21. Razões

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20 de Julho de 1969

Por muito tempo Seokjin chegou a acreditar que realmente existia a possibilidade de ser diferente, de se reconfigurar. Percebeu tarde demais que não importava o quanto se esforçasse, continuaria sendo o mesmo. Ainda que gastasse toda a vida se dedicando a atingir expectativas, sua essência era imutável. Não poderia fugir de si mesmo.

O chefe do escritório, o pai dedicado, o marido perfeito, uma farsa totalmente moldada para se encaixar. Assim como também foi a criança obediente, o adolecente resguardado, o jovem promissor, cercado de rótulos desde que se entendia por gente. No final das contas, de que valia tanto esforço? Acabaria morto como qualquer outro, tendo seu corpo fatigado comido por vermes, sua carne podre sendo decomposta pelo tempo. Morrer sem ter vivido e viver esperando a morte. Uma pena perpétua pelo crime de simplesmente existir.

As lembranças mais distantes que possuía era uma infância cercada de incertezas e obscuridades, de ser um menino tímido e triste pela ausência de uma pai que só pôde conhecer por fotografias e histórias. A mãe viúva abalada pelo desespero  de ter que dar conta de tudo sozinha, vivia ocupada demais lutando contra os próprios demônios para se preocupar em criar laços com o menino. Até o dia que ela conheceu Nikolaj, o homem do açougue, e viu no casamento uma oportunidade de vida. Precisava de um homem que gerisse a casa e servisse de figura de referência para o filho, era assim que  pensava.

Na imaginação infantil de Seokjin, Nikolaj era o monstro que vivia debaixo da cama e que decidiu sair do mundo encantado para fazer o mal a ele. Conforme foi crescendo, se deu conta de que estava perfeitamente correto nessa percepção. O padrasto era um homem rude, conservador, rígido, queria que o menino fosse, como ele mesmo dizia, “um homem de verdade”. Impunha a ele uma série de regras que se não fossem seguidas à risca seriam punidas com castigos físicos e humilhações. Tentava controlar seus “trejeitos”, a forma como deveria se vestir e arrumar o cabelo, como deveria se comportar, como deveria falar, os amigos que poderia ter, os sonhos que poderia almejar. Frequentar a igreja todos os domingos, fazer orações todas as noites, pedir desculpas a Deus por seu jeito, seguir à tradição.

A tortura psicológica que sofreu desde a infância foi ignorada pela mãe, que parecia concordar ou pelo menos preferia se omitir. Jin deu todo o sangue para conseguir ser pelo menos um pouco daquilo que eles queriam, mas nada parecia ser suficiente. A primeira vez que beijou um garoto se sentiu tão sujo e desprezível que implorou a Deus que o curasse. Não havia cura para o que não é uma doença, mas isso ele só aprenderia mais tarde. Mesmo que tentasse resistir, inevitavelmente acabou se envolvendo com outros rapazes até desistir da própria salvação. Se aquilo era pecado, preferia mesmo queimar no fogo do inferno.

E seguia levando sua dupla personalidade até o fatídico dia em que chegou em casa à noite depois da faculdade e do trabalho de meio período e encontrou a mãe e o padrasto o aguardando  na sala. Seokjin nunca conseguiu saber como eles descobriram, mas foi questionado sobre ser visto beijando uma rapaz dentro de um carro. Foi impossível negar, as palavras de Nikolaj rastejaram como uma serpente e o enforcaram antes que tivesse a oportunidade de mentir. A princípio ele ficou em silêncio, Jin até mesmo cogitou que haveria alguma chance de ser aceito. Não foi o caso.

Na manhã seguinte tinha encontro marcado com um grupo da igreja que acreditava que a homossexualidade era uma patologia reversível, apenas precisava ser tratada. Pelos dois anos que se seguiram compareceu aos encontros semanais com essas pessoas, foi benzido inúmeras vezes, ouviu diversos aconselhamentos e análises bíblicas, foi obrigado a fingir atração por fotografias de mulheres nuas, mentiu diversas vezes sobre os próprios sentimentos, foi humilhado e ridicularizado, até mesmo passou pelo tratamento com choque. Essa era a cura, afinal. E a cada sessão sem progresso Seokjin se sentia pior.

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