A criatura

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  Após a noite estressante que tivemos, dormimos com Marcos junto a nós, já que eu não me atrevia a deixar o bebê sozinho em seu quarto. O sol quase raiava quando pegamos no sono, mas eu não pensava em outra coisa, a não ser no perigo ao qual meu filho estava sujeito. Todas as vezes que fechava os olhos, a imagem do rosto pálido e sem vida da mulher de branco invadia minha cabeça. Mas depois de muito tempo deitada, consegui descansar por algumas horas. Quando acordei, graças ao choro de fome de Marcos, Arthur já havia saído para trabalhar. Desci até a cozinha, e fui preparar o mingau do bebê, que ficou sentado em sua cadeirinha perto do balcão, enquanto eu executava tal tarefa.
  A campainha tocou e fui atender a porta com a criança em meus braços, com receio pelo evento passado. Abrindo-a, vi que era uma mulher alta, de cabelos castanhos e soltos. Usava uns óculos escuros e um casaco verde.
  Era estranho, pois estava calor e não havia necessidade de usar tal acessório. Olhei para suas pernas e vi que estavam sujas, manchadas de algo parecendo terra, e eram tortas, fazendo a sujeita possuir um jeito estranho de ficar em pé. Seu rosto estava arranhado. Seus cabelos, um tanto assanhados, e ela parecia desnorteada.

  - Posso ajudar? - perguntei.
  A mulher cruzou os braços, e olhou em volta, atrás de si.
  - Eu acho que... eu sofri um acidente. - respondeu a mulher, com a voz esdrúxula e trêmula.
  - Meu Deus? Você está bem? Entre! Venha tomar um copo d'água. - convidei, abrindo ainda mais a porta, como forma de aceitar a sua presença.

  A mulher entrou com passos leves, difíceis. Fechei a porta e levei a "convidada" até a cozinha. A sujeita sentou em um dos bancos do balcão e bebeu a água oferecida por mim.

  - Seu bebê é lindo! - disse a mulher, ao olhar para o pequeno Marcos.
  - Obrigada! - respondi. - Como você chegou aqui? O que aconteceu?
  - Eu... eu não sei... eu vim andando pela floresta e encontrei sua casa. Lembro de me levantar na mata depois de meu marido capotar o carro no acostamento. Vi ele deitado no chão, totalmente mutilado pelo ocorrido. Tive que matar aquele filho da mãe depois de tudo.

  Gelei e a sensação de total pavor tomou conta. Pedi para repetir.

  - Sabe, eu sempre quis um bebê. Era meu sonho. Mas não queria um filho com ele. Meu marido era desprezível e não queria o divórcio. Ele fazia atrocidades comigo. Então, tive que me jogar em cima do volante enquanto ele dirigia para acabar de vez com meu casamento coagido. - a mulher levantou do banco devagar e caminhou, mancando, em direção ao bebê, que começou a chorar. Tirou os óculos escuros e revelou seus olhos totalmente negros e maliciosos. Ela sorriu com sua boca gigantesca que ia de orelha a orelha.
  - EU QUERO O SEU BEBÊ, SUA VADIA ESTÚPIDA!  - disse com voz gutural.

  Entortou o pescoço, fazendo seus ossos estalarem, magoando uma ferida aberta atrás de sua cabeça, fazendo um fluxo de sangue jorrar atrás de seu crânio. O sangue caía por todo o chão fazendo o piso parecer uma cena de crime. Ela dava gargalhadas altas e andava em direção a mim que, agora com Marcos em meu colo, buscava correr o mais depressa possível. Enquanto a mulher andava, os ossos de suas pernas estalavam e esticavam pouco a pouco, até ela virar uma criatura alta e horrenda coberta de sangue e de olhos totalmente pretos. Eu gritava cada vez mais alto, esperando alguém vir a meu auxílio. Tentava pensar em orações ou em algo religioso, mas a criatura avançava em minha direção, enquanto dizia coisas horríveis que não há necessidade de citar aqui. Corri até o andar de cima e me tranquei no quarto do bebê. Passos pesados e lentos podiam ser ouvidos vindo da escada, antes de cessar. O silêncio era perturbador, mas ao mesmo tempo, confortante. Respirei fundo, e ao me virar para trás, vi a criatura dentro do berço vazio de Marcos. Estava sorrindo, de cócoras dentro da pequena cama. Minha cabeça começou a latejar e, gritando alto e estridente, abri a porta rapidamente e desci as escadas, quase tropeçando de tão nervosa. Marcos já estava praticamente rouco de tanto gritar. Saí pela porta da frente aos berros e dei de cara com Arthur que também vinha correndo ao ouvir meus gritos. Arthur pegou o bebê, que tremia de medo e não parava de chorar, em seu colo e me abraçou. Contei o que havia ocorrido e mostrei o sangue no chão da cozinha. Meu marido achou melhor irmos para a casa da minha mãe, na cidade, onde não ficaríamos sozinhos, mas seguros, e onde não poderíamos receber qualquer "visita" inesperada.

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