A tempestade

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  O tempo mudou após aquela noite. As nuvens escuras não desvaneciam no céu da propriedade. Era como se o tempo tivesse parado para nós, mas somente para nós. A energia pesada piorou e acrescentado aos dias escuros, só fazia o medo ser constante. Tanto que minha mãe passou poucos dias conosco, e voltou logo a sua rotina normal. Arthur também voltou a trabalhar,mas como já havia planejado, contratou uma empregada para me ajudar com o bebê. 
  Martina já era uma senhora, mas não tão velha. Tinha estatura baixa e era muito religiosa. Se apegou muito ao Marcos, e dizia que ele tinha uma energia muito boa. Entretanto, Arthur e eu resolvemos não contar a ela sobre tudo que havia acontecido, para não espantá-la. Irene vinha nos visitar de vez em quando, mas teve que viajar para a Itália, à trabalho. Martina nunca foi muito com a cara dela. Minha mãe ligava diariamente. Sempre perguntava se os fenômenos estranhos cessaram e se o bebê estava bem. A preocupação dela me confortava.
  Tudo estava calmo, na verdade. Mas às vezes eu ainda conseguia ver aquela mulher de vestido branco no espelho, sempre segurando Marcos em seus braços. Ela nunca falava, nem se mexia, sempre olhando para mim, com o bebê em seu colo e seu sorriso perverso. Mas isso comparado às outras coisas, era pouco. Era como se eles estivessem dando uma pausa como dizem, antes da tempestade, vem a calmaria. Por isso, eu sempre evitava olhar em espelhos ou em janelas. Qualquer coisa que tivesse reflexo. 
  Tudo estava calmo, mas eu sentia como se aquelas coisas só estivessem invisíveis, mas continuassem ali. Marcos crescia alegre e feliz, sempre cheio de saúde. Conseguiamos dormir bem à noite e Marcos chorava menos, indicando seu crescimento. Às vezes íamos na cidade comer alguma coisa ou nos entreter, para sair da rotina e levantar o astral. Mas toda vez que eu passava na frente de alguma vitrine, conseguia vê-la com Marcos em seus braços e seus olhos vidrados em mim. A mulher de branco. Arthur sempre notava a minha expressão e perguntava o motivo de tal espanto. Mas eu sempre mudava de assunto e dizia que era bobeira minha. Às vezes, quando eu estava sozinha em algum cômodo, eu conseguia sentir alguém atrás de mim. Aquele peso em minhas costas, como se alguém estivesse agarrado ao meu corpo. 
  Comecei a ter anemia. Manchas roxas apareciam por todo meu corpo, principalmente em minhas pernas e braços. Minha medicação era forte, tanto que às vezes só tomava um comprimido por dia. Como eu era vegetariana, a ausência da carne começou a refletir em meu sangue. Às vezes, sem motivo algum, simplesmente saía da casa e corria até o lago e começava a chorar, como se eu precisasse daquilo. Me dava tanto alívio, mas tanto, que é como se um peso se esvaísse de mim. Quase peguei depressão. Toda manhã, olhava pela janela e ao ver o céu nublado, o desânimo repousava soberano. Eu não prestava mais atenção devida a Marcos, e Arthur começou a perceber. 
Ele sempre me deu todo apoio e entendia a situação. 
  Em uma noite de tempestade, enquanto todos estavam dormindo, acordei de repente. Olhei em volta e vi várias pessoas paradas em frente a minha cama. Eram várias, de todos os tipos. Mulheres, homens e crianças. Algumas estavam de preto, e outras de branco. Estavam paradas, vidradas em mim. Algumas eram deformadas, como se seus rostos tivesse sido machucados. Já outros eram bonitos, lindos, na verdade. Mas o jeito que olhavam para mim era totalmente assustador. Isso se repetiu por várias noites, e eu nunca dizia nada a Arthur, por um motivo que não lembro, afinal não ia adiantar. Mas eu só congelava na hora. Eles só ficavam lá, parados. Na noite. Na escuridão.
  Mas em uma noite, resolvi dormir preparada. Embaixo do lençol, depositei meu Rosário. No mesmo horário de sempre, às 3 horas da manhã, quando eles apareceram, puxei o terço e posicionei a minha frente. A partir daí, eu não me lembro direito. É um momento apagado da minha memória. Mas lembro que em um gesto, com minhas mãos, quebrei o Rosário, fazendo as contas rolarem pelo chão do quarto. Arthur acordou com o barulho das mesmas, e me flagrou segurando a cruz do terço, a única peça dele que restava em minha mão. Eu segurava tão forte que as veias saltavam de meus membros superiores, até minhas mãos sangrarem nas pontas da cruz.
  Entendemos que aquilo era mais sério do que imaginávamos, e começamos a buscar ajuda na igreja. Relatamos tudo o que havia ocorrido, porém, o padre falou que para um exorcismo ser executado, precisava de alguém mais superior e da aprovação do Vaticano. A casa ia ser o centro do exorcismo e nós iríamos receber a benção pela sua oração. 
  Aquela legião de seres continuou a aparecer em meu quarto. Mas depois de algumas noites, uma criatura a mais surgiu entre elas. Uma criatura encapuzada, com um manto vermelho-escarlate, se posicionava à frente delas, como seu soberano. De cabeça baixa, seu rosto era distinto. Mas ela sempre chegava depois, saindo de trás das outras. 
  As coisas eram tão intensas, que acho que se fizessem um exorcismo na propriedade, só funcionaria por um tempo. Afinal, o próprio Satanás disse que queria matar minha família. E não acho que o mal encarnado iria desistir tão fácil assim.

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