O homem corvo

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Minha mãe veio passar uns dias conosco após o ocorrido. Arthur ainda sentia os efeitos colaterais de sua possessão. Ele tinha febre e náuseas frequentemente. Minha mãe dizia que era um bom sinal, que ele estava colocando aquilo para fora, mas ele sofria tanto que já tinha perdido suas forças. Ficou sem trabalhar algumas semanas e não tinha previsão de retorno. Marcos estava bem, mas só um pouco assustado por conta de todos os acontecimentos passados. Admiro ele não ter adoecido também. Irene vinha de vez em quando para nos visitar e fazer suas orações na casa, para espantar os maus espíritos. Nunca ouvia o que ela cochichava, mas pela sua atenção e foco total, preferia não atrapalhar.
Minha mãe se instalou no quarto de Marcos. Colocamos uma cama de solteiro reserva que tínhamos e ela cuidava do bebê a noite e fazia companhia. Era um alívio tê-la conosco. Além de ser minha mãe, ela era uma ótima amiga e ouvinte.
Certa noite, por volta de 2:50 da manhã, acordamos com um grito ensurdecedor. Era minha mãe. Ela chorou junto com Marcos, em seguida, e ouviu-se a porta do quarto deles abrir logo após. Vesti meu roupão e saí do quarto junto com Arthur. Íamos até o quarto do bebê, mas topamos com ela na metade do caminho. Segurava a criança em seus braços e, chorando, dizia sem parar:

- Ele está lá! Ele está lá!

A consolei e Arthur foi até o quarto do bebê. Acendeu a luz e não havia nada. Só um cheiro de carne podre impregnado nas cortinas azuis.
Descemos até a cozinha, acendendo todas as luzes da casa para nada fugir do nosso ponto de vista. Acalmei o bebê e ele dormiu. Depois de calma, minha mãe só ficou calada. Ela não dizia o que havia visto ou sentido. Só olhava para o nada, com a expressão vazia estampada em sua face. Ela só balbuciava coisas como "bico" e "homem". Não chamamos a polícia pois já sabíamos que iria ser inútil na nossa situação.
A minha mãe pediu mais um copo de água e um remédio para enxaqueca, então fui até a geladeira mais uma vez, deixando Marcos nos braços de Arthur. Ao abrir a geladeira e olhar para a janela, vi no reflexo, a mulher de vestido branco do outro dia. Ela estava ao meu lado e segurava o meu filho nos braços enquanto olhava para mim, parada, pela mesma janela. De sua boca, saía um rabo pequeno e arisco, como de um rato, acompanhado de um pouco de sangue que dava contraste ao seu sorriso malicioso. Soltei o copo de vidro e ele quebrou ao entrar em atrito com o piso de madeira. Arthur e minha mãe olharam para mim, confusos. Disfarcei e fui recolher os cacos do chão. Passamos algumas horas na cozinha, até vermos o sol levantar minimamente atrás das grandes montanhas. Com a luz solar entrando na propriedade e afastando a frieza noturna, pudemos subir para descansar. Minha mãe dormiu em um colchão no chão, e o bebê entre nós na cama. Dormimos no máximo 3 horas. Quando acordei, ela e Arthur já haviam levantado e estavam na cozinha fazendo café da manhã. Levei Marcos para o andar de baixo e o pus na cadeirinha. A conversa rolou até, quase de propósito, tocarmos no assunto da madrugada anterior. Minha mãe mudou a expressão que tinha e suspirou, e então contou o que tanto assombrou a mesma.

- Fui dormir normalmente na noite passada, e não pensem que dormi pensando no que tinha acontecido durante a sessão, porque não lembrei. Eu abri os olhos e congelei. Meus braços e pernas estavam congelados. Eu nunca havia tido paralisia do sono antes, então essa foi a primeira vez. Eu só conseguia mexer os olhos e minha boca só fazia barulhos estranhos. Olhei ao redor e, perto do berço do Marcos, vi um homem. Era alto, usava um tipo de bata marrom. Usava luvas da mesma cor e um chapéu preto. Mas no lugar de seu rosto... - ela pausou. Pôs as mãos no meio da fronte e baixou a cabeça, como forma de cansaço. - No lugar de seu rosto, estava um bico enorme de um pássaro preto, como um corvo. Seus olhos eram negros como tal e havia pelos por toda a sua face. Ele estava na frente do berço e segurava os pés do Marcos, como se quisesse o pendurar pelos membros inferiores. Ele conseguiu me ouvir enquanto eu tentava falar, tanto que soltou os pés do bebê e olhou diretamente para mim. E eu juro por Deus que nunca senti tanto medo e agonia na minha vida. Seus olhos pretos pairavam sobre mim e ele chegou a dizer: "Você é sensitiva? Vamos ver se consegue sentir isso". E daí, ele... começou a fazer uns sons estranhos com o bico, começando a gritar como um verdadeiro corvo e, de dentro de sua bata, começaram a sair várias serpentes. Elas eram gigantes e ásperas e vinham em minha direção, chegaram a subir em cima de mim e andar por todo o meu corpo. Quando estavam quase entrando por baixo de minha camisola, eu consegui me mexer e gritar. Foi na hora que ele sumiu.

Nos calamos por um bom tempo. Precisava processar tudo aquilo. O terror e a seriedade aumentava a cada dia. Não era a casa. Não era a propriedade. Éramos nós. Era o Marcos. Não sabia mais o que fazer. Quando as esperanças de tudo acabar quase se esvaiam, eu olhava para meu filho, e nele encontrava toda a força e esperança que podia buscar. Eu só pedia forças a Jesus e Maria. Somente eles poderiam vir em meu auxílio.

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