Barão.
-Nando, tu já mandou levar a cesta básica e os produto de limpeza na casa daquela dona lá ?-perguntei olhando pro dinheiro que eu tava contando.
-Todo mês eu mando sem falta, essa foi a ordem-sentou na minha frente
-Passa o dinheiro da fisioterapia pra tua mãe e manda o dinheiro do jumbo pra Tainá-dei os dois bolinhos de dinheiro pra ele
-Tu sabe que TT acha que quem manda esse dinheiro sou eu né ?
-Tô ciente-balancei a cabeça e ele saiu-Nando-chamei-fica com teu filho em casa hoje, Gaspar vai cobrir pra tu.
Desenho tava parado na porta e Gaspar entrou.
-Barão tem uma pessoa te procurando lá embaixo, acho que é tua mãe-falou
-Se for Aurora, fala que eu fui pro inferno e tô lá queimando, do jeito que eu gosto-respondi.
Passou nem 5 minutos e Gaspar voltou.
-Ela falou que é um assunto muito sério, e que ela precisa falar agora porque tá sem tempo e amanhã vai viajar, falou que é papo de vida ou morte.
-Manda morrer.
Mandei Desenho ficar lá embaixo e não deixar ninguém entrar pra falar comigo, peguei uma sacolinha dentro de um tijolo e peguei o prato.
Meti a mão no bolso e tirei uma nota de cem, abri o pino e coloquei no prato, ajeitei as carreiras e mandei pra mente.
Fechei o olho e balancei a cabeça, sentei na cadeira e cheirei as outras carreiras uma atrás da outra. Pensei no Nando, sempre foi meu irmão, meu fiel ! Depois que Maria Clara perdeu meu filho eu parei mais pra analisar a situação do Nando, ele perde muito do crescimento do filho dele pra me fortalecer, deixa Elida em casa com o moleque e tem vez que vira a madrugada e o dia todo aqui, de plantão, querendo dar uma vida melhor pro filho dele.
Eu tô fazendo por ele, oque eu tenho certeza que ele faria por mim, porque ele fez ! Quando Maria tava grávida foi a época que ninguém nem reconhecia o Nando, pisava poucas vezes em casa, quando ele tava em casa e tu procurava, Elida sempre falava que ele tava dormindo. Eu quis ser presente pra Maria e Nando deixou de ver as pequenas fases do filho dele, pra eu poder ver o meu crescer na barriga.
Por muito tempo eu perguntei onde eu tinha errado, perguntei pro tal Deus de promessas, pro tal médico dos médicos, mas eu não fui digno de um tempo dele, não tive uma resposta.
Eu percebi que o erro sempre fui eu, eu nasci errado, eu nasci amaldiçoado. Falar pra tu, eu odeio meu nome, odeio que me chama por ele, pra mim chega a ser uma piada, o significado não me representa em nada.
Eu lembro vagamente as vezes de quando eu era novo, Aurora adorava me contar o significado do meu nome, falando que eu era o sol, que era luz, e foi a primeira a me amaldiçoar ao inferno, foi a primeira a me condenar a ser carregado pelo diabo, a ser atormentado.
Agora ela vem atrás de mim, como se nada tivesse acontecido e ela fosse uma pobre pessoa. E ela engana muita gente ! Muito otário que acredita na pose da pobre coitada.
Não me machuca diretamente oque ela fez comigo, oque ela me desejou, eu sempre consegui me virar sozinho. Mas me enche de ódio oque ela fez pra Haidê, quando minha mãe foi embora de casa Haidê era só uma criança, uma criança traumatizada, uma criança completamente ferida. Ela levou Haidê pra morar com ela no asfalto por luxo, por orgulho e pra atingir meu pai. Porque passou a deixar Haidê com a empregada e passar noites fora, do emprego pra farra e Haidê sendo criada pela faxineira.
Haidê não falava com ninguém, Tainá tentou, Dafne tentou, ela sempre escondeu tudo que sentia, isso que sempre me adoeceu. Eu escutei atrás da porta uma vez, uma única vez, ela falando pro TT, falando o quanto doía, o quanto machucava ela todos os dias aquilo. Cada soluço que eu escutei me fez voltar naquele dia, nas manchas de sangue, no choro descontrolado.
Haidê se obrigou a seguir a vida, ela sempre achou que se ela sentisse muito por aquilo, ela iria atrapalhar meu pai e me atrapalhar. Haidê sempre quis ser independente, ir e vir sozinha, se envolver com as pessoas. Eu sempre soube que ela tinha atropelado o sofrimento, Haidê nunca tocou nesse assunto comigo e com ninguém, ela não fala sobre no dia a dia dela, parece que nunca aconteceu.
Eu sempre quis proteger ela, mas chegou um tempo que eu perdi esse poder, que ela virou mulher aos olhos das pessoas. Mas aos meus olhos Haidê sempre vai ser uma menina, dos olhos enormes e dos dois dentes da frente separadinhos, a menina que eu vi crescer.
Mesmo que ela tenha usado aparelho, mudado o cabelo, a forma de ser e de falar. Ela pode crescer e envelhecer, que quando eu olhar pra ela eu sempre vou ver aquela criança. Quando Brenda apareceu, eu nunca quis assumir, mas foi a melhor coisa pra Haidê.
Brenda ensinou ela a ser mulher, ensinou as coisas que eu e meu pai não sabia ensinar, comprava roupa, arrumava cabelo, Brenda fazia as vontades de Haidê quando era mais nova, de ir pras festinhas de escola. Falava que ela tinha que levar o bolo de última hora e Brenda saía igual maluca na rua tentando encomendar.
Depois de um tempo Aurora voltou, passou a mão em Haidê e levou de novo pro asfalto, bateu no peito que era mãe. Abandonou mais uma vez, Haidê passava mais tempo com a faxineira da casa do que com Aurora. Tudo igual.
Uma carreira atrás da outra iam desaparecendo do prato, um pino atrás do outro caindo no chão.
-Gaspar-chamei-fala pra Maria Clara que hoje eu não vou voltar pra casa.
Hoje eu quero sentir, sentir a culpa. Eu culpo muito Aurora, mas eu me sinto igual a ela, se eu não saísse aquele dia, se eu cuidasse mais dos meus como eu bato no peito pra falar, Haidê teria crescido com memórias de uma criança normal.
Não sei vocês, mas eu fico muito angustiada escrevendo os capítulos do Barão, fico com tanta dó do meu bebê.
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Juízo Final. (Livro 3)
Non-Fiction+18I Neurose é contra a fé, só Deus é o sublime, caí na vida errada e te apresento o crime.