Sentia minha mente vagar enquanto alisava a toalha fina da mesa à minha frente, com detalhes rendados realmente muito bonitos. Um cardápio fino de plástico foi colocado em minhas mãos, mas estranhamente não continha os preços. Respirei fundo e tentei escolher a coisa mais barata entre os pratos de nomes complicados, mas no fim, nunca saberia quanto Cassiade iria pagar. Nunca gostei muito da ideia de deixar as pessoas me pagarem as coisas. Até os vinte anos não podemos ter empregos, então literalmente nunca tive dinheiro, a não ser o da minha mãe. Me irrita ser totalmente dependente com plenos dezenove anos de idade.
— Minha cerimônia é em junho, quero todos vocês lá.
Ana comenta depois que saímos alimentados do restaurante. Segundo Cass, o movimento na editora está baixo, então passaremos a tarde passeando pelas praças entre conversas.
— Para vermos você ser banida?
Azazel a provoca, mas sua voz é dura demais para um tom de brincadeira. Esse garoto não percebe o quanto fere pessoas? Lanço um olhar de compaixão para minha nova amiga, mas ela não parece ter se incomodado com a alfinetada do inconveniente. Eu sigo os três de volta ao carro, que é dirigido por Cassiade até seu prédio charmoso.
Assim que descemos, Azazel se separa, caminha até um dos elevadores do prédio e se enfia rapidamente. Quando as portas se fecham à sua frente, Cass se vira abruptamente, lançando um farfalhar de penas em minha direção. Os padrões das penas de um anjo são extremamente pessoais, como digitais. Ninguém tem igual. Tanto o formato quanto a quantidade de penas. É perceptível quando um anjo utiliza suas asas para voos frequentes, a base se torna mais grossa e a constante circulação sanguínea faz com que cresçam mais penas. Existem anjos com asas completamente murchas, que se contentam em apenas usar seu prêmio para conquistar uma vida boa. Azazel parece usar bastante suas asas, enquanto Cass parece estar no meio-termo.
— Então querida Sophi, gostaria de trabalhar aqui?
Minha mente está tão imersa em asas e padrões de penas, que levo alguns segundos para processar a pergunta de Cassiade. E quando finalmente entendo, minha mente parece virar ainda mais com a possibilidade. Entrar na faculdade com um estágio certo é... sorte demais. Mais do que a maioria dos filhinhos de papai tem.
— Minha cerimônia é só daqui dez meses... eu não sei se...
— Deveria aceitar? Eu entendo. Mas pensa sobre está bem? Daqui dez meses a proposta ainda estará de pé.
Anaita, que havia se metido em algum lugar durante minha conversa com seu primo, retorna, alegando que precisamos voltar às compras para a noite especial de hoje. Apenas concordo em segui-la, mesmo sabendo que não encontrarei nada de interessante nos cabides de loja alguma.
E como esperado, minha tarde se resumiu em ver Ana escolhendo roupas, bolsas e sapatos. Foi até divertido. Ou teria sido, se meu estômago não se embrulhasse a cada vez em que eu me lembrava de como o destino de meu irmão seria escolhido no final da tarde. O horário se aproximava, e minha mente tentava me auto reconfortar, com justificativas cada vez mais tolas. Ele é inteligente, tem um bom coração, e seu físico é ótimo. As costas são largas, então vão caber asas lindas. Se ele passar, não , quando ele passar, vai ter um apartamento alto com janelas grandes, pra poder treinar o voo sempre que sair de casa. E eu vou estar lá. Me mudarei com ele, porque esse é nosso trato.
Voltamos bem cedo para a praça, Ana se concentra em escolher quatro lugares bem na frente. Me sentei ao seu lado, colocando uma das sacolas de Anaita do outro, ao ver que ela fez o mesmo com o espaço vago ao seu lado. Fico torcendo mentalmente para que seja Azazel a sentar ao seu lado, e não Cassiade. O segundo é menos bruto e mais legal. Não suporto ficar perto daquele loiro convencido metido à mau garoto.
O lugar começa a lotar. As cadeiras de plástico estão cobertas por tecidos brancos, familiares e amigos dos candidatos tomam seus lugares, alguns encolhendo as asas para que pessoas mais no fundo consigam enxergar. Não vejo ninguém mais velho que eu sem asas, já que esse é um dos privilégios que não anjos não podem ter... ver a cerimônia. Reconheço alguns amigos antigos de classe, meus vizinhos gêmeos e a antiga paixão de meu irmão se sentarem não muito longe.
A cortina que esconde o palco se abre, revelando uma fileira quase inteira de garotos, com apenas algumas meninas aqui e ali. Azazel e Cassiade chegam no exato momento em que o rei sobe ao palco, para proferir as palavras tão conhecidas por todos nós.
— É um dia de alegria e pesar, de riqueza e pobreza, mas nos concentremos no que é bom.
Azazel imita o rei conforme retira a sacola de Ana do assento ao meu lado. E antes que eu possa impedir, ele se senta bem ali. Por algum motivo idiota e inexplicável, meu corpo se arrepia todos resposta. Sinto vontade de socar meu próprio estômago, mas me contenho quando percebo o movimento no palco. Um outro homem assumiu a palavra, e agora chama um por um dos candidatos para dizer: aprovado. Ou reprovado. Estamos na letra A. Abbadon é o segundo, depois de uma garota chamada Abalina. Meu coração vai até a boca e volta. Apesar da certeza de que Abbadon consegue. Ele pode fazer isso, pode passar.
— Abbadon Asher Ayerisher.
Meu irmão se levanta. Lindo, e bem alinhado em seu novo terno, a gravata reta exibindo um ar extremo de beleza. Meu peito se infla de orgulho quando nossos olhares se cruzam. Ele da um passo. E mais um. E a cada segundo sinto seu futuro perfeito e bem planejado, cada passo bem traçado para o melhor de sua vida. Ele da vários passos até atravessar completamente o palco, até estar a apenas poucos passos do homem que segura o microfone.
— Reprovado.
Mal percebo quando me levando pela cadeira. Meu irmão é agarrado por dois anjos com asas exuberantes, levado pelos céus com rapidez. Mas antes de voar, seus olhos cheios de lágrimas, surpresa e súplica encontramos meus, e suas palavras se tornam um soco em minha alma:
— Voe por mim.
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Lágrimas por asas
RomanceSophia, é uma garota doce e esforçada. Presa em um mundo onde seu destino é decidido após os vinte anos, tudo o que ela faz é garantir que pode passar no grande teste, para ganhar um par de asas e manter uma vida estável sem miséria. Mas esse pensam...