Foi a coisa mais estranha que já fiz. Observar enquanto Azazel se levantava silenciosamente, dando lugar para Metatorn entrar. Meu coração se contorcia e retumbava dentro do peito, mas eu dizia a mim mesma que não havia nada que eu pudesse fazer. Ele havia escolhido aquilo, e eu não ficaria com cara de boba esperando ele voltar. Não ficaria sentada, chorosa em um canto enquanto ele decidia se me dava ou não uma chance. Tinha tanto direito de me divertir quanto ele, e como eu já havia constatado, Metatorn não era de se jogar fora.
Quando se cruzaram no local onde o corredor começava, Azazel e Metatorn trocaram um olhar tão intenso e indecifrável, que parte de mim queria arrastar os dois comigo. Uma parte egoísta de mim, queria que ambos fossem meus. Mas eu sabia que nesse mundo, ou pelo menos nessa situação, isso não seria possível.
— O que eu ouvi... é verdade?
Estiquei o pescoço na direção do corredor, só para ter certeza de que Azazel já estava longe o suficiente para não nos ouvir. Então decidi ser sincera.
— Na verdade... eu quero ser totalmente transparente e sincera com você. Eu não sei o que sinto em relação a Azazel, mas quero ele. E quando olho pra você... eu quero também. Mas de formas diferentes, com intensidades diferentes. Eu não sei o que fazer, e não quero te transformar em segunda opção, mas agora eu disse isso pra ele e eu não sei o que...
Em um movimento repentino, mais rápido do que eu jamais poderia esperar, Metatorn agarrou meu pescoço com só uma das mãos, e me puxou para si. Mas ao contrário do que eu imaginei, sua boca não foi de encontro com a minha, mas à minha testa. Isso foi o suficiente para me calar. Foi o suficiente para me fazer estremecer em seus braços, me perguntando o quão fácil seria me apaixonar por ele. Minha mente era um turbilhão, entre razão e emoção. A decisão certa eu sabia, mas por que não conseguia escolhê-lo?
— Não precisa escolher agora. Podemos ficar juntos, só pra ver como ele reage. Não me importo de ser segunda opção Sophi, não espero me casar com você. Não depois do que eu fiz.
Eu queria dizer a ele que isso não influenciava em minha decisão, porque de fato não o fez. Mas a resposta era a mesma. Eu não conseguia imaginar uma vida com Metatorn, apesar de conseguir com Azazel, um anjo que eu conhecia a muito menos tempo.
E como o estalar de uma lâmpada, algo me ocorreu. Uma ideia surgiu de minha mente perturbada, uma solução provável. Eu poderia fingir um relacionamento com Metatorn, observar a reação de Azazel, mas ao mesmo tempo, usar a falsa aproximação para obrigar meu coração a amá-lo. Além de tudo, era só uma ideia. Em poucas horas eu poderia ter meu irmão de volta, e a presença dele poderia mudar tudo. Mas ainda assim, eu precisava tentar. Porque por algum motivo, depois daquele beijo com Azazel, a ideia de ficar só, me assombrava.
— Bom...
Ao ver a apreensão em meus olhos, Metatorn segurou meus dois ombros com firmeza, e com um tom terno de voz, praticamente me obrigou a encará-lo.
— Não precisa fazer nada Sophi. Eu nunca te tocaria sem sua permissão.
Balançando a cabeça, eu assenti devagar. O sorriso brando em seu rosto quase me fez desabar de alívio. Metatorn me envolveu em um abraço, quebrando assim qualquer barreira que a morte de minha irmã pudesse ter colocado entre nós. Uma amizade poderia se iniciar.
Durante o resto da tarde, me mantive longe do alcance de Azazel e seu olhar fulminante. Metatorn só saiu de nosso pequeno refúgio, para pegar a última refeição antes de sermos jogados ao porto. Ele ainda me explicava sobre nosso método de pegar dois não-anjos sem chamar a atenção, quando o barco atracou no imenso píer de madeira. Foi tão perfeitamente, que só notei quando os gritos de ordens saíram pela boca do capitão. Metatorn agarrou meu braço, e me ajudou a correr para fora do barco o mais rápido possível. Não tínhamos certeza de quando o governo se daria conta de que não havíamos sido esmagados no desabamento do salão, mas precisávamos evitar ser vistos. Nossas asas eram um meio de evitar que não reparassem em nossa presença, mas as tatuagens e piercings de Azazel, eram como faróis apontando em nossa direção. O cabelo estranho e a falta de roupa de Gandallia e seus amigos também.
— Vamos nos separar.
Declarei antes que desse o quinto passo para longe do barco, já prevendo o que aconteceria a seguir. Já sabíamos onde deveríamos nos encontrar com nossos irmãos, meu estômago se revirava a cada segundo só de imaginar isso. Mas guardas de olho em nós ao sair do estabelecimento, não seria bom.
— O que está sugerindo?
A voz de Azazel era um pouco mais que um grunhido, os punhos estavam tão fechados, que os nós dos dedos estavam brancos.
— Você chama a atenção. Então eu e Metatorn iremos por um lado, e você e a garota pelo outro. Se perceberem que estão sendo seguidos, mudem o curso e esperem que eu e Metatorn buscamos nossos irmãos, e depois vocês.
— Você só pode estar louca.
Ergui uma sobrancelha para Azazel, cujo pescoço exibia uma extensa veia pulsante de raiva, como se sua corrente sanguínea fervesse.
— Eu vou com você. Metatorn com Gandallia. Não podem seguir os dois, terão de escolher um. Além disso, não servirei de isca certa.
Abri a boca para argumentar, mas Azazel estava irredutível. Com uma determinação de ferro, ele agarrou meu pulso, e me puxou pelas ruas irregulares de paralelepípedo da cidade, deixando os outros sem olhar para trás. E não me soltou, até que já estivéssemos de frente para a porta azul da peixaria indicada, com a certeza de que não havíamos sido seguidos. Seu corpo tremia. Os olhos do anjo, agora eram cinza e nebulosos novamente. Algo em mim, se agitou ao perceber que talvez eu também me sentisse assim. Cinza. Com medo do que poderia nos aguardar atrás daquela porta. Com a mão trêmula, Azazel abriu a maçaneta. E ao contrário do que pensei, não era um exército armado com rifles apontando para nossos corpos que encontramos, mas algo muito pior. A carcaça de homens maravilhosos, com olhos mortos e dominados de escuridão.
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Lágrimas por asas
RomanceSophia, é uma garota doce e esforçada. Presa em um mundo onde seu destino é decidido após os vinte anos, tudo o que ela faz é garantir que pode passar no grande teste, para ganhar um par de asas e manter uma vida estável sem miséria. Mas esse pensam...