O anjo da Morte

3.3 - Conversa incômoda

 Se olhar pudesse matar, definitivamente, Yoongi teria assassinado Taehyung. Com os punhos fechados, o neto do senhor Min assistiu o homem chamar sua colega de trabalho para uma conversa em particular. E nada fez para impedir.

 Yujin estava tão concentrada em falar ao anjo o que havia descoberto que não notou o incômodo do garoto de fios platinados. Quando Taehyung pediu para que conversassem, apressou-se em indicar o setor isolado da biblioteca, onde poderiam ter privacidade. Aos olhos dos outros, o diálogo que teriam seria considerado louco. Mas ela também via dessa forma.

 Ao chegarem no último corredor, o anjo entrega a mochila da garota, que procura rapidamente seu celular enquanto o agradece. Yujin queria mandar uma mensagem a Jimin para que fosse à sua casa mais tarde, entretanto, assim que viu o que recebeu do amigo, conteve as palavras digitadas. Ironicamente, as cinco ligações perdidas e trinta mensagens não visualizadas a deixaram mais tranquila. Sabia que podia contar com Jimin. A preocupação dele demonstrava que se precisasse de seu apoio, ela teria.

 Mandando uma breve explicação e o pedido para se encontrarem, a estudante guarda o celular de volta na mochila e fica com ela em mãos, pois achou que colocá-la nas costas enquanto usa sua bolsa transpassada seria um desleixo de moda até para si.

- Não encontrei nada nos outros livros... - Taehyung suspira, demonstrando uma leve decepção por não ter conseguido achar algo em sua pesquisa da madrugada - infelizmente só este tem a nossa profecia.

 O coração de Yujin, que estava voltando ao ritmo normal depois que recuperou sua mochila, acelera novamente quando ouve o pronome utilizado pelo homem. Aquilo não era para ser dela. Não queria estar nessa enrascada insana.

- Eu achei. - a garota diz e foca em pegar o livro quando Taehyung a olha interessado no que seria dito em seguida - É... só uma frase, mas acho que pode mudar tudo.

 Folheando até a página determinada, a bibliotecária espera que o anjo concorde com essa opção. Entretanto, relembrou uma dúvida que surgiu durante a madrugada e parou de mexer as folhas.

- Por que me escolheu? - pergunta rápido, com medo de perder a súbita coragem, e percebe o semblante confuso dele.

 Abrindo na página da profecia que envolvia os dois, Yujin lê o trecho que a pôs nessa situação. Está escrito que um anjo apareceria para uma humana, porém, se for um processo aleatório como suspeita, quer dizer que ele tinha a opção de se mostrar para outra pessoa. Por que ela então?

- Eu não te escolhi. - a expressão duvidosa de Yujin o faz suspirar, sentindo que precisava contar parte da história, senão, permaneceriam nessa questão - Me mandaram achar a humana predestinada. Quando vim pra isto, senti que era você. Simplesmente senti. Eu nem estava na Coreia, mas - encarou de cima a baixo a garota retraída com o livro aberto em mãos e balançou a cabeça negativamente, recusando a acreditar nessa possibilidade - era como se algo me guiasse até você.

 Yujin enrubesceu. Não esperava que ele dissesse isso. Taehyung precisou controlar o sorriso ao ver a vergonha da bibliotecária. Quando disse que ela era fofa, não mentiu. Mas esse ponto que a garota mencionou passou a lhe incomodar. Se realmente tiver sido ele quem a escolheu, dentre todas as mulheres existentes, por que Seo Yujin?

- O que disse que tinha achado? - mudou de assunto, fitando a páginas levemente amareladas.

 A garota engoliu em seco, o corredor em que estão costumava ser frio, mas a sensação agora era quente. Não suava mais pela corrida da parada de ônibus até a biblioteca, porém, sentia que se continuasse naquela tensão seria como se estivesse correndo uma maratona.

- Tem como evitar a profecia. - sorriu brevemente e estendeu o livro para o anjo, apontando o local que era para ser lido - É só você se apaixonar por outra pessoa.

 Taehyung lê a pequena frase. Estava achando muito fácil a maneira de evitar a extinção mundial.

- Por que acha que isso basta? - ergue o olhar das palavras para a estudante que demonstrava um pouco de esperança.

