Depois de passar todo aquele tormento, buscamos refúgio na casa de minha mãe, na cidade. Somente Arthur entrou na casa para buscar algumas roupas para a estadia da família em Green Mountain, pois não me atrevia a pôr os pés lá de novo. Eu não sabia o motivo para tanto terror e aparições em minha casa. Morava lá desde muito pequena, via vultos e provações do tipo, mas nunca tinha visto nada daquele porte. Aquilo era algo infernal. Algo demoníaco. Ao chegar na casa de minha mãe, ela já estava ciente do ocorrido e nos recebeu com todo o cuidado. Marcos dormiu logo após chegarmos, mas eu não saí do lado dele.
- Eu não volto lá. Não com o Marcos. - eu repetia.
- Acalme-se, filha. Controle-se. Eu acredito em você. Existe todo o tipo de coisas ruins nesse mundo. Nós sabemos. Esse dom específico é um fardo nesse tipo de situação. Mas o que quer que tenha aparecido pra você, já foi. - disse mamãe, tranquilizando-me.
- Não, mamãe. É diferente. Aquelas coisas... elas disseram... disseram que queriam o meu bebê! O Arthur trabalha muito, e eu não consigo ficar lá sozinha. - comecei a chorar.
- E não precisa. Eu posso passar uns dias com você. Posso fazer a maioria das coisas da casa. - disse ela, me abraçando.
Arthur andava em círculos.
- Eu posso folgar um pouco também. Estava pensando em contratar uma babá, empregada ou alguém para ajudá-la nos afazeres de casa, aí você não se sentirá sozinha e nem ficará cansada de cuidar daquela casa enorme. - disse ele, sentando ao meu lado. - Sra. Campbell, sei que nunca entendi o início deste dom hereditário. Mas pelo que a senhora sabe, o que acha que isso tudo significa?
Minha mãe olhou para o vácuo e respirou fundo:
- Bom, é como Judy disse. Eles querem o Marcos.
Fixamos os olhos nela, que ficou apática.
- O que podemos fazer em relação a isso? Aquelas coisas não podem chegar perto do meu filho. - disse eu, olhando para o bebê deitado em sono profundo. Sua respiração lenta e calma passou a me acalmar também.
- Há alguns anos, meu irmão também era atormentado por entidades que queriam a decadência dele, até ele quase morrer doente. Tivemos que fechar o seu corpo espiritual com um ritual. Hoje à tarde. Podemos fazer uma sessão, nós três. Iremos contactar o que tiver sendo atraído por você e então saberemos o que fazer. - sugeriu ela.
- Isso é loucura. Não podemos correr o risco de chamar algo pior. - contradisse Arthur.
- Não. Isso é extremamente necessário. Seja o que for, está ligado a vocês e quer o Marcos. E tem mais: alguém o chamou.
Não entendemos e isso refletiu em nossos rostos confusos. Quem poderia ter feito tal malevolência?
- Alguém ofereceu a alma do Marcos. - disse ela, olhando seriamente para nós.
- Quem pode ter feito uma coisa dessa? - perguntei, esfregando o peito.
- Não sei. Alguém que queira destruí-los, atacando o alvo mais fraco: o bebê.
Já sabíamos aquilo, mas ouvir aquelas palavras saírem da boca de minha mãe só reforçou o temor que sentíamos. Todos calamos por um tempo, mas Arthur resolveu perguntar:
- Mas quem vai cuidar dele? Quer dizer, não podemos fazer uma sessão espírita com ele do lado.
- Posso ligar para a Irene e pedir para ela ficar com ele por alguns minutos. - sugeri.
A tarde chegou, e com ela também vieram nuvens escuras que cobriram o céu e fizeram o vento esfriar. Por mais que estivéssemos na cidade, também ventava bastante. Irene levou Marcos para sua casa e nos deixou a sós com minha mãe. Nós três sentamos na mesa redonda da cozinha, fechamos as cortinas, demos as mãos e, sob a luz de velas, iniciamos a sessão.
De olhos fechados, ela chamava pela entidade que tanto perseguia seu neto. O silêncio quebrado pelo vento junto às sombras das cortinas brancas me fazia lembrar da mulher de vestido de mesma cor. Tudo lembrava aquelas criaturas horríveis. Alguém bateu na porta, do lado de fora. Três vezes. E mais três.- Se for você, bata de novo. - ordenou Sarah.
As batidas se repetiram, dessa vez mais serenas.
Toc. Toc. Toc.- Eu te dou permissão para entrar e se juntar ao nosso círculo. - disse ela, agora de olhos abertos.
