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Todos se impressionaram com meu novo visual. O cabelo louro agora batia no ombro, a cor parecia mais viva, e até meus olhos mais azuis. A cabeça mais leve, eu parecia outra pessoa. E amava isso.

— VOCÊ O QUE?

A voz esganiçada de Anaita se elevou pela sala, antes que ela realmente visse o trabalho de Azazel em meu cabelo. Mas não dava pra julgar sua reação, pois Azazel simplesmente entrou pela sala, e anunciou a todos os nossos amigos: " Eu cortei o cabelo de Sophia fora. ". E sem ter me visto, era de se esperar que se assustassem. Metatorn e Cassiade também começaram a questionar Azazel, e por isso decidi descer as escadas até a sala. Determinada, ignorei os olhares ao meu redor até estar no centro do ambiente, de frente para os três no sofá, ao lado de Azazel.

— Ah céus.

A surpresa de Anaita permaneceu, mas parecia diferente. Agora ela parecia, além de surpresa, impressionada. O queixo de Metatorn caiu, e as sobrancelhas de Cassiade se ergueram. E pela primeira vez em muito tempo, sem quilos de maquiagem, me senti linda. Arrisquei um olhar para o lado, o que fez meu coração quase saltar pela boca, porque Azazel estava me olhando. Desviei o rosto quase instantaneamente, sentindo minhas bochechas corarem.

— Preciso admitir, ficou muito linda.

Metatorn passou os dedos pelo cabelo escuro e soltou o ar que segurava em seus pulmões. Parecia verdadeiramente fascinado. Juntei coragem e agradeci o elogio, sem saber ao certo como me sentia em relação a ele. Minha irmã havia morrido por consequência de seus atos, não havia sido assassinato. De alguma forma eu consegui entender isso, mas de forma alguma apagava o jeito como ele simplesmente... esqueceu o ocorrido. Ele nem sequer se desculpou. Apenas apareceu na escola, quando voltei semanas depois, e sorriu para todos naturalmente. Meus olhos inchados pelas lágrimas se semicerraram para ele, mas Metatorn ignorou. Me lembro nitidamente como se fosse ontem, do desprezo em sua face. Algum dia eu conseguiria entender? Como alguém assim teria pesadelos com seus erros?

Após conversa e uma janta adequada, tirei o tempo para mim. Deixei meus amigos reunidos na cozinha, e me afastei até o andar de cima. O quarto que eu dividiria com Anaita, tinha uma grande varanda. Foi pra lá que corri, na direção do vento que soprava meus cabelos curtos. Apoiei os antebraços na borda de madeira, fechando os olhos para o tento frio. Deixei que minha imaginação fluísse debaixo das estrelas, mas passos hesitantes me tiraram do transe. Não precisei me virar na direção do homem que caminhava até mim, descobri quem era em poucos passos. Não eram passos pesados como os de Azazel, muito menos decididos como os de Cassiade, passos de um líder. Eram passos de um filhote assustado, um garoto indeciso sobre o que deveria mostrar ao mundo. Metatorn.

— O que faz aqui?

Ele se recostou de costas para o apoio da varanda, olhando para o céu demoradamente. Depois de um longo suspiro, fechou os olhos como eu estava antes. Mas eu simplesmente não conseguia confiar nele, para repetir o gesto.

— Acho que nunca pedi perdão. Por tudo.

Senti meu corpo relaxar, apenas um pouco. Porque uma parte de mim achava estranha a forma como Metatorn sempre sabia o que dizer.

— Quero ouvir.— Metatorn abriu os olhos diante de minha resposta. Até mesmo eu me impressionei por minha decisão— Quero que me conte exatamente como foi chegar em casa depois daquele dia.

Metatorn respirou fundo, então seus olhos verdes penetraram fortemente os meus. E alguma parte sombria da minha mente, amou aquilo. Após umedecer os lábios algumas vezes, e engolir em seco, ele começou.

— Eu saí correndo, para buscar ajuda. Sabia que não conseguiríamos tirar ela do lago, porque seu corpo estava longe demais da borda. Corri até minha casa, e encontrei meu pai, que havia acabado de chegar do trabalho no escritório.

Me impressionei com o começo do relato. A casa de Metatorn ficava muito longe do lago, qualquer pessoa normal teria corrido para algum lugar mais próximo. O pai dele trabalhava como médico em um consultório famoso, então a mansão deles ficava bem acima de um monte. Apenas subir aquilo levava dois pulmões como preço.

— Quando contei a ele o que havia feito, ele surtou. Então me bateu, me jogou na direção da cristaleira nova da minha mãe, e só parou de me socar quando prometi não manchar sua honra.

Honra. Metatorn praticamente cuspiu a palavra. Ele já não olhava para mim desde o início da história, mas naquele instante, senti que não olhava para nada além do passado.

— Minha mãe gritava e chorava, dizia que Ariel precisava de justiça ou pelo menos uma compensação em dinheiro. Eu disse que pediria perdão, que tentaria reparar meu erro. Mas meu pai me bateu até que eu jurasse por minha vida, nunca mais tocar naquele assunto. Nem para me desculpar.

Pequenas lágrimas se acumulavam no canto dos olhos de Metatorn, suas bochechas coradas de frio pareciam tentadoras ao toque. E de repente eu só queria abraçá-lo. Aquele garoto tão confuso e recluso, que eu havia odiado tanto. Metatorn, talvez não fosse tão horrível quanto eu havia previsto.

— Eu tive que me afastar de vocês, porque ver a dor que eu havia causado... era demais pra mim. Eu não podia. Então decidi esperar meu pai morrer para oferecer minha vida em troca, assim eu morreria sabendo que minha mãe não corre riscos.

Meu coração se aqueceu completamente. Esperar para me contar, e ser odiado, não tinha nada a ver com o medo da morte para si, mas o medo de que sua mãe fosse punida pela honra manchada do pai. Ignorei todos os velhos hábitos, e os instintos que me mandavam correr de Metatorn, e me afastei do apoio da varanda devagar. Com passos lentos, me coloquei bem de frente para o anjo. E sem me dar muito tempo para pensar sobre e desistir, passei meus braços ao redor de sua cintura, e o apertei contra mim. No momento em que ele retribuiu o abraço, pude sentir suas lágrimas caindo em minha cabeça, seu corpo cedendo aos soluços.

— Me desculpa Sophia, por favor.

Apertei seu tronco contra mim, e entendi. Ali eu entendi o quão dilacerado ele estava. Talvez mais que eu. Entendi e decidi, decidi que o perdoava.

— Não foi sua culpa. Eu perdôo você Metatorn.

Lágrimas por asasOnde histórias criam vida. Descubra agora