A caixa de música

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A polícia levou o corpo da empregada, enquanto Arthur os acompanhou até a cidade para reconhecimento. Fiquei sozinha na propriedade mais uma vez e, no final do dia, Irene veio até nós para fazer companhia. Ela estava diferente, como se incomodada com alguma coisa.
- Arthur está em casa? - perguntou, andando entre os cômodos.
- Não. Por que a pergunta? - perguntei cruzando os braços.
- Não, nada. Só quis saber se não seríamos rudemente interrompidas. - respondeu, virando para mim.
Ela não sorria. Mal olhava para meu rosto. Andava de lá para cá, como se perturbada. De braços cruzados e ofegante, ela procurava algo que não encontrava, pelo meu ver. Marcos começou a chorar no andar de cima e fui ao seu encontro. Chegando lá, o peguei no colo e sentei na cadeira de balanço, perto do berço. Comecei a reparar que o volume do colchão estava diferente, mais alto, como se algo estivesse atrapalhando seu nível normal. Levantei o fino e pequeno colchão, e vi uma caixa de música pequena e decorada. Nunca tinha a visto antes. Não era minha, muito menos de Marcos. Peguei-a e abri-a, me chocando com o que estava prestes a ver.
Na caixinha, havia cera de vela, vermelha e preta, penas de galinha, sangue seco, uma pequena foto de Marcos, um pedaço de papel enrolado e o umbigo seco do bebê.
Comecei a passar mal com o cheiro, e percebi que tinha encontrado o maldito "imã". Era aquela caixa de música e as coisas contidas nela que estavam atraindo os espíritos para a casa. Estava ali, embaixo do berço o tempo inteiro. O telefone tocou e Irene falou do andar térreo:

- Seu marido está ligando, lindos olhos!

Lindos olhos. Lindos olhos! Aquelas palavras ecoaram na minha cabeça como um grito. As mesmas palavras ditas pelo demônio que tentou levar Marcos. Foi Irene! Ela havia feito tudo aquilo. Queria matar meu bebê e talvez tivesse vindo naquela noite para isso. A mulher de branco apareceu na mesma noite na qual Irene nos visitou. Ela deve ter posto a caixa de música no quarto naquele momento. Nos levou para Turim para nos manter por perto e voltou antes para completar sua missão e nos espreitar enquanto cometia atrocidades com meu filho. Mas por que? Por qual motivo? Desenrolei o pedaço de papel dentro da caixa e li:
"Eu, Irene, ofereço a alma inocente de Marcos Campbell, para total honra e glória de satanás. E em troca, ele me dará o prazer de ser a nova esposa de Arthur Campbell."
Pus o bebê no berço e sentei novamente. Comecei a ter ânsia ao ler aquilo. Minha melhor amiga quis me matar e, consequentemente, matou Martina também. Tudo isso para ficar com meu marido, sendo que ela nunca demonstrou nenhum interesse nele, não que eu soubesse. Não dava para acreditar. Aquilo só podia ser mais um de meus pesadelos. Desci as escadas devagar, sorrateiramente, esperando encontrar a desgraçada na cozinha. O telefone já havia parado de tocar, mas ela havia sumido. Na cozinha ela não estava, quando senti um golpe atrás da minha cabeça.
Acordei minutos depois e notei que eu estava amarrada a uma das cadeiras da sala de estar. Vi a amaldiçoada na minha frente segurando uma faca que usávamos para cortar carne.

- Irene? Por que? Por que tudo isso? Cadê o Marcos? Me solte. Por favor, me machuque, mas não machuque meu bebê.
- Oh, querida. Não irei matar o seu filho. Pelo menos, não agora. Nesse momento, apenas quero matar você. - respondeu, avançando em minha frente, pulando em cima de mim e caindo no chão em seguida, com a faca agora deslizando em minha testa, de forma sádica.
Comecei a gritar e a clamar por socorro, mas não era correspondida. Irene cortou a própria mão com a faca e a pressionou contra a outra, fazendo um fluxo de sangue jorrar no chão de madeira.

- Eu invoco as forças das trevas que moram na floresta. Invoco a mulher de branco da abadia, o demônio Amon e todos os seres infernais que andam pela terra nesse momento. Venham ao meu encontro! Venham buscar a alma desta mulher inocente! Eu clamo pelo vosso cruel poder. - gritou ela, olhando para cima, erguendo a faca suja de sangue.
Nesse momento, um vento pavoroso atravessou a casa e todas as entidades que eu já tinha visto, apareceram na minha frente. Eram tantas que preenchiam a sala de estar, cozinha e hall de entrada. O homem corvo, o homem de preto, estavam todos ali, juntos a uma infinidade de seres. Todos olhando para mim com olhares maléficos.

- Que bom que compareceram, irmãos! Finalmente, o dia chegou! O dia em que a inocente e doce mulher de família Judy Campbell irá queimar no fogo do inferno. - disse Irene, apontando para mim e chegando mais perto ao se ajoelhar ao meu lado.
- Irene? Por que? Por favor, só me diga isso. Éramos amigas. Por favor. Vá embora, nos deixe em paz e prometo que nunca mais entraremos em seu caminho. - pedi, aos prantos, me tremendo de medo.
- Own, pobre garotinha. Sabe o que eu quero? Eu quero ter a sua vida! - ela cochichou, agora mais perto. - Quero ter seu marido, quero conceber um filho dele e dar início a uma nova família. Foi isso que você fez, não foi? Quero ser uma boa garota também. Sabe, Judy? Eu sempre tive um pouco de inveja de você. Mas eu não só quero ter as mesmas coisas, quero ser você! Quero viver a sua vida. No começo, pensei que era só uma paixonite pelo Arthur, mas vi que era amor verdadeiro. Eu o amo! - falou ela, enquanto levantava.
Comecei a desamarrar a corda que me prendia, aos poucos.

- Você não o ama. Só quis aumentar o seu ego. Se o amasse de verdade, nunca me machucaria ou ao Marcos. Você é uma psicopata, sua vaca desgraçada. - exclamei, insultando-a e aumentando o tom de voz.
Irene começou a invocar algo maior. Invocou o próprio satanás enquanto cortava a outra mão e derramava seu sangue no chão. Pouco tempo depois, uma figura de manto vermelho-escarlate e capa de mesma cor saiu de trás das outras criaturas. Não vi seu rosto, até tirar o capuz e ver que era o próprio lúcifer que ali estava. Os chifres e os olhos amarelos não mentiam. Irene se reverenciou diante dele e veio em minha direção mais uma vez.

- Oh, senhor das trevas, aqui possuo uma alma inocente para te glorificar. - disse, alisando meus cabelos.
- Esta alma não é inocente. Você me prometeu a de uma criança pura. Cumpra o que prometeu. - disse ele, com uma voz gutural e rouca, gritando na última frase.
Consegui desatar todos os nós da corda e levantei rapidamente, correndo e obtendo êxito em derrubá-la no chão. Dei vários socos em seu rosto e puxei seu cabelo, em prol de tudo que já havia feito de ruim para acabar com minha vida. Ela conseguiu levantar, já fraca. A empurrei contra a parede e abri a gaveta de talheres e facas grandes.
- Boas garotas não são sempre boas. Precisamos ser iguais a vadias como você, às vezes. - disse em tom irônico, enquanto puxei dois garfos enormes de churrasco. Levantei sua mão esquerda contra a parede e cravei o mesmo no membro. Levantei sua mão direita e fiz a mesma coisa, até ficar presa e imóvel na parede.

- Você não merece nem o meu nojo. - exclamei, cuspindo em seu rosto, agora raivoso.
Fui até a sala, onde estavam reunidos todos os seres infernais e exclamei, levantando as mãos:
- Escutem: a partir de agora, o pacto feito por Irene está quebrado, e como não gosto de intrusos vindos do submundo em minha casa, eu os repreendo em nome do sangue honroso que corre em minhas veias, sangue esse que fez Jesus Cristo, morrer na cruz e me livrar de todo o pecado e de toda a maldade. EM NOME DO PAI, DO FILHO, E DO ESPÍRITO SANTO, EU OS CONDENO DE VOLTA AO INFERNO!
As criaturas começaram a gritar e um fogo azulado as consumiu completamente, menos um que ainda restou ali. Satanás deu um passo à frente e disse:

- Eu nunca vou embora sem nada! Sua amiga fez um acordo. Ofereceu a alma do seu bebê. Promessa feita é promessa cumprida!

Eu já havia pensado naquilo há muito tempo. O que dar em troca? Então, num gesto, meus joelhos se dobraram, em forma de redenção e duas palavras saíram de minha boca, junto com lágrimas que escorriam por meu rosto apático.

- Me leve!
- Tem certeza, criança? - respondeu ele, olhando para mim com malícia.
- Proponho um acordo. Meu filho vai crescer e ter uma vida completa, saudável e feliz, igualmente a mim. E quando soar a hora da morte, em meu leito, você irá me buscar. E em compensação, queimarei duas vezes no inferno.
- Acordo feito! - ele aceitou, estendendo a pata de bode até mim.
A apertei e ele disse, antes de desaparecer nas sombras:
- Te vejo em 50 anos!
Liguei para a polícia que veio buscar Irene e a levou para um manicômio um pouco distante: o "Nova Alvorada". Eles a classificaram como "mentalmente insana" e está lá até hoje. Contei toda a história a Arthur e ele disse que na hora que ligou, Irene havia se declarado e dito que iria reparar o erro que era nosso casamento. Eu ainda não acreditava o que aquela vadia maluca era capaz de fazer. Mudamos o quarto de Marcos para outro da casa e esvaziamos aquele. Guardamos a caixa dentro do quarto, agora vazio e o selamos com água benta, com o auxílio de um amigo padre. Qualquer espírito que chegasse próximo a casa iria ser puxado para aquele quarto e iria ficar preso lá dentro, graças ao imã espiritual que estava naquela caixa. Nada mais iria nos incomodar. Mesmo sabendo que o mal viria me buscar anos depois, o que me consolava era saber que meu filho estava a salvo e iria ter uma vida completa.

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