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A tosse tentava expulsar toda a tonelada de pó que eu havia respirado de uma vez. Meus olhos ardiam, os pulmões arfavam, e meu corpo doía. Mas de repente... cócegas. Senti arrepios por todo o corpo, quando algo macio e fino entrou em contato com a pele exposta de meu braço. Eu teria rido, se não fosse pela dor latente na cabeça e em todo o resto. Finalmente abri os olhos para o objeto macio e aconchegante que me tranquilizava, apenas para dar de cara com o rosto esculpido de Metatorn, seu nariz a centímetros do meu. Suas asas me envolviam, e quando me dei conta disso, me lembrei de todo o resto.

Os gritos, o teto caindo, e o rosto confuso de Metatorn conforme seus braços me puxavam para mais perto. Minha cabeça zunia. Se não fosse por ele, eu teria sido esmagada. Ao olhar para baixo, constatei que seus braços ainda me apertavam contra ele, mesmo que seus olhos estivessem fechados, e que seu rosto parecesse inconsciente. O que o fazia me apertar tão firmemente? Por uma pequena fenda, no local onde os picos das asas se encontravam atrás da cabeça de Metatorn, pude detectar uma movimentação.

— Socorro!

Tentei gritar, mas saiu como uma gralhada, um sussurro esganiçado. Ainda assim, funcionou o suficiente para que quem quer que fosse a pessoa a passar, se concentrasse em minha voz.

— Sophia? Está viva? Tem alguém com você?

Os blocos pesados de concreto abafavam a voz da pessoa, mas consegui reconhecê-la. Após mais algumas tossidas, consegui responder a Cassiade.

— Metatorn está comigo, ele respira, mas tem muito sangue na cabeça dele!

Eu não percebi que havia um nó na minha garganta, até pronunciar as palavras finais da frase. O sangue carmesim jorrava por um buraco feio bem na lateral da cabeça de Metatorn, e mesmo minha mão não era capaz de parar o fluxo. Me lembrei de todas as vezes em que odiei aquele rosto, todas as vezes em que desejei sua morte. E agora... ela parecia cada vez mais próxima. Mas diferente do que eu havia imaginado, não consegui sentir alívio. Só me sentia desesperada. O assassino da minha irmã estava morrendo, graças a me proteger.

— Az! Me ajuda aqui! Aguenta aí Sophi, vamos te tirar daí.

Ouvi passos, e então conversas. Para meu profundo alívio, consegui identificar mais duas vozes familiares, Ana e Azazel. Algo rangeu, então estalou, depois um baque surdo que ecoou por entre meus ossos. E finalmente... o grande bloco de concreto que nos esmagava, foi puxado para cima. Um alívio indescritível invadiu meu corpo quando pude respirar novamente. Mas um olhar para o rosto inerte de Metatorn foi o suficiente para quebrar o alívio. Empurrei suas asas para o lado, me libertando do casulo.

— Ajudem ele!

Passei meus braços por debaixo de seus ombros, e tentei empurrá-lo para cima. Mas só consegui movê-lo alguns centímetros antes que Azazel assumisse o controle, facilmente o tirando do buraco em que o teto havía criado no chão. Cassiade estendeu a mão para mim, e eu a aceitei. Reparando nas roupas em frangalhos e nos rostos sujos de pó para me distrair de minha preocupação principal, questionei:

— O que houve aqui? O prédio não parecia velho ao ponto de um desabamento!

Tossidas irromperam por minha garganta assim que terminei a frase, fazendo meus olhos lacrimejarem de alívio ao sentir o pó sair de meu organismo. Pode ter sido puro fruto de minha imaginação, mas poderia jurar que a sensação de perigo que eu havia sentido antes, se intensificou, mesmo depois de ter salvo Metatorn da garota. Cassiade e Anaita se entreolharam, enquanto Azazel cuidava de Metatorn. Arrisquei um olhar ao redor. Blocos e mais blocos de concreto estavam espalhados pelo chão. Nada mais era visível, a não ser por uma perna ou outra, alguns braços avulsos e pedaços de tronco. Pessoas dilaceradas. Como aquilo havia acontecido?

— Sophia, é perigoso ficar aqui. Você precisa vir conosco, no caminho te explicamos.

Encarei os olhos dourados e preocupados de Anaita. Ela parecia aflita. Mas se tinha algo em mente, não disse nada. Apenas se virou para o primo, e começou a questionar o que faríamos a seguir. Ideias absurdas surgiram da conversa, desde fugir pela floresta sul, até tentar um roubo de algum barco para atravessar o oceano.

— Como assim? Metatorn precisa de um médico urgente, e creio que nenhum deva acampar no meio da floresta!

Arrisquei uma pequena espiada para o local onde Metatorn era mantido no chão. Ele estava estirado, Azazel terminava de enrolar sua cabeça em um pedaço de tecido da própria roupa, e olhava para ele de uma forma nada agradável.

— Sophi.— Cass me chamou— O que aconteceu aqui, é culpa nossa, e Metatorn está envolvido, por isso precisamos fugir com ele. Você ainda pode voltar pra casa e procurar outro emprego, se matricular na faculdade mês que vem e ter uma vida normal. E se decidir isso...— finalmente desviei meus olhos de Metatorn, para encarar os de Cass, quase marejados pela poeira — Não poderei te explicar nada, mas te prometo que vamos ficar bem.

Senti minhas sobrancelhas se franzirem involuntariamente. Me lembrei de todas as vezes em que o prédio editorial simplesmente esvaziou, como se todos os líderes de setor e mais alguns funcionários se escondessem de algo. Me lembrei da conversa estranha de dias atrás, e das frases suspeitas. Me senti inclinada a virar as costas e voltar para minha cama aconchegante, longe daquelas pessoas que eu mal conhecia. Mas foi aí que me lembrei de como tudo parecia vazio antes daquele momento, e meu coração palpitava por emoção. Uma sensação estranha borbulhou em meu estômago, algo me dizia que eu poderia usar aquela jornada como meio de encontrar meu irmão.

— Vou com vocês.

Cassiade assentiu, e sem procurar por mais ninguém naquele monte de concreto, deu as costas e indicou que o seguíssemos. Azazel pegou o corpo inerte de Metatorn nos braços, e apesar do tamanho dele, conseguiu caminhar normalmente. Anaita entrelaçou seu braço no meu, e após um sorriso triste, me puxou para fora daquele lugar.

Algo muito perigoso estava começando em minha vida. E eu não podia evitar o alívio.

Lágrimas por asasOnde histórias criam vida. Descubra agora