- Porque aí diz "somente uma única paixão servirá, outro ato não terá o mesmo efeito". - une os lábios, tímida com a intensidade que não deveria existir naqueles olhos sem vida - Esse termo "ato" tem vários significados, um deles é a divisão das partes em uma peça de teatro. - a estudante explica a conclusão a que chegou após pesquisar fragmento por fragmento do texto - Talvez outra pessoa não tenha as... - pensou nas palavras que usaria, hesitante sobre quais seriam adequadas - qualidades necessárias...

 Um receptáculo para a criança que traria a destruição do mundo. Era como Yujin estava sendo descrita na profecia. Entretanto, o que lhe chamou a atenção foi como se viu naquele papel. Isso a deixou preocupada, não percebeu que estava aceitando essa ideia maluca à medida que o tempo voava.

- Então eu preciso apenas transar com outra mulher?

 Taehyung nota a vermelhidão nas bochechas da garota e sorri achando engraçado a vergonha da bibliotecária ao ouvir sua fala. Enquanto a observava nas últimas semanas, percebeu que ela se sentia constrangida quando algo mais íntimo era mencionado. Era ainda mais explícita sua timidez durante as conversas com o amigo, que não perdia a chance de usar o duplo sentido e fazer comentários com teor sexual sobre as pessoas que o atraíam. Podia ver que Jimin se divertia com o acanhamento da amiga. Não julgava o dançarino, afinal, também gostava de ver as reações tímidas da jovem.

- A-acho que sim... - agiu como se não desse importância, mas por dentro seu coração batia freneticamente - Você quem sabe, ou não, por que o destino do mundo está em nossas mãos, né? Então seria bom se você decidisse logo... - nervosa, Yujin se embaralha nas palavras.

 A risada do anjo a deixa chateada. Ele estava zombando de si, porém, sua coragem para reagir era nula.

- Vale a pena tentar. - fechou o livro rapidamente, fazendo com que um barulho alto ressoasse no corredor e assustasse a garota - Vamos?

 Ele havia formado um plano, bem simples na verdade: encontrar uma humana que o agradasse e dormir com ela. Só precisava da ajuda de Yujin para saber qual o melhor local para encontrar essa mortal. Porque, ainda que tivesse algum conhecimento sobre o assunto, suas vindas à superfície terrestre eram com o intuito de acompanhar as almas das pessoas que morreram devido seu comportamento arrogante, não tinha a experiência que desejava nesse ramo libidinoso. Podia contar nos dedos a quantidade de vezes que se deixou ser levado pela sensualidade humana. E isso foi só até certo ponto, além de não acontecer há muitos séculos...

- Aonde? - sem entender o convite de Taehyung, a bibliotecária questiona preocupada com o choque entre horário de seu expediente e o programa com o anjo.

- Achar uma mulher que me satisfaça. - o rubor na face de Yujin, assim como sua expressão de indignação, fazem com que Taehyung se sinta na obrigação de explicar sua frase - Sabe que essa parte de paixão e ato também pode significar sexo, não é?

 Tentando formar uma conexão entre as palavras, a estudante balbucia até ter uma fala relativamente firme. Não acreditava no que ouviu. Talvez ele fosse mais inconveniente que Jimin nesse aspecto de envolvimento carnal.

- M-mas você é um anjo! Anjos não dever...

 Travando a fala de Yujin, Taehyung encurta a distância entre eles, curvando-se um pouco a fim de ficar na altura da jovem de bochechas vermelhas tensa à sua frente. De maneira séria, encara firmemente os olhos medrosos e envergonhados, por um momento se perdendo no nervosismo deles. Às vezes a recusa da garota nesses assuntos era entediante, e precisava se conter para não mostrar a ela que estava perdendo grandes prazeres de sua medíocre vida por fugir de um relacionamento, seja físico ou emocional.

- Eu estou encarregado de ser o pai daquele que destruirá seu mundo - levantou uma das sobrancelhas enquanto sorria sarcástico - acha mesmo que algum código ético importa pra mim?

 Yujin engole em seco pressionando os lábios, extremamente nervosa com a aproximação do anjo. Aquilo tinha sentido. Quem era ela para ordenar algo?

- Agora que estamos acertados - voltando à sua postura, Taehyung põe as mãos dentro dos bolsos do longo casaco preto sorrindo - podemos procurar a mulher pela qual irei me apaixonar?