Olhei para minha mãe com tom de repreensão, pela mesma ter pedido para aquilo entrar na casa. A porta abriu lentamente, e uma figura de manto e capuz preto pôde ser vista entrando pela sala de estar. Andava devagar e seu rosto não pôde ser visto pelos demais, já que sua cabeça estava baixa. Era alta, magra, quase esquelética, fazendo um rosnado que mais parecia um leão. O cheiro horrível de carne podre era presente. Estacionou na entrada da sala de jantar e juntou as mãos na frente de seu ventre, como se esperasse alguma ordem. Arthur ficou paralisado, porque em todo o tempo desde que esteve comigo, nunca havia visto nada daquele jeito. Eu, por outro lado, demonstrava menos medo que meu marido, mas não deixava de tremer. Minha mãe era a única que se mantinha firme, para demonstrar certa autoridade sobre a entidade.
- O que você quer com o meu neto? - perguntou ela.
A criatura abandonou sua posição inicial e começou a andar em volta da mesa. Enquanto isso, nós, os participantes da sessão, éramos capazes de ouvir vozes e sussurros vindo da entidade, como se estivesse saindo dela. Dando a terceira volta pela mesa, ela começou a cantarolar uma canção que dizia:
"Toc, toc, toc, na porta do inferno. Você e seu bebê vão para o fogo eterno".
Ela repetia isso sem parar até que sumiu nas sombras. Ela não podia ser avistada em nenhum lado. Havia desaparecido. Simplesmente sumiu. Olhei rapidamente para Arthur, que não estava sozinho. Atrás dele estava o próprio. Era ele. Satanás. Seus olhos eram amarelos. Sua pele escamada era um misto de vermelho e preto. E em sua boca estava aqueles dentes enormes e pontiagudos. Ele fazia caretas ao mesmo tempo em que ria e gritava.
Nós, paralisadas, criamos coragem e gritamos, levantando da mesa. O demônio pôs sua pata enorme no ombro de Arthur e sumiu.
Arthur congelou e agiu como se estivesse tendo uma convulsão. Seus olhos reviravam e as veias saltavam em suas mãos e braços. Seus olhos ficaram totalmente brancos e ele pulou em cima da mesa. Olhava apático para nós, já de pé. Seus pés começaram a pairar sobre a mesa e ele começou a levitar. As velas apagaram-se, junto com as luzes. Eu gritava seu nome, para aquilo tudo parar, mas era contida pela minha mãe.- Aproveite sua estadia aqui, minha jovem. Não ficará por muito tempo. Logo verei você e seu descendente queimarem junto comigo. - disse "Arthur", com a voz totalmente diferente, uma voz que não era dele.
- CALADO DEMÔNIO! Eu ordeno que me diga. Quem ofereceu a alma dele? - ordenou minha mãe, com a mão estendida em direção ao possuído. Eu só sabia chorar de medo. Ver meu marido daquele jeito me marcou para sempre.
O demônio se debruçou sobre a mesa, mas de cabeça para baixo, como uma aranha ao contrário.
- Toc, toc. - disse ele.
Nós duas não respondemos nada e ele repetiu.
- Quem bate?- perguntou ela, em seguida.
- Não quero falar com você. Estou falando com a outra vadia.
Ela olhou para mim e balançou a cabeça.
- Quem bate? - respondi, olhando nos olhos dele.
- Eu sou aquele que tentou Eva. Sou aquele que fez Caim matar Abel. Sou aquele que tentou Jesus no deserto e que cochichou no ouvido de Judas. Lúcifer. E sou o mesmo que vai esmagar a cabeça do seu bebê e engolir o coração de seus descendentes, sua vagabunda. E não vou parar até estarem todos mortos!
Arthur caiu em cima da mesa e as luzes acenderam. A atmosfera morta desapareceu e tudo voltou ao normal. Minha mãe abriu as cortinas e levantei meu marido, agora são. Ele estava tonto e começou a vomitar. O ar e a luz, que agora entravam pela janela, me dava ânimo novamente.
Depois da melhora de Arthur, eu e minha mãe refletimos sobre o que havia acabado de acontecer. Não restava mais dúvidas. Meu filho estava em perigo, e eu teria que ter mais que meu instinto materno para salvá-lo.
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Mente Diabólica
HorrorAmbientado nos anos 70, um casal vive um verdadeiro inferno em sua casa, onde são assombrados por entidades malignas que querem a alma de seu bebê recém-nascido. Agora cabe a mãe ter mais que seu instinto materno para proteger sua família.