— Eu sei sobre o movimento, desde que me localizaram, alguns meses atrás. Mas quando me contaram sobre os outros possíveis descendentes do rei, os reconheci imediatamente. E na época, dois deles haviam morrido. O terceiro foi assassinado a poucos dias, com nenhuma desculpa plausível.
— Minha teoria, — Abbadon deu um passo à frente— é que o governo percebeu quem está sumindo, descobriu o que estamos tentando fazer. E se assassinarem todos os, nenhum sacrifício será feito.
Azazel concordou. Me sentei na beira do colchão fino em que haviam me colocado, e cruzei as pernas, de costas para Azazel. Todos eles imitaram o movimento. Meu irmão havia trocado de roupa, Theliel também. Já não vestiam roupas que cobriam os braços, revelando tatuagens negras em ambos os corpos, fazendo por debaixo das mangas curtas.
— Metatorn é um dos sacrifícios.
Azazel estremeceu ao meu lado quando pronunciei o nome, mas eu estava concentrada demais em meu irmão para reagir a isso.
— Sério? E você o perdoou?
Semicerrei os olhos para Abbadon, o homem que odiava Metatorn tanto quanto eu. Algo de muito estranho estava diferente, não só em seus braços tatuados, mas em sua mente mudada.
— Sim. E você?
Abbadon abriu a boca para falar algo, mas parou quando passos indicavam uma aproximação externa. O som das botas grossas de Metatorn batendo contra o piso grosso de madeira, fez minha coluna se endireitar automaticamente. Seu corpo, se aproximando por trás, por algum motivo fez o meu se aproximar ainda mais do de Azazel.
— Quanto tempo. Abbadon.
Antes que qualquer um de nós pudesse perceber o movimento, os pés do meu irmão já estavam fora do chão. Seu punho fechado na direção do rosto atônito de Metatorn. Abbadon voou na direção do anjo indefeso, e os dois de repente se tornaram um emaranhado de pernas, asas e socos. Rolaram pelo navio, revezando sobre quem socava quem, apesar de Metatorn claramente apenas tentar se defender.
— Parem! — Gritei.
Mas eles não me escutaram. Avancei na direção de ambos, mas o braço firme de Azazel envolveu minha cintura, erguendo meus pés do chão.
— Me solte! Parem!
Me debati contra os braços fortes de Azazel, mas ele não cedeu o aperto nem por um segundo.
— ABBADON!
Meu grito desesperado pareceu tirar meu irmão do transe. Ele parou de socar Metatorn, que defendia o rosto com as mãos erguidas, as palmas viradas para cima. Quando Azazel me soltou, corri até o anjo estirado no chão, manchado pelo próprio sangue que escorria pelo nariz. Me joguei de joelhos ao seu lado, e ergui sua cabeça na direção do meu colo.
— Você está bem? Deixe-me ver isso.
Ele tinha um imenso corte no lábio inferior, o olho e todo o lado direito de seu rosto começava a inchar. O nariz sangrava, e vasos estourados se espalhavam pela parte branca de seus olhos.
— Qual é o seu problema? Por que me segurou?
Virei a cabeça na direção de Azazel, furiosa demais para me concentrar totalmente em Metatorn. Mas ele se levantou, e se colocou de pé. Eu o acompanhei em cada movimento, me colocando ao seu lado como apoio. Mas assim que toquei a elevação que havia visto em sua camiseta, um grito agonizante de dor escapou por seus lábios. Sem pedir autorização, levantei sua camisa, e o choque quase me derrubou. Havia um imenso hematoma na extensão de suas costelas, quase negro de tão roxo. Estava inchado, nitidamente fraturado, muito mal.
— Eu não podia deixar você se meter.
O olhar de Azazel era petrificador, mas Abbadon não escaparia de meu julgamento.
— Poderia ter matado ele Abbadon.
— Era esse o meu objetivo.
— Aumentar as chances de um de nós ser jogado para a morte também era?
Não precisei explicar a frase, Abbadon havia me entendido. Se os outros herdeiros do rei estavam mortos, isso significava que um de nós cinco teria que ser o sacrifício. E eu já imaginava, que na cabeça de Abbadon seria Metatorn. Porque ele jamais entregaria o melhor amigo ou a irmã, ou até mesmo o irmão do melhor amigo. Mas o homem que ele pensava ser o assassino de sua irmã... eu acho que ele já havia se decidido.
Com a fúria instalada em meu peito, pedi que Metatorn se apoiasse em mim. E com passos vagarosos, o guiei até seu quarto no corredor de cabines do barco. Eu não me importava se teria que dividir o quarto com dois homens, não podia deixar Metatorn sozinho. Descemos as escadas com dificuldade, e andamos com calma até a porta de sua cabine. Suor escorria por sua testa, mas não cedi, até que Metatorn estivesse devidamente posicionado no colchão de sua cama provisória.
Corri os dedos por sua testa, afastando os fios negros de seu cabelo, molhados pelo suor. E então arrisquei um olhar na direção de suas costelas. Parecia impossivelmente mais inchado que segundos atrás, como se uma segunda cabeça fosse nascer dali. Calculei na mente o tempo que levaria para chegar de volta à base, e o quanto Metatorn poderia durar assim. O frio provavelmente ajudaria na dor, mas é se tornasse a ferida irreversível? A preocupação foi maior que meu pensamento lógico, e com medo de arruinar de vez qualquer chance de sair sem sequelas, busquei ajuda. De Gandallia. Corri para fora do quarto, feliz ao perceber que nenhum dos garotos havia me seguido, e procurei a selvagem descabelada pela parte de cima do barco. Não era um barco extenso, então levou apenas cinco segundos para que eu a avistasse, agarrada ao desconfortável Theliel, enquanto ele tentava manter a calma.
— Gandallia, preciso de ajuda.
Não sabia o motivo que me levou a recorrer à ela, mas meu pai tinha confiança na garota, para enviá-la conosco. Provavelmente ela já era experiente, e por isso poderia me ajudar. Foi essa esperança que me manteve foçada em meu objetivo, e não na forma como Azazel havia me trocado por ela mais cedo.
— Gandallia? Não sou mais uma garota sem nome pra você?
— Por favor.
Supliquei, percebendo as lágrimas quentes molhando minhas bochechas.
— É o Metatorn. Me diz que você tem habilidades médicas.
Sua expressão de desprezo, como um passe de mágica sumiu. E como se um sinal vermelho a puxasse, ela largou o corpo de Theliel, e correu até o quarto de Metatorn. Eu a segui todo o tempo, pedindo ao vento, que se ele existisse mesmo, salvasse meu amigo.
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Lágrimas por asas
RomanceSophia, é uma garota doce e esforçada. Presa em um mundo onde seu destino é decidido após os vinte anos, tudo o que ela faz é garantir que pode passar no grande teste, para ganhar um par de asas e manter uma vida estável sem miséria. Mas esse pensam...