
Subindo as escadas e passando pelo grande espelho acima do armário, pelo canto do olho, vi uma pessoa de roupa longa e branca ao meu lado, mais acima. Voltei alguns passos e olhei novamente. Como não vi nada, segui para o quarto de meu filho. Ao vê-lo deitado em seu berço, tão quietinho, recordei meu casamento dois anos antes, e do quanto sonhava com tal dádiva divina.- Me entregue ele! - uma voz grave soou fora do quarto.
Olhei por cima da escada esperando que fosse meu marido, mas não era ninguém. A sensação de cautela instalou-se e, por instinto, peguei uma barra de ferro que ficava no canto de meu quarto, pensando ser algum invasor. Mas quando passei pelo espelho mais uma vez, olhei diretamente e vi, atrás de mim, uma mulher de vestido branco entrando no quarto de Marcos, lentamente, com passos leves e arrastados.
Levantei a arma que tinha e parti para o quarto do garoto. O bebê começou a chorar e ao passar pela porta, vi a mulher parada perto do berço. Ela era alta, de cabelos longos e negros, porém assanhados. Seu rosto era pálido e seus olhos eram intimidadores. Ela estava com os olhos vidrados em Marcos, que gritava mais e mais.
Levantei o vergalhão que tinha em mãos e ameacei a intrusa:- Saia daqui! Pegue o que quiser e vá embora. O que você quer?
A mulher levantou a cabeça, devagar, lentamente, e olhou em direção a mim:
- Quero a alma de seu bebê!
Comecei a passar mal e minha dor de cabeça só acrescentou ao estresse do momento. Comecei a perceber os detalhes. A pele pálida, quase roxa, o vestido branco, o andar manco. Aquela mulher não era humana. Eu nunca havia presenciado aquele tipo de coisa antes, não daquele jeito. Larguei a barra de ferro e ajoelhei no chão. Juntei as mãos, levantei-as, fechei os olhos e comecei a recitar um salmo que sabia de cor.
A mulher começou a dar passos para trás e fazia caretas como se estivesse com dor. Colocou a mão na testa como se segurando a fronte. Seu rosto se transformava em uma carranca viva e sua pele, antes pálida, agora era cinza. Andou de ré até perto do grande espelho e sumiu dentro da sombra na parede ao terminar do salmo.
A dor de cabeça cessou e, com Marcos já em meus braços, liguei urgentemente para Arthur, implorando que ele chegasse logo. Ao chegar em casa, meu marido soube da história, e juntos rezamos praticamente a noite toda, mesmo com o sono a chegar e sem saber se aquela entidade que não fora convidada havia ido embora ou só havia se escondido nas sombras da propriedade, sob a luz do céu escuro.
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Mente Diabólica
HorrorAmbientado nos anos 70, um casal vive um verdadeiro inferno em sua casa, onde são assombrados por entidades malignas que querem a alma de seu bebê recém-nascido. Agora cabe a mãe ter mais que seu instinto materno para proteger sua